“Vinde a mim, vós todos que estais aflitos sob o fardo, e eu vos aliviarei. Tomai meu jugo sobre vós e recebei minha doutrina, porque eu sou manso e humilde de coração, e achareis o repouso para as vossas almas. Porque meu jugo é suave e meu peso é leve.”
MATEUS 1:28-30.
Edvaldo Pereira de Moura
Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI), Mestre em Ciências Criminais (PUC-RS), Membro da Academia Brasileira de Letras da Magistratura (ABLM), Vice-presidente nacional do COPEDEM, Presidente da Seccional do IMB no Piauí.
No ensejo da solenidade de instalação da Academia Brasileira de Letras da Magistratura (ABLM), realizada na tarde do dia 9 de maio de 2022, no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, tendo à frente o Desembargador Fábio Dutra, Presidente do Instituto dos Magistrados do Brasil (IMB), em rápida e lapidar oração, o Ministro Luiz Fux, Presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, aclamado como um dos seus 18 novéis integrantes, assim fixou aquele histórico momento:
Nós vivemos em uma democracia que visa, acima de tudo, garantir a igualdade e os direitos fundamentais. Hoje comemoramos a liberdade de pensamento, de expressão, de opinião. Como magistrados, somos homens isentos e neutros. A nossa liberdade se caracteriza por independência. A sociedade exige dos juízes caráter, independência e conhecimento enciclopédico e esses requisitos encontramos nos membros da Academia e nos magistrados aqui presentes.
Além do presidente do STF, a Academia foi composta pelo presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ministro Humberto Martins; pelos ministros do STF, Carlos Mário da Silva Velloso e Ellen Gracie Northfleet; o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU), Benjamin Zymler; o ministro do STJ, Carlos Fernando Mathias de Souza; os desembargadores Andréa Maciel Pachá (TJRJ), André Ricardo Cruz Fontes (TRF2), Antônio Carlos Esteres Torres (TJRJ), Carlos Eduardo Thompson Lenz (TRF4), Eduardo Mayr (TJRJ), Edvaldo Pereira de Moura (TJPI), Jones Figueiredo Alves (TJPE), Iorge de Oliveira Vargas (TJPR), José Ernesto Manzi (TRT12), Nagib Slaibi Filho (TJRJ) e William Douglas (TRF2); e pelo juiz Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo, do Judiciário do Rio de Janeiro.
O presidente do IMB, desembargador Fábio Dutra, destacou que a instalação da ABLM era a realização de um sonho de muitos magistrados, que naquele momento em que concluía o triênio de sua gestão (2019/2022), com o esforço conjunto de todos os componentes da sua diretoria e dos colegas do IMB espalhados por todo o país, ora via realizar-se.
Hoje a Academia está vinculada ao IMB. Em breve, nós esperamos que ela possa prosseguir com seus próprios passos e autonomia. Nos queríamos muito ver a magistratura tendo a sua própria Academia Brasileira de Letras, reunindo acadêmicos de todo o país, profissionais da literatura, seja da área jurídica ou não; desde que se enquadrem no perfil que será estabelecido a partir desse momento inicial que estamos vivendo hoje.
O Ministro Luiz Fux foi o primeiro a receber o diploma de membro vitalício da ABLM, pelas mãos do Presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira, que no ato destacou em sua oração:
É sempre muito bom quando nós tomamos iniciativas voltadas em favor da cultura. Nosso país tem exímios pensadores, autores, escritores e poetas. Nada melhor do que o meio jurídico, que tanto lida com a palavra e trabalha com as pessoas, que produz tantas obras com aspecto científico, ingressar nesta seara. É de uma importância fantástica.
Após a entrega dos diplomas aos seus primeiros integrantes, o presidente Fábio Dutra instituiu a composição de uma diretoria pro tempore da ABLM, com os seguintes magistrados:
Presidente: Ministro Carlos Fernando Mathias de Souza (STJ); 2° Vice- Presidente: Desembargador Eduardo Mayr (TJRJ); 1° Secretário: Desembargador Antonio Carlos Esteves Torres (TJRJ); 2° Secretário: Desembargador Jorge de Oliveira Vargas (TJPR); 1° Tesoureiro: Juiz Jairo Vasconcelos Rodrigues Carmo (TJRJ) e 2° Tesoureiro: Desembargador André Ricardo Cruz Fontes (TRF2).
A placa da ABLM ficou provisoriamente no Instituto dos Magistrados do Brasil, no Rio de Janeiro.
Não custa lembrarmos neste azado momento da imensa importância para nós magistrados:
O Instituto dos Magistrados do Brasil (IMB) é uma entidade de natureza social e cultural, sem finalidade lucrativa e tem por objeto promover simpósios, cursos, conferências e pesquisas, sobre assuntos jurídicos, sociológicos ou de interesse geral para a Magistratura; editar livros, estudos, monografias ou publicações em geral de interesse científico; promover e estimular o aperfeiçoamento profissional e cultural de magistrados, e candidatos à Magistratura, propiciando-lhes os meios necessários ao seu desenvolvimento em todos os graus e especialidades.
Pelos seus objetivos colimados, o IBM já traz em si a finalidade bem próxima daquilo a que se propõe uma Academia, não fora o acentuado teor pragmático de sua natureza institucional. As propostas acadêmicas, no entanto, destinam-se a oferecer refúgios momentâneos de comunhão espiritual com o belo artístico e a criatividade imaginativa alcançada pelos poetas e escritores, hoje de extrema importância para sobreviver-se na turbulência e na subversão distópica dos valores fundantes do humanismo, ora feridos mortalmente pela nova (desordem mundial).
A literatura como manifestação da criatividade livre e inspirada, sempre trouxe o seu auxílio estético como contributo emoliente e dulcificante para quem lida com a rispidez crua entranhada na obra jurídica, obrigatoriamente escrita a contrapelo do gosto de quem busca na poética inspirada ou no encantamento de um texto literário generoso, aquilo que só a genialidade dos grandes autores tem nos trazido. Estranhamente, a obra literária é uma inesgotável fonte adjutória para quem busca modelos bem definidores da universalidade da condição humana, tão presentes na arquetipologia do Parmênides de Platão, no neoplatonismo de Plotino, na psicologia analítica de Carl Jung como na narratologia de Umberto Eco.
Referimo-nos, no início deste artigo, às rápidas e inspiradoras palavras do
Ministro Luiz Fux, quando ele exaltou os motivos que levaram à criação da ABLM.
Delas nos ficaram a inspiração que deu base ao título do nosso trabalho e ao ensejo de o correlacionarmos com o capítulo 11 do Evangelho de Mateus.
O Ministro Luiz Fux lembrou que quando se discutia sobre o melhor desenho para ilustrar a capa do livro de Piero Calamandrei, Eles, os juízes, vistos por nós, os advogados, seu aluno dileto, mais tarde também jurista, político e advogado famosíssimo na Itália, Paulo Barile, apresentou ao intransigente professor a figura de uma balança da justiça, subvertendo as leis da física, tendo num prato um grosso volume de leis, que pesava menos; no outro, uma rosa singela, vivamente colorida, que pesava mais.
Calamandrei olhou o desenho sem ares de simpatia; Barile, acostumado ao caradurismo do mestre florentino, notou surpreso que aquela ilustração o agradara além do esperado, tendo dele recebido a explicação sábia, de que aquela rosa representava a imarcescibilidade da justiça essencial, celebrando a ideia de que nenhuma lei da terra ou dos tribunais tem o condão de submeter o homem aos caprichos de um tirano ou de Estado, tendo sido a sua liberdade estabelecida pela natureza que o criou; ninguém tem o direito de estabelecer, por vontade ou por lei, possessão ou manumissão do ser humano. A palavra liberdade, do sumério Ama-gi, significa o antônimo absoluto de escravidão. Mas em qualquer sentido que queiramos empregá-la, ninguém foi mais universal e atemporal do que o mestre Calamandrei: “a liberdade é como o ar: você percebe o quanto vale quando começa a acabar.”
Paulo Barile lembraria mais tarde de que Piero Calamandrei observara um encanto singular naquela gravura: os grossos tratados das leis dos homens não podem ser mais pesados na balança da justiça do que a fragilidade, a graça, a ternura, o afeto, o amor, a generosidade que estão expressos na singeleza de uma rosa. A rosa é o símbolo místico da humanidade e da essência dos valores do espírito.
Vale lembrar que naqueles dias a Itália passava pelas agruras da Segunda Guerra Mundial, opressa pelas agressividades criminosas do nazi-fascismo. Simonetta Fiori, em sua obra, I professori che disserono No al Duce, in La Republica, confirma que durante os vinte anos de fascismo, Calamandrei foi um dos poucos professores e advogados que não pediu a carteira de sócio ao Partido Nacional Fascista e colaborou com o jornal Non Mollare.
Em 1943, para manter a cadeira universitária, jurou fidelidade ao regime fascista. Calamanderi assinou porque considerou ensinar o “seu lugar de batalha”, mas essa submissão lhe custará “sua alma dilacerada”. Todavia, a imagem dele posaria em definitivo para a história, quando redigiu a famosa Lápide à Ignomínia, um dos mais virulentos protestos gravados em duas lâminas de mármore, contra a nefasta presença, no território italiano, do general marechal de campo Albert
Kesselring, por ocasião das forças de ocupação nazistas na 2ª Guerra Mundial.
No nosso tempo, estudos, opiniões, projetos e movimentos intelectuais tornam-se de cardeal importância quando se busca repensar o humanismo do Direito, desde as suas mais remotas origens, imbricado nas entranhas na ficção literária.
Aqui, não iríamos muito longe sem o introito oferecido pelo verbete da
Wikipédia, a enciclopédia livre:
“O movimento direito e literatura se concentra na conexão interdisciplinar entre direito e literatura. Este campo tem origem em duas grandes questões que marcam a área do direito: primeiro, dúvida cada vez mais constante sobre se o direito é, isoladamente, uma fonte de valor e significado ou se ele deve estar conectado a um amplo contexto cultural, filosófico ou de ciências sociais que lhe conferirão valor e significado; e, segundo, o foco crescente na mutabilidade do significado em todos os textos, sejam literários ou jurídicos. Aqueles que trabalham na área enfatizam uma ou outra de duas perspectivas complementares: Direito na literatura (estudo de grandes questões jurídicas exploradas em textos literários) e direito como literatura (estudo de textos jurídicos a partir de métodos de interpretação literária, análise e crítica). Este movimento tem implicações amplas no que diz respeito a métodos de ensino, área de pesquisa e interpretações de textos jurídicos. A combinação da capacidade da literatura de fornecer uma visão única da condição humana por meio do texto, com estrutura jurídica que regula essas experiências humanas na realidade oferecem ao judiciário uma abordagem nova e dinâmica para alcançar os objetivos de proporcionar uma sociedade justa e moral. É necessário, no pensamento prático e na discussão sobre o uso da retórica jurídica, compreender o papel do texto na definição da experiência humana.”
No Brasil, nosso primeiro contato mais objetivo e menos teórico foi com a Rede Brasileira Direito e Literatura do Rio Grande do Sul, dando relevo à presença do professor Lenio Luiz Streck, entrevistando grandes expressões do direito e da literatura brasileira, no programa de TV Direito & Literatura, da Unisinos, disponível no Youtube.
Duas obras estão sendo muito divulgadas atualmente: Medida por Medida: o direito em Shakespeare, de José Roberto de Castro Neves e Coleção para Entender
- Shakespeare e o Direito, de Mara Regina de Oliveira. A preocupação no Brasil com essa temática não é recente. José Gabriel Lemos de Brito foi um dos primeiros juristas que se ocuparam com esse assunto, quando escreveu e a editora José Olympio publicou, em 1946, O crime e os criminosos na literatura brasileira. O jurista baiano, Aloysio de Carvalho Filho, publicou, em 1958, O Processo Penal de Capitu e a coletânea Machado de Assis e o Problema Penal. Em 1998, Eliane Botelho Junqueira, pós-doutorada nos Estados Unidos, publicou Literatura & Direito: uma outra leitura do mundo das leis.
Na Europa de ontem e de hoje, direito e literatura têm sido fontes de estudos e obras da mais alta relevância. Nos Estados Unidos, John Wigmore e Benjamin Cardozo foram os primeiros a reconhecerem romancistas e poetas como os principais professores de direito na primeira metade do século XX. Quem, nos tempos de nossas cansativas lides acadêmicas, não topou com autores geniais de obras desafiadoras como Shakespeare (Hamlet, O Mercador de Veneza), Miguel de Cervantes (Dom Quixote de La Mancha), Dostoiévski (Crime e Castigo), Victor Hugo (O Último Dia de um Condenado à Morte), Arthur Koestler (O Zero e o Infinito), Franz Kafka (O Processo), Albert Camus (O Mito de Sísifo) e Ernst Hemingway (Por Quem os Sinos Dobram)?
Uma academia destinada pelos magistrados ao culto da criatividade poética e ficcional não é estranha, mas genuinamente ligada às suas origens.
Atena foi uma das deusas mais representadas na arte grega e sua simbologia exerceu profunda influência sobre o pensamento grego, em especial nos conceitos relativos à justiça, à sabedoria e à função civilizadora da cultura e das artes, cujos reflexos são perceptíveis até nos dias de hoje em todo o ocidente.
Academo, herói nascido na Ática, imortalizou-se na tradição grega como aquele que ajudou a resgatar Helena, revelando aos irmãos dela, Castor e
Polideuces, onde Teseu a mantinha cativa.
O túmulo dedicado a Academo localizava-se próximo ao cemitério de Atenas, rodeado por um jardim sagrado onde foram plantadas doze oliveiras e construído um altar dedicado à deusa Atena. Naquele mesmo bosque sagrado, cerca de 386 anos antes de Cristo, Platão fundou a Academia de Atenas, onde habitualmente conferenciava com seus discípulos.
A cultura acadêmica nunca existiu, não existe nem existirá sem uma grande e imperiosa paixão pela leitura, logicamente, pelos livros. Os grandes momentos da história estiveram sempre relacionados ao livro; às bibliotecas, concomitantemente, a quem os escrevia ou a quem os lia. Também os grandes reveses na história da humanidade foram marcados pela sorte dos livros, dos seus autores e dos seus leitores.
Pouco tempo depois de Platão criar a sua Academia, o rei grego Ptolomeu I
(366 a.C. - 283 a.C.), sucessor de Alexandre, idealizou e fundou a Biblioteca de Alexandria. Foi, também, o primeiro museu da história criado em homenagem às Musas. Aquela biblioteca foi incendiada no ano de 48 a.C., durante um ataque das tropas autorizadas por Júlio César. Anos depois, a Biblioteca de Alexandria passaria por dois momentos cruciais: um terremoto de grandes proporções e uma invasão, seguida de incêndio parcial de grupos cristãos, destruíram os livros que não estavam de acordo com sua fé.
Em 1559, apareceu a primeira versão do Index Librorum Prohibitorum, promulgada pelo Papa Paulo IV. Esse Index trazia uma lista de obras proibidas pela Igreja Católica, consideradas heréticas, anticlericais ou lascivas. O interdito católico foi abolido em 1966, pelo Papa Paulo VI, sem prejuízo da censura própria das religiões de proteger seus princípios dogmáticos.
Quanto ao Index católico podemos afirmar que se ele não tivesse sido desobedecido, não teríamos tido contato com obras de cientistas, filósofos e enciclopedistas como: Dante Alighieri, Montaigne, La Fontene (autor daquelas inocentes fábulas, que encantaram a nossa meninice?), Helvétius, Casanova, Sade, Madame de Staël, Rabelais, Maeterlinck, Simone de Beauvoir, Cesare Beccaria (imaginemo-nos sem Beccaria!), Jeremy Bentham, Stuart Mill, Ernest Renan, George Sand, Heri Bergson (Nobel de Literatura em 1927), George Berkeley, Giordano Bruno, João Calvino, Huldrych Zwingli, Martinho Lutero, Augusto Comte (imaginem!), Darwin, David Hume, Galileu Galileu, Nicolau Copérnico, Johannes Kepler, Nicolau Maquiavel, Erasmo de Roterdã, Baruch de Espinosa, John Locke, Denis Diderot, Blaise Pascal, Thomas Hobbes, René Descartes, Rousseau, Montesquieu ou Emmanuel Kant. Igualmente, não teríamos oportunidade de ter lido Laurence Sterne, Heinrich Heine, John Milton, Alexandre Dumas (pai e filho), Voltaire, Jonathan Swift, Daniel Defoe, Vitor Hugo, Emile Zola, Stendhal, Gustave Flaubert, Anatole France (Nobel de Literatura em 1921), André Gide (Prêmio Nobel em 1947), Honoré de Balzac, Jean-Paul Sartre (Prêmio Nobel em 1964), Nikos Kazantzákis e Hendrik van de Velde. Mesmo depois da abolição dessas obras perigosas, o clero católico ainda vem emitindo um admonitum (advertência), contra obras como O Códico Da Vinci, de Dan Brown, e de Harry Potter, de J. K. Rowling.
A saga milenar de perseguição ao livro tem fortes motivos para existir, dada a força extraordinária, quase mágica, de inseminar ideias, geralmente sempre desfavoráveis àqueles que constroem os seus domínios no vasto e ainda bem preparado chão da ignorância. Mas, a sua história tem, também, momentos inesquecíveis.
Homero criou duas obras primas universais, até hoje imbatíveis: a Ilíada e a Odisseia. No Brasil, ninguém melhor do que o genial mestre paulista, Silveira Bueno, para nos desvelar a paisagem onde queremos concluir nossas modestas considerações:
“Era a Ilíada um poema militar, guerreiro, tendo por escopo principal a narração do que fora essa guerra que terminara com o extermínio de todo um povo, de toda uma cidade, a famosa ilion. Como devia ser, traz o poema movimentação extraordinária, descrições que nos conservaram as emoções das grandes batalhas travadas entre heróis, tão grandes e tão fora dos moldes humanos que os próprios deuses, como se fossem homens, nelas tomaram parte ativa e decisiva. Tudo na Ilíada respira militarismo, feitos bélicos, devotamentos e sacrifícios heroicos como nunca mais voltaria a raça humana a apresentá-los na face do mundo. O céu e a terra, os homens e os deuses se confundem ou se aproximam grandemente: o Olimpo não é uma região abstrata, colocada simplesmente no alto, no céu, mas uma real montanha da Tessália, posta entre a terra e o céu, porque os deuses deviam estar próximos dos homens e estes daqueles, de tal modo que as qualidades e até os defeitos se comunicassem de uns para os outros.”
Frei Vicente do Salvador, em sua História do Brasil (1627), na dedicatória feita ao Licenciado Manuel Severim de Faria, chantre na Santa Sé de Évora, ressalta:
“O grande Alexandre… estimava tanto o livro de Homero (A Ilíada), em que se contam os feitos heroicos de Aquiles e de outros esforçados guerreiros que de ordinário o trazia consigo, ou, quando o largava de mão, o fechava em um escritório guarnecido de ouro e pedras preciosas, melhor peça que lhe coube dos despojos de Dario, ficando-lhe na mão a chave, que de ninguém a fiava.”
Trazemos, por último, mais um contributo à sábia relação da Literatura com o Direito, fragmentos dos conselhos dados por Dom Quixote a Sancho Pança, antes deste ir governar a ilha, insertos no capítulo XLII do Dom Quixote de La Mancha, por Miguel de Cervantes:
"Nunca interpretes arbitrariamente a lei, como costumam fazer os ignorantes que têm presunção de agudos. Achem em ti mais compaixão as lágrimas do pobre, mas não mais justiça do que as queixas dos ricos. Procura descobrir a verdade por entre as promessas e dádivas do rico, como por entre os soluços e impunidades do pobre. Quando se puder atender à equidade, não carregues com todo o rigor da lei no delinquente, que não é melhor a fama do juiz rigoroso que do compassivo (a leve rosa de Cervantes?). Quando te suceder julgar algum pleito de inimigo teu, esquece-te da iniúria e lembra-te da verdade do caso. Não te cegue paixão própria em causa alheia, que os erros que cometeres a maior parte das vezes serão sem remédio, e, se o tiverem, será à custa do teu crédito e até da tua fazenda. A quem hás de castigar com obras, não trates mal com palavras, pois bem basta ao desditoso a pena do suplício, sem o acrescentamento das injúrias. Ao culpado que cair debaixo da tua jurisdição, considera-o como um mísero, sujeito às condições da nossa depravada natureza, em tudo quanto estiver da tua parte, sem agravar a justiça, mostra-te piedoso e clemente, porque ainda que são iguais todos os atributos de Deus, mais resplandece e triunfa aos nossos olhos o da misericórdia que o da justiça."
Sem abdicarmos das buscas a compêndios de teorias, doutrinas e leis que a liça nos obriga, adejemos, pois, como beija-flores, mesmo sem os voos altaneiros das águias, o espaço sem fim no qual se encontram os nichos da sublimidade dessa misericórdia harmonizada com os legítimos ideais do direito, onde, certamente, também vamos aferir de perto o encanto, o aroma e a leveza da rosa de Calamandrei.
Isso, agora, com um motivo especial, temos uma Academia de Letras para chamá-la de nossa!
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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