O Ministério Público Federal (MPF) no Piauí, por meio dos procuradores André Batista e Silva e Anderson Rocha Paiva, denunciou dez pessoas envolvidas em um esquema criminoso de grilagem de terras indígenas na região do Cerrado piauiense. Entre os denunciados estão servidores públicos, líderes indígenas, corretores de imóveis e até um candidato a vereador pelo Partido dos Trabalhadores em Timon (MA), acusado de participar ativamente de uma fraude que envolveu a invasão e falsificação de documentos de terras indígenas. Todos foram alvos da Operação Aldeia Verde, deflagrada pela Polícia Federal, nessa quarta-feira (19) no Piauí.
Os denunciados são: Adão Francisco de Sousa (dirigente sindical), Antônio Domingos Rocha Gomes (agricultor), Antônio James Rodrigues dos Santos (cacique indígena), Carlos Menandro Patta (empresário, alvo de mandado no Paraná), Francisco Helton Moreira da Silva (ex-servidor terceirizado do Interpi e ex-candidato a vereador pelo PT em Timon), João Teixeira (empresário), José Mateus Ferreira (agricultor), Manoel Alves Pereira (agricultor), Marcos de Sousa Silva Neto (corretor) e Michel Ramos de Sousa (auxiliar de cartório).
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Os acusados respondem por uma série de crimes, incluindo invasão de terras públicas, posse e porte de arma de fogo, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documento falso, corrupção ativa, ameaça, incêndio, corrupção passiva, entre outros. O esquema teve início em 2021 e se estendeu até 2023, com a invasão de aproximadamente 6.600 hectares de terras tradicionais dos indígenas Akroá-Gamella, localizadas nos municípios de Baixa Grande do Ribeiro, Gilbués, Bom Jesus e Currais, no Piauí. As terras foram registradas fraudulentamente com nomes como Fazenda CroáGamella I, II e III e Fazenda Ponta da Serra Cabeceira do Correntim.
Função de cada envolvido no esquema criminoso
O principal foco da ação criminosa era garantir a posse dessas terras de forma ilegal e, posteriormente, regularizá-las, por meio de fraudes no Instituto de Terras do Piauí (INTERPI). Os envolvidos utilizaram de documentos falsos, cooptaram pequenos trabalhadores rurais e até corromperam funcionários públicos para garantir a legalização dessas terras de forma fraudulenta. A estratégia incluiu a participação de funcionários do INTERPI, como Francisco Helton Moreira da Silva, que atuava diretamente na regularização fundiária das terras.
Marcos Sousa Silva Neto e Antônio James Rodrigues dos Santos, este último se passando por cacique indígena, foram os principais articuladores do esquema. Eles buscaram empresários interessados em adquirir as terras a preços abaixo do valor de mercado, oferecendo garantias de que seriam legalizadas. Os intermediários se associaram a lideranças locais, como José Mateus Ferreira, Antônio Domingos Rocha Gomes e Manoel Alves Pereira, que atuavam como "laranjas" para garantir a ocupação das terras.
Além disso, a utilização de armas de fogo foi parte do processo de intimidação e manutenção da posse das terras pelos envolvidos no esquema. Marcos Sousa Silva Neto foi responsável por fornecer as armas e munições para proteger o grupo e garantir que a ocupação de terras fosse realizada sem resistência. Entre os acusados, também estão corretores como Marcos de Sousa Silva Neto e Michel Ramos de Sousa, que desempenharam um papel crucial na fraude de documentos cartoriais.
Os empresários envolvidos, Carlos Menandro Patta e João Teixeira, foram os financiadores do esquema. Eles adquiriram terras em nome de "laranjas" e, com a ajuda dos intermediários, realizaram processos fraudulentos de regularização fundiária. Em troca, os intermediários receberam grandes quantias em dinheiro, além de materiais de construção, alimentos e, em alguns casos, até armas. O objetivo era garantir que as terras fossem ocupadas e, posteriormente, revendidas ou utilizadas para plantio de monoculturas.
A corrupção de servidores públicos foi um fator determinante para o sucesso do esquema. O técnico em georreferenciamento Francisco Helton Moreira da Silva foi uma peça chave para garantir que os processos de regularização fundiária fossem aprovados no INTERPI. Além dele, o dirigente sindical Adão Francisco de Sousa e o auxiliar de cartório Michel Ramos de Sousa facilitaram a emissão de documentos fraudulentos que atestavam a posse ancestral das terras, permitindo a sua titulação para os envolvidos.
A atuação do grupo criminoso foi bem articulada e envolveu diferentes esferas, como a jurídica, a empresarial, a fundiária e até a de segurança privada. A estrutura de grilagem se apoiava na utilização de "laranjas", em sua maioria pequenos trabalhadores rurais, que assinavam procurações autorizando os intermediários a realizar a regularização das terras. Isso permitiu que o grupo fraudasse os registros e conseguisse títulos de terras que pertenciam à União, destinadas à comunidade indígena Akroá-Gamella.
Como agiam os denunciados
Marcos Sousa Silva Neto: ele atuava como intermediário, sendo, em diferentes momentos, identificado como indígena, vaqueiro ou corretor de imóveis. Ele possuía várias procurações ligadas a imóveis rurais na região e estava diretamente envolvido no esquema de grilagem. Marcos Neto foi contratado por Carlos Menandro Patta, um empresário, para promover conflitos nas comunidades indígenas, criando condições para que as terras perdessem valor de mercado e pudessem ser adquiridas por preços baixos. Ele também denunciou falsamente crimes de grilagem envolvendo outros indivíduos, como José Edino Delfino dos Santos, Lindomar Feitosa e Julson Nélio Arantes Costa, acusando-os de invadir terras indígenas, quando, na verdade, ele próprio era parte do esquema.
Antônio James Rodrigues dos Santos: morador da comunidade indígena Akroá-Gamella, Antônio James se autodenominava "Cacique James" e usava essa falsa liderança para negociar terras indígenas com empresários, como Carlos Menandro Patta e João Teixeira. No entanto, a comunidade não o reconhecia como líder. Ele tentava se impor como uma autoridade para controlar o destino dos Akroá-Gamella, facilitando a negociação de terras indígenas, mesmo que, por serem de origem indígena, elas fossem inalienáveis. O MPF descobriu que, além de ser uma figura central nas negociações, ele agia para beneficiar os interesses de empresários no setor agrícola.
Carlos Menandro Patta: empresário envolvido com o agronegócio, Carlos Patta era um dos principais compradores das terras indígenas. Ele estava diretamente envolvido com Marcos Neto e Antônio James, utilizando-os para facilitar a aquisição das terras indígenas a preços significativamente reduzidos. Patta comprou terras na comunidade Morro d'Água através de Marcos Neto e foi também responsável por financiar os custos dos posseiros para garantir que a posse das terras fosse mantida enquanto as negociações estavam em andamento.
João Teixeira: ele era o corretor de terras indígenas, atuando na compra das terras da comunidade Barra do Correntinho com Antônio James. Além disso, esteve envolvido na aquisição de terras da comunidade Morro d'Água para Carlos Patta. As transações financeiras e mensagens trocadas entre João Teixeira e Marcos Neto indicam que ele estava disposto a pagar R$ 1.500.000,00 pelas terras da comunidade indígena liderada por Antônio James e ainda ofereceu a este último uma caminhonete como parte do acordo.
Francisco Helton Moreira da Silva: funcionário terceirizado do INTERPI (Instituto de Terras do Piauí), Francisco Helton foi contratado para realizar o georreferenciamento de terras e facilitar a tramitação de processos administrativos relacionados à regularização fundiária. A investigação demonstrou que ele ajudou a garantir a aprovação de requerimentos de regularização fundiária de terras indígenas, mesmo sem ter a autoridade para tal, permitindo que os grileiros obtivessem a titulação das terras fraudulentamente.
Adão Francisco de Sousa e Michel Ramos de Sousa: Adão Francisco de Sousa, dirigente sindical, e Michel Ramos de Sousa, auxiliar de cartório, desempenharam papéis fundamentais no fornecimento de documentos falsificados para dar ares de legalidade à posse das terras. Adão emitiu certidões de posse em nome do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Ribeiro Gonçalves, e Michel reconheceu a firma dessas certidões no cartório. Com isso, ajudaram a dar uma aparência legítima ao processo de regularização fundiária de terras roubadas.
Início das investigações
A investigação foi iniciada a partir de uma denúncia feita por Marcos Sousa Silva Neto, que relatou conflitos de terras na região. No entanto, à medida que as apurações avançaram, ficou claro que ele estava diretamente envolvido na grilagem, intermediando a venda de terras indígenas para empresários. Documentos obtidos durante a investigação revelaram que o esquema se estendia a diferentes comunidades indígenas, com a venda de terras na região de Baixa Grande do Ribeiro, Uruçuí e Currais.
A fraude foi alimentada pela falsificação de documentos e pela corrupção de funcionários públicos. Com o auxílio de advogados e dirigentes sindicais, o grupo conseguiu apresentar justificativas fraudulentas que permitiram a regularização das terras junto ao INTERPI. Esses atos ilegais geraram grandes lucros para os empresários envolvidos, que adquiriram áreas por valores muito abaixo do mercado.
O MPF destaca que, além da grilagem, o grupo criminoso também se envolveu em uma série de outros crimes, como incêndio, dano e ameaça, que foram utilizados para intimidar aqueles que se opunham à ocupação das terras. O objetivo era garantir a permanência do grupo nas áreas invadidas, criando um ambiente de medo e coação. Ao longo da investigação, o MPF conseguiu identificar todos os envolvidos e detalhar as funções de cada um no esquema.
Crimes dos denunciados
Conforme o MPF, Marcos Sousa Silva Neto foi denunciado por invasão de terras públicas, posse e porte de armas, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documentos falsos e corrupção ativa; Antônio James Rodrigues dos Santos, denunciado por invasão de terras públicas, ameaça, dano, incêndio e associação criminosa; Carlos Menandro Patta, denunciado por invasão de terras públicas, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documentos falsos e corrupção ativa; João Teixeira, denunciado por invasão de terras públicas, associação criminosa, falsidade ideológica, uso de documentos falsos e corrupção ativa; José Mateus Ferreira, denunciado por invasão de terras públicas, associação criminosa, falsidade ideológica e uso de documentos falsos.
Além deles, Antônio Domingos Rocha Gomes, denunciado por invasão de terras públicas, associação criminosa, falsidade ideológica e uso de documentos falsos; Manoel Alves Pereira, denunciado por invasão de terras públicas, associação criminosa, falsidade ideológica e uso de documentos falsos; Francisco Helton Moreira da Silva, denunciado por falsidade ideológica, uso de documentos falsos, corrupção passiva e advocacia administrativa; Adão Francisco de Sousa, denunciado por falsidade ideológica; e Michel Ramos de Sousa, denunciado por corrupção passiva.
O MPF solicitou que a denúncia fosse processada e recebida, com a citação dos denunciados para que possam apresentar defesa. Além disso, pediu a produção de provas, especialmente com a oitiva de testemunhas, e requereu que o processo seguisse o rito do procedimento processual penal ordinário até o julgamento final e condenação dos envolvidos.
Em nota, o Instituto de Terras do Piauí (Interpi) informou que atua para o empenho na execução da política de regularização fundiária estadual. Além disso, o órgão estadual pontuou que o profissional envolvido na operação não faz mais parte da equipe terceirizada do Interpi.
Confira nota na íntegra
O Instituto de Terras do Piauí (Interpi) vem a público reforçar sua atuação e empenho na execução da política de regularização fundiária estadual, que leva segurança jurídica a milhares de piauienses que vivem em áreas rurais, ressaltando seu compromisso com a proteção do patrimônio público, do meio ambiente, das comunidades tradicionais e das propriedades privadas legítimas.
Diante da Ação Penal do MPF em curso, investigando crimes de grilagem no cerrado piauiense, informamos que o técnico terceirizado deste Instituto citado atuava fora de suas atribuições e usando indevidamente o nome do Instituto, assegurando benefícios que jamais teria competência e autoridade para oferecer.
Ressaltamos que todos os processos protocolados pelos envolvidos no Interpi já foram indeferidos e arquivados por não cumprir requisitos básicos de admissibilidade e de comprovação de posse e uso da terra.
O profissional não faz mais parte da equipe terceirizada do Interpi.
Reafirmamos nosso compromisso com a legalidade e a integridade na gestão fundiária do Piauí e disponíveis para colaborar nas investigações.
Instituto de Terras do Piauí – Interpi
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