Edvaldo Pereira de Moura
Desembargador do TJPI e Professor da UESPI
Há, no Górgias de Platão, uma passagem imorredoura, que chama a atenção de todos nós, pela verdade inconcussa, que fala mais alto do que vozes significativas e expressões altissonantes: “Exaltais os homens que regalam os cidadãos com festim e satisfazem os seus desejos. O povo diz que eles constroem a grandeza da cidade, não vendo que a condição intumescida e ulcerada do Estado é de responsabilidade deles, que encheram a cidade de cais, e de docas, e de muralhas e de receitas e coisas desse gênero, mas não deixaram lugar para a Justiça e a temperança”.
O presidente americano Harry Truman, há mais de meio século, disse a um assessor da Casa Branca, recém-chegado a Washington: “Se você quer ter um amigo nesta cidade, compre logo um cachorro”.
Pode parecer uma expressão simplória do humor ácido, mas não deixa de ser uma amarga verdade, que bem reflete a nostalgia do cidadão moderno, sempre alvo de injustiças e de ingratidões. Isso reafirma a condição humana, sempre marcada pela deslealdade, pela indiferença, pelo alheamento dos que não aprenderam a cultivar a gratidão honesta e não servil e a amizade sincera e desinteressada, em que cada um de nós passou a ser uma ilha de temores, num mar proceloso de pessoas inconfiáveis e interesseiras.
Esses enunciados podem parecer desconexos e não pertinentes, mas é no fio deles que vamos, em poucas e muito sinceras palavras, prestar o nosso reconhecimento devido a um magistrado honesto, sincero, leal, amigo, sensível e comprometido com a realização do justo, exemplo edificante de que nos orgulhamos e a quem muito devemos: João Menezes da Silva, já aposentado e que realizou, como Presidente do mais que centenário Tribunal de Justiça, exitosa e modelar gestão, implantando entre nós, dias antes de atingir a compulsória, a Justiça Itinerante, indubitavelmente, um capítulo à parte da história do Poder Judiciário Piauense, hoje com 129 anos de profícua existência, intensa atividade e apostolar dedicação aos supremos interesses da nossa sofrida, mas valorosa população.
Com a Justiça Itinerante, o Tribunal de Justiça do Piauí procurou revolucionar o conceito tradicional de uma Justiça distante e complexa, cujo papel só é compreendido por aqueles segmentos privilegiados, com os grandes iniciados dessa irmandade misteriosa, a exemplo dos magistrados, dos promotores de justiça, dos defensores públicos, dos delegados de polícia, dos advogados e dos seus demais atores.
A Constituição Cidadã de 1988, como sabemos, deu ênfase ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, instituído pela Carta Política de 1946, que permitiu o pleno e livre acesso e tão importante atividade mas que, infelizmente, apesar dos esforços de alguns, ainda possui mazelas a serem superadas, como o conservadorismo e sua irritante, inaceitável e desgastante morosidade.
Com a sua verticalidade moral e funcional, com o seu trabalho indormido, João Menezes da Silva, buscando fazer mais e melhor pelo Judiciário a que servimos, sem se preocupar com obras suntuosas, deixou com a Justiça Itinerante por ele implantada, um dos mais ricos e indeléveis legados, que tem prestado assinalados serviços ao cidadão hipossuficiente, dos bairros periféricos de Teresina e de cidades interioranas do Piauí. Bastaria essa louvável iniciativa, sem alarde, mas de valor inestimável, própria das personalidades bem formadas, para imortalizá-lo, como um dos melhores presidentes do Tribunal de Justiça e, concomitantemente, do Poder Judiciário deste Estado. Fê-lo sintonizado com os ideais platônicos, que censurou o progresso da “polis”, quando considerados, apenas, os valores de sua extensão material, sem levar em conta a importância da Justiça dos menos favorecidos e dos achados virtuosos dos cidadãos porque, para ele, eternas e atemporais são a Justiça, as virtudes dos homens e a sensibilidade platônica.
Por fim, parafraseando o Presidente Harry Truman, dirigimo-nos a todos os magistrados piauienses, especialmente, ao nosso homenageado, para dizer-lhes: quem quiser ter um amigo no Poder Judiciário de que participamos, que lhe tribute a consideração, a estima e o respeito, como sempre soube proceder, no mister generoso e sábio em que excelem os predicados de sua magistratura e de sua cidadania, João Menezes da Silva.
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
Ver todos os comentários | 0 |