- Nunca antes na história deste País um presidente fez ataques tão violentos à imprensa como os realizados nos 74 meses da gestão Luiz Inácio Lula da Silva. Nos pouco mais de seis anos de governo, Lula passou por uma séria crise política em 2005 - quando do mensalão - e por uma campanha eleitoral amena, como a de 2006. Nada, portanto, excetuando alguns meses de 2005, que justificasse uma espécie de cerco da mídia ao governo. Nos 120 anos de república ocorreram diversas crises políticas com repercussão na imprensa. Basta recordar o episódio das cartas falsas, de 1922, quando foi atribuída a Artur Bernardes uma série de cartas críticas ao Exército. O então candidato respondeu através da imprensa e travou-se um acirrado debate político. Mas Bernardes não imputou aos jornais a razão da crise. Evidentemente que havia periódicos abertamente anti-Bernardes, como o Correio da Manhã, porém a disputa ficou no campo político.
Em agosto de 1954, depois do atentado da Rua Tonelero, excetuando o Última Hora, a imprensa fez o maior ataque coletivo a um presidente até hoje conhecido. Mesmo assim, Getúlio Vargas manteve a disputa - que acabou tragicamente - na esfera política, contra seus adversários da UDN. Dez anos depois, a mídia foi parte da efervescente contenda entre os defensores da democracia e aqueles que buscavam encontrar uma saída do impasse político pelo caminho do golpe de Estado.
Durante o regime militar, os presidentes, claro, não foram simpáticos às críticas da imprensa. Especialmente depois do Ato Institucional nº 5 (1968), fizeram de tudo para controlar e impedir a divulgação de notícias que o presidente Lula chama de negativas. Neste caso, há um ponto de convergência entre os presidentes Médici - que melhor representou os anos de chumbo - e Lula: ambos, no exercício da Presidência, manifestaram preferência por uma imprensa do sim, e, se possível, do sim senhor. Médici dizia que ficava muito feliz ao assistir ao Jornal Nacional e ver como o Brasil era uma ilha de tranquilidade em meio a um oceano turbulento marcado por greves, guerras e revoluções, por todo o mundo. Não tinha azia, diversamente de Lula, ao ler os jornais. Havia a censura, jornalistas eram presos e alguns, mortos. Eram os tempos das páginas em branco ou adornadas com receitas de bolo ou trechos de Os Lusíadas. Lula nem deve ter percebido tudo isso, pois, como revelou ao site www.abcdeluta.org.br, naquela época "meu negócio era ler o Diário da Noite porque tinha a coluna que falava de futebol e eu queria ler tudo que falava do Corinthians, era isso. Não tinha cabeça para outra coisa". Nem Fernando Collor, no auge da CPI que levou ao seu impeachment, em 1992, teve coragem de usar as mesmas palavras que Lula utilizou na última semana ((assim como o fez, só para ficarmos neste ano, no Fórum Social Mundial, em janeiro, ou na entrevista a revista piauí).
Para os padrões brasileiros, Lula é um gênio da política. Ataca violentamente e ameaça de forma subliminar a imprensa - e não se ouvem protestos. Diz que o ato de campanha de Dilma com os prefeitos, pago com dinheiro público, não foi uma ação político-partidária. Elogia o regime militar, mas paga a alguns perseguidos políticos da ditadura aposentadorias milionárias. Tem como guru Delfim Netto - célebre por ter manipulado o índice de inflação de 1973, quando era o todo-poderoso ministro da Fazenda - e censura os governos militares pela péssima distribuição de renda. Faz severas críticas ao coronelismo nordestino e incensa José Sarney como exemplo positivo de político.
Lula fala o que quer, disserta até sobre o nada, tudo porque não tem oposição. Os partidos oposicionistas estão sempre evitando o confronto. Consideram o embate político um desserviço ao Brasil (lembra, neste caso, o discurso dos generais presidentes). Para usar uma metáfora ao gosto do presidente, a oposição quer ganhar o jogo sem entrar em campo. No auge do mensalão, achou que já estava ganha a eleição presidencial do ano seguinte. Agora imagina que a crise mundial vá fazer seu papel e derrotar o candidato governamental. Supõe que a popularidade de Lula seja uma espécie de antídoto ao debate, quando justamente ocorre o contrário: o índice é alto porque não há contraponto ao presidente.
Centrar fogo na imprensa é peça de uma estratégia maior. Lula simula uma relação cordial com prefeitos e governadores de oposição que não passa de representação mambembe de política republicana. Sabe que é uma farsa. Mas contém os tímidos, os oposicionistas café-com-leite (como no futebol se faz com as crianças). O Lula real é o que ameaça a imprensa. Faz isso porque sabe que é na mídia que encontra seus reais opositores, não por motivo político, mas simplesmente por questionar o discurso oficial ufanista; discurso que deve deixar invejoso o coronel Octávio Costa, chefe da Assessoria Especial de Relações Públicas, do ditador Médici. O curioso (ou triste) é que a imprensa faz um papel que não é o seu. O faz porque a oposição lembra a célebre Conceição, sucesso musical de Cauby Peixoto, aquela que ninguém sabe, ninguém viu.
Enquanto isso, Brasília, a capital da esperança (?), viveu dias momentosos em fevereiro, uma espécie de prenúncio do carnaval e com foliões animadíssimos. Primeiro, a eleição para as mesas da Câmara e do Senado. Só as fotos de confraternização dos poderosos da hora dão pavor. Quem não ficou receoso ao ver os efusivos cumprimentos de Fernando Collor ao bissenador (Maranhão e Amapá) José Sarney, sob as vistas de Renan Calheiros? Quem não ficou envergonhado ao ver os prefeitos participando da encenação da fotomontagem com Lula e Dilma? E com o presidente dizendo que o batom da ministra candidata é pago pelo contribuinte?
A política brasileira faz com que o cidadão oscile entre o medo e a vergonha. Para o historiador há sempre uma saída: o passado. Mas será que esse refúgio também não é uma farsa? Em algum lugar do passado tivemos um varão de Plutarco? Ou será que sempre estivemos mais para algum personagem suburbano de Nelson Rodrigues, um Palhares qualquer, aquele que beijou a cunhada no pescoço, no corredor apertado?
* Marco Antonio Villa, historiador, é professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e autor, entre outros livros, de 1932: Imagens de uma Revolução
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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