No dia 30 de agosto, prefeitos de quase todas as cidades do Piauí irão paralisar todas as atividades prestadas pelos municípios, em protesto contra a queda nos repasses de recursos, sobretudo o Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O movimento deve acontecer em quase todas as prefeituras do Nordeste e em outras regiões. No Piauí, a mobilização é feita pela Associação Piauiense de Municípios (APPM), capitaneada pelo seu presidente, o prefeito de Caridade do Piauí, Toninho de Caridade.
O presidente da APPM concedeu entrevista ao GP1 nesta terça-feira (22), oportunidade em que ressaltou a preocupação comum a quase todos os municípios do Piauí com a queda na arrecadação do FPM e também com o atraso na destinação das emendas parlamentares. Toninho de Caridade chegou a afirmar que, caso a situação não seja revertida rapidamente, "os municípios terão que cortar na própria carne".
Durante a entrevista o gestor também falou da reforma tributária e outras medidas que estão prejudicando os municípios, e enfatizou a importância da união dos prefeitos, a fim de fortalecer a pauta em comum perante o Governo Federal.
GP1: O senhor mencionou que a parcela do FPM a ser creditada no próximo dia 30 sofrerá uma redução de mais de 50% em relação ao valor pago no mesmo mês do ano passado. Quais são as principais razões que levaram a essa significativa diminuição nos repasses?
Toninho de Caridade: O Governo alega que a restituição do imposto de renda tem afetado a queda do FPM, e os municípios estão passando por muitas dificuldades nesse momento porque, justamente, nesses meses de julho e agosto estão com repasse muito menor do que no ano passado. Então, com o atraso das emendas parlamentares, principalmente, na área da Saúde, criou-se uma insustentabilidade da gestão municipal, ficou ingovernável, porque a partir do momento que você não recebe as emendas parlamentares, que já se tem cronograma de maio e junho e já estamos em setembro, e você tem uma perda considerável no FPM, a gestão fica inviabilizada. A preocupação dos gestores é justamente essa da gente conversar com o Governo e o Governo sinalizar que há uma forma de nos ajudar. Porque se não houver o pagamento das emendas e continuar as perdas no FPM não tem jeito, os municípios vão ter que cortar na própria carne, vão ter que fazer demissão, cortar o custeio da máquina pública, porque se não fizerem, a maioria vai burlar a Lei de Responsabilidade Fiscal, ultrapassando o limite prudencial de pessoal, porque com a queda da receita e a manutenção da mesma folha automaticamente não vai se conseguir cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. Então, há muitos fatores e os municípios vão ter que refazer uma rota de economia de no mínimo de trinta por cento e isso passa pelo custeio da máquina pública, como também no corte de comissionados, contratados, para que o município possa manter o funcionamento daquilo que o recurso dê para cumprir. O censo do IBGE não foi fator para queda do FPM, até porque foi aprovada uma lei no Congresso que diz que os municípios que perderam com o censo vão ser diluídos em dez anos, então isso não tem impacto imediato nos municípios que tiveram perda de população hoje.
GP1: Existem negociações ou diálogos em andamento com o Governo Federal para buscar alternativas ou soluções para essa situação de redução nos repasses?
Toninho de Caridade: A CNM e todos os presidentes já estiveram com o Governo Federal, mas ainda não houve nenhuma sinalização de como o Governo poderia ajudar e como não foram pagas essas emendas, foram feitas mobilizações com as bancadas federais de todos os estados do Brasil, para que dessem agilidade a essas emendas, porque traria um alívio de imediato à gestão municipal para o cumprimento do básico, que é folha [de pagamento] e fornecedor.
GP1: O senhor acredita que o Governo Lula poderia estar suprimindo dados referentes a arrecadação para deixar de repassar percentuais aos Estados e Municípios?
Toninho de Caridade: Não podemos afirmar, porque há toda uma sistemática de auditar a questão dos repasses que o Governo recebeu e do que foram destinados. O que nos surpreende na gestão dos repasses é que houve um aumento muito grande no repasse do Governo com relação à devolução do imposto de renda, então não temos como saber se esse valor reflete a realidade, se está abaixo, porque a gente pode dizer que foi o valor que causou o impacto negativo no repasse do FPM.
GP1: Além do FPM, houve impactos em outras fontes de recursos dos municípios provenientes do Governo Federal?
Toninho de Caridade: Sim, com certeza, quando cai o FPM automaticamente vai cair a Educação e Saúde, porque vinte e cinco por cento do que é repassado do FPM é destinado à Educação e quinze por cento à Saúde. Então, as áreas prioritárias também estão afetadas, para se ter uma ideia, no mês de julho o meu município, Caridade do Piauí, recebeu cerca de duzentos mil reais a menos e isso é muito impactante para um município de pequeno porte
Impacto nas finanças
GP1: Como o senhor avalia o impacto da redução nos repasses do FPM nas finanças dos municípios do Piauí, especialmente considerando a possível necessidade de atrasar os salários dos servidores?
Toninho de Caridade: Além de termos obrigação de cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal, de não ultrapassar cinquenta e quatro por cento da folha de pagamento, a gente também tem que cumprir com todas as ações municipais, principalmente, nas ações de Saúde e Educação, então, essas questões serão priorizadas porque são básicas, mas essas ações poderão ser reduzidas devido à falta de um profissional que pode ser que não continue nesse momento. Os municípios podem fazer por decreto ou apenas suspender alguns serviços momentaneamente, até que se regularize a questão do repasse do FPM. Se confirmado o não pagamento das emendas parlamentares e a previsão se concretizar do FPM é inevitável o atraso, até porque os municípios já estão com esses funcionários, então, se o mês está findando e não tem o recurso, ele vai ter que adequar, organizar o orçamento para poder cumprir com o pagamento das folhas.
GP1: Com mais de 90% dos municípios do Piauí dependendo quase exclusivamente das transferências constitucionais, como a APPM está lidando com essa situação e quais são as estratégias que estão sendo consideradas para mitigar os impactos financeiros nos municípios?
Toninho de Caridade: Quanto aos impactos financeiros estamos orientando os gestores a reduzir custos, principalmente naquilo que não é cem por cento essencial no momento, e estamos buscando do governo alguma solução para reparação dessas perdas e agilidade nas emendas. Caso isso não ocorra, o gestor vai ter que cortar na própria carne, vai ter que enxugar a máquina para poder cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal e também não chegar ao fim do ano com despesas para o ano posterior, porque aí vai estar incorrendo até em crime de responsabilidade.
GP1: Quais áreas dos serviços municipais podem ser mais afetadas com essa redução?
Toninho de Caridade: A capacidade do município vai reduzir e afetar diretamente a população. Por exemplo, hoje, se eu tenho condição de fazer cinquenta exames, pode reduzir para trinta, mas a gente espera que isso não ocorra, a gente espera que haja essa interlocução e essa sensibilidade do governo para que possamos de fato receber essas emendas e pelo menos resolver de forma paliativa um problema que é a perda do FPM. Esperamos que o governo possa ver uma forma de ajudar principalmente os municípios do Nordeste, que são os que sofrem mais, porque vivem de transferências constitucionais.
GP1: Além das dificuldades imediatas, como o senhor enxerga o cenário a médio e longo prazo para os municípios do Piauí caso essa redução nos repasses do FPM se mantenha?
Toninho de Caridade: Olha, é redução da máquina. E o ajuste fiscal precisa ser aprovado no Congresso, tanto o arcabouço fiscal, quanto a reforma tributária. A reforma tributária que está hoje não atende a maioria dos municípios, foram feitas mudanças em cima da hora, ainda na Câmara Federal. Existem duas cláusulas que foram inclusas como Lei Complementar, uma emenda aglutinativa que prejudica os municípios menores, transformando a divisão da variação econômica do Imposto de Bens e Serviços, que no texto original apoiado pela APPM e pela CNM dizia que era sessenta por cento população, cinco por cento de forma igualitária e trinta e cinco por cento para as ações baseadas em lei estadual. A lei que foi aprovada destinou oitenta e cinco por cento para a população, privilegiando os grandes centros, deixando apenas cinco por cento para dividir como lei estadual, podemos ter o risco de não ter mais o ICMS Ecológico, as ações de variação populacional dos municípios a nível de estado, prejudicando assim os municípios menores, dando ainda mais desigualdade social para o Brasil. Essa emenda aglutinativa tem que ser retirada do texto e votado o texto original. Então, são medidas que vão melhorar a arrecadação para os municípios, mas vão ser de forma paliativa, porque a transição da reforma tributária é de vinte anos e isso demoraria a acontecer, mas é um começo, é uma reforma que tem que acontecer até para diminuir a desigualdade social no Brasil.
GP1: Além das questões financeiras, como essa situação pode afetar a qualidade dos serviços públicos oferecidos à população? Quais são os riscos para áreas como educação, saúde e infraestrutura?
Toninho de Caridade: Os municípios vivem de resultados. Foi criado o ICMS, Saúde, o ICMS Educação, já temos o ICMS Ecológico, que trata do meio ambiente, e os municípios, para ter uma ação de qualidade, têm que ter recursos para investir na área. Se não tivermos investimentos nessas áreas prioritárias, não vamos ter resultados e, consequentemente, o município vai perder mais recursos ainda. A nossa preocupação desse momento é que a gente não pode retroagir às conquistas, por exemplo, as emendas destinadas aos municípios, que são impositivas, obrigatórias, não poderia estar tendo tanto atraso, porque elas estavam amenizando justamente o momento difícil que os municípios estão passando. Então o que a gente pede é sensibilidade do governo nesse momento, é o que traria tranquilidade, porque a lei diz que as emendas de bancada, principalmente na área de saúde, poderão ser utilizadas para folha de pagamento. Isso está ocasionando dificuldade dos gestores, porque todos os municípios já são dependentes dessas emendas que todo ano são alocadas.
Mobilização
GP1: A mobilização marcada para o próximo dia 30, onde os gestores municipais vão paralisar as atividades e manter apenas os serviços essenciais em frente à Assembleia Legislativa, é uma estratégia significativa para chamar a atenção para a crise financeira enfrentada pelos municípios. Quais são as principais expectativas da APPM em relação a essa mobilização e como você acredita que ela pode influenciar as discussões e ações em prol das demandas municipais?
Toninho de Caridade: Essa é uma ação sincronizada, é feita com todas as capitais do Nordeste, inicialmente começamos com os presidentes das associações do Nordeste, mas já tem uma reunião da CNM hoje onde já tem vários estados do Sul e Sudeste querendo aderir. Esperamos que isso sensibilize o governo da dificuldade que estamos passando, queremos demonstrar o que estamos passando, mostrar para a população e para os líderes que representam cada município, porque não tem sido fácil. O gestor já tinha essa rotina de se programar, de ter seus salários em dia, faz muitos anos que ninguém ouvia falar que prefeito atrasou salários, então a gente não quer retroagir, a gente quer essa sensibilidade para que possamos continuar fazendo o melhor para cada município que cada gestor representa. A gente espera ter essa sensibilidade do governo. O ideal é que depois dessa paralisação a gente possa reunir toda a bancada do Nordeste com todos os presidentes de associações, para discutir o pacto federativo e a situação dos municípios nordestinos.
Mensagem final
GP1: Por fim, quais são os principais apelos ou mensagens que a APPM gostaria de transmitir à população e às instâncias governamentais diante dessa situação desafiadora enfrentada pelos municípios do Piauí?
Toninho de Caridade: Diante de todas essas dificuldades que os municípios estão passando, estamos todos buscando soluções para que seja resolvido o mais rápido possível, para que não haja prejuízos para a população. A mensagem que a APPM deixa é uma mensagem de luta, vamos travar mais uma luta pelo municipalismo, como falamos anteriormente, um Brasil de inclusão passa por um municipalismo forte e atuante. É lá no município onde mora a população e onde as ações acontecem de fato, então, vamos juntos construir um entendimento para que o Governo possa reconhecer as perdas do FPM e que possa dar agilidade ao repasse das emendas parlamentares, principalmente das ações de saúde. Vamos juntos construir um entendimento para que os municípios possam ter esse reforço, nesse momento tão difícil pelo qual passam as finanças públicas.
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