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*Deusval Lacerda de Moraes

Imagem: Divulgação/GP1Clique para ampliarDeusval Lacerda de Moraes (Imagem:Divulgação/GP1)Deusval Lacerda de Moraes
Ano de 1964. Luiz Gonzaga entoa a toada: Setembro passou / Outubro e Novembro / Já tamo em Dezembro / Meu Deus, que é de nós / Meu Deus, meu Deus / Assim fala o pobre / Do seco Nordeste / Com medo da peste / Da fome feroz [...] Sem chuva na terra / Descamba Janeiro / Depois Fevereiro / E o mesmo verão / Meu Deus, meu Deus [...] (Patativa do Assaré, A triste Partida).

Meio século se passou do lamento de Luiz Gonzaga e Patativa do Assaré e a situação de penúria no sertão nordestino continua a mesma. E no semiárido do Piauí, ou mais precisamente na região do Polígono das Secas, o quadro atualmente é aterrador. E, por isso, se o Piauí já era um dos estados brasileiros em que mais ocorria o fenômeno da emigração dos seus filhos para terras distantes, as outras regiões já estão sentindo forte migração com a seca nestes dois anos consecutivos por forçar ainda mais a retirada desses flagelados da sorte, como também se referia Luiz Gonzaga na mesma canção: Eu vendo meu burro / Meu jegue e o cavalo / Nóis vamo a São Paulo / Viver ou morrer/ Ai, ai, ai, ai / Nóis vamo a São Paulo / Que a coisa tá feia / Por terras alheia / Nós vamos vagar / Meu Deus, meu Deus [...].

Sem sombra de dúvidas a seca no sertão do Piauí está devastando todas as condições de sobrevivência dos homens e mulheres que vivem no campo e que, até o momento, nada está sendo efetivamente feito pelas autoridades constituídas das esferas federal, estadual e municipal em socorro desses abandonados pelo destino, apesar de em 1953, representando os sertanejos, o trovador clamava por uma providência do governo para amenizar os efeitos da seca e melhorar a qualidade de vida no sertão nordestino. Nesse sentido não pedia esmola, mas reivindicava atenção ao drama, como cantava na música “Vozes da Seca”: Dê serviço o nosso povo / Enche os rios de barrage / Dê comida a preço bom / Não esqueça a açudage [...] (Luiz Gonzaga e Zé Dantas).

Mas não foi bem isso o que aconteceu de lá para cá. Na região sul do Estado do Piauí mais afetada, praticamente não existe mais água. Os pequenos reservatórios de água secaram e os rios também estão praticamente secos. Os poços, na sua maioria, não funcionam e os que operam são cobrados do setor público preço alto da energia elétrica por funcionar diuturnamente. Mas não fica só nisso, a devastação é total, acontecendo nas plantações, no criatório, na flora e na fauna nativas que, aos poucos, estão sendo devoradas pela renitente inclemência da falta de chuvas.

Há pequenas povoações que não existe mais um vivente sequer, pois todos foram embora por não haver meio de subsistência. Como não há mais produção do alimento básico, os preços se tornaram proibitivos para as pessoas miseráveis. Convém lembrarmos que normalmente o preço da farinha, que é o alimento mais barato do sertanejo, que custava R$ 15,00 a saca de 60 kg passou a R$ 6,00 um único quilo, tornando-se inviável o acesso ao próprio produtor local. Pois, com a seca, não existe mais um pé de mandioca na região, portanto, vindo farinha de outros estados ou regiões. O feijão, que é outro alimento básico do sertanejo, saltou o quilo de R$ 1,00 para R$ 7,00, faltando também na mesa do pobre.

Sem se falar na mata que já foi destruída em 60%, sendo 70% só dos marmeleiros. O rebanho de bovinos e ovinos está dizimado e os animais que ainda não morreram estão em via de morrerem de fome. Os criadores querem vender o gado e não acham quem compra. As fêmeas não querem nem de graça. Os cajueiros foram destruídos em 70%, na região de Picos, por exemplo, não produz mais cajuína, e os pés de cajueiros mortos estão servindo de lenha. As mangueiras já foram destruídas em 80% como também os bambuzeiros. Não há mais produção de mel em São Raimundo Nonato, as cooperativas estão fechadas, e as abelhas foram embora e estão fazendo a floração nos reflorestamentos de eucalipto.

Para piorar a tragédia, está sendo minada também a esperança da população, pois não há uma ação de governo para amenizar tal sofrimento. No momento, o governo estadual não era para está perdendo tempo com falácias governativas, mas engendrando ação conjunta de salvação dos atingidos pela estiagem. Depois, a nível estrutural, lutar pela Transposição do Rio São Francisco com os rios Piauí e Canindé no sentido de garantir a segurança hídrica da região. Não podemos mais viver num sistema político da era do cérebro de pintassilgo, em que passa séculos e a mesma cena se repete com as gerações subsequentes, pois, apenas para lembrar, se normalizar as chuvas nos anos seguintes, já que só se conta mesmo com a ação da natureza, dizem os especialistas que são mais de 10 anos para recuperar os prejuízos até agora causados aos habitantes, ao ecossistema e ao habitat natural do semiárido nordestino.

*Deusval Lacerda de Moraes é Pós-Graduado em Direito

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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