A Justiça Federal recebeu denúncia do Ministério Público e colocou no banco dos réus, no último dia 11 de fevereiro, sete homens acusados de integrarem uma organização criminosa especializada em contrabando e descaminho, estruturada no município de Cajueiro da Praia, Litoral do Piauí. Segundo a Polícia Federal, o grupo contrabandeava cigarros e produtos fabricados na China e, consequentemente, praticava lavagem de dinheiro.
Se tornaram réus, por decisão do juiz federal Gustavo André Oliveira, os seguintes denunciados: Chen Yong, Wanderley Rodrigues da Silva, Erasmo de Morais Furtado, Fábio Roberto Ruiz, Fernando da Cunha Fontenele, Anderson Lustosa de Castro e Edvaldo de Oliveira Costa. Esses dois últimos policiais militares.
O grupo começou a ser investigado após a morte do advogado Raimundo Siqueira, executado em abril de 2022 e que, segundo as investigações, integrava o esquema e foi assassinado por divergências internas na organização criminosa.
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Segundo apuração feita pela Polícia Civil do Piauí, Raimundo Siqueira era responsável pela logística de descarregamento das embarcações com as mercadorias contrabandeadas em portos clandestinos na cidade de Cajueiro da Praia.
Operação Conexão Cajueiro
Os réus foram alvos da Operação Conexão Cajueiro, deflagrada em 23 de janeiro pela PF. Todos eles estão presos, com exceção de Wanderley Rodrigues da Silva, que se encontra foragido.
Durante a operação, foram apreendidos caminhões, embarcações e dois fuzis sem numeração de série utilizados no transporte e na logística do esquema criminoso. A Justiça Federal determinou ainda o sequestro de bens e valores que ultrapassam R$ 250 milhões, valor aproximado das movimentações financeiras identificadas até aquele momento.
Histórico de apreensões

A PF tem registro de, ao menos, oito apreensões de produtos contrabandeados na região de Cajueiro da Praia. As mercadorias de origem estrangeira tinham como ponto de partida o Suriname, sendo transportadas por via marítima até o Brasil. O trajeto seguia ao longo da costa, até ingressarem no território nacional por meio de portos clandestinos situados no estuário formado pelos rios Timonha e Ubatuba, em Cajueiro da Praia.
No Litoral do Piauí, era feito o descarregamento das embarcações e o transbordo das mercadorias para os caminhões que as transportam até o seu próximo destino, na cidade de São Paulo (SP).
Como o grupo agia
A Polícia Federal dividiu a atuação da organização criminosa em quatro núcleos: logística e segurança do transbordo; proprietários das cargas; lavagem de dinheiro; e transporte naval.
Seguindo essa divisão, foi individualizada a atuação de cada um dos réus:
Chen Yong – de acordo com a PF, era o dono das mercadorias internalizadas no país e responsável pelos pagamentos da equipe de segurança e logística com atuação em Cajueiro da Praia. É sócio administrador da Chen Yong Importacao Exportacao Eireli.
Wanderley Rodrigues da Silva – ex-policial militar, era um dos responsáveis pela segurança da operação de descarregamento e transbordo dos produtos contrabandeados;
Erasmo de Morais Furtado – também ex-PM, atuava na segurança dos pontos de carregamento. Ele foi um dos indiciados pela morte do advogado Raimundo Siqueira.
Fábio Roberto Ruiz – também fazia a segurança dos locais de desembarque das mercadorias ilegais. Ele foi outro indiciado pela morte de Raimundo Siqueira.
Fernando da Cunha Fontenele – um dos responsáveis pela logística do descarregamento e transbordo das mercadorias estrangeiras dos navios para os caminhões.
Anderson Lustosa de Castro – sargento da Polícia Militar do Piauí, era contratado para o serviço de segurança dos desembarques.
Edvaldo de Oliveira Costa – cabo da PM-PI, também atuava na segurança nas áreas de descarregamento".
Produtos da China eram levados para São Paulo
De acordo com a PF, o núcleo dos proprietários das mercadorias contrabandeadas ou provenientes de descaminho era composto por empresários que possuem estabelecimentos comerciais na região da Rua 25 de Março, em São Paulo (SP), sendo que alguns deles são de nacionalidade chinesa. Um desses empresários é o réu Chen Yong, vulgo “China/Chinês”.
Empresas envolvidas
Foram identificadas diversas transações bancárias efetuadas por pessoas físicas e jurídicas domiciliadas em São Paulo, em favor dos integrantes do núcleo de segurança e logística da organização criminosa. Na hipótese apontada pela polícia, essas pessoas e empresas são as destinatárias das mercadorias contrabandeadas ou introduzidas irregularmente no território nacional por meio de portos clandestinos localizados em Cajueiro da Praia e regiões adjacentes.
As empresas identificadas foram: Nenen Artigos Eletrônicos Eireli, Ling Eletrônica Comercial Ltda, Hy$mi Comércio Ltda, Hong Eletrônica Comercial Ltda e Chaobiao Chen.
Lavagem de dinheiro
Durante as investigações, foram identificadas movimentações milionárias de dinheiro, ainda sim, a polícia concluiu que esses valores eram bem inferiores ao que de fato era obtido na prática criminosa.
“As características dessas transações, como a fragmentação dos valores, a utilização de terceiros para dissimular a real proveniência dos recursos e/ou os pagamentos realizados em espécie, apontam para uma tentativa clara de ocultação e desvinculação do numerário da sua origem ilícita, com o objetivo de conferir uma aparência lícita, bem como de manter oculta a identidade dos envolvidos nas operações financeiras realizadas”, consta no relatório do inquérito da PF.
Ainda conforme a polícia, em um intervalo de um ano, somente Edvaldo de Oliveira Costa movimentou mais de R$ 4 milhões, entre débitos e créditos na sua conta bancária.
Morte de Raimundo Siqueira
A partir dos elementos angariados no inquérito que investigou a execução de Raimundo Siqueira, foi concluído que a motivação da morte foi a disputa pelo controle financeiro e gerencial das atividades da quadrilha. Erasmo de Morais Furtado e Fábio Roberto Ruiz foram indiciados pela Polícia Civil, acusados de participar do assassinato.
Raimundo Siqueira, de acordo com as investigações, tinha grande influência e participação no esquema de contrabando e descaminho. Com a análise dos dados bancários, identificou-se que foram realizados 321 depósitos sem identificação na conta de titularidade do advogado, totalizando R$ 578.300,00 (quinhentos e setenta e oito mil e trezentos reais), no período entre dezembro de 2021 e fevereiro de 2022.
Denúncia recebida
Na decisão em que recebeu a denúncia, o juiz Gustavo André Oliveira Santos frisou que todas as provas apresentadas pelo Ministério Público Federal (MPF), com base no inquérito da PF, demonstraram a materialidade e autoria dos crimes de organização criminosa e lavagem de dinheiro.
“Esses eventos demonstram existir indícios de materialidade e autoria acerca da efetiva atuação da organização criminosa na recepção e transporte de produtos contrabandeados e/ou objeto de descaminho, cuja origem é o exterior (Suriname) e tem Cajueiro da Praia como entreposto, quando então as mercadorias são transportadas, no geral, até o seu destino final em São Paulo”, concluiu o magistrado.
O juiz deu prazo de dez dias para que os réus apresentassem resposta à acusação.
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