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Francisco de Sousa Martins: o político arejado, o magistrado vertical e o intelectual sensível

Artigo do desembargador Edvaldo Pereira de Moura, que é diretor da ESMEPI e professor da UESPI.

Foto: Lucas Dias/GP1Desembargador Edvaldo Moura
Desembargador Edvaldo Moura

Edvaldo Pereira de Moura
Diretor da ESMEPI e Professor da UESPI

Ei-lo, por inteiro:


Idos de 1853! O Brasil era a sede do Império Bragantino e a distante e pobre Província de São José do Piauí, com a sua modesta Capital, Oeiras, encravada e irrigando o seu projeto de vida nos mansos rastilhos de água do Mocha, esforçava-se para se impor ao respeito das outras capitais das nossas províncias.

Distante dali, na Fazenda Canabrava, há dois anos, voluntariamente, confinara-se um homem esquisito, deprimido, quase cego, na casa dos seus 50 anos de idade. Não era um fazendeiro igual aos outros. Tinha modos finos, gestos educados e costumes de gente da Corte. Vez por outra, recebia a visita de uma personalidade influente, dentre àquelas que o receberam no distante ano de 1851, em Oeiras, com grandes manifestações de carinho e respeito, vindos de todas as camadas sociais e correntes políticas do Piauí. Isso se passava aqui por perto, há 170 anos.

Aquele homem, cada vez mais misantropo, quando solitário, não passeava pelos arredores de sua fazenda. Voltavase, completamente, à leitura das obras de Xavier de Maistre, de quem havia traduzido, dentre outras, a obra "Voyage Autour de ma Chambrei". Esse Xavier de Maistre, nascido em Chamberry, em 1763 e falecido em São Petersburgo, em 1852, era irmão de um dos mais ativos propagadores do absolutismo e da teocracia, o contrarrevolucionário francês, Conde de Maistre.

Sousa Martins, ainda escrevera, um estudo sobre a evolução do Jornalismo no Brasil, ocorrido entre 1808 a 1846. Além disso, deixara nos anais da Câmara Baixa do país, 1524 registros de atividades parlamentares, entre as quais, 388 discursos da mais densa importância sobre assuntos fazendários.

Nas horas de angústia, insônia e dores exacerbadas pelo rigor da hipocondria, ele só encontrava lenitivo na leitura de seus livros e a tentativa de suicídio, ocorrida em 1853, daria a extensão de sua debilidade física e mental que, pouco tempo depois, viria a extinguir-lhe a vida, na plenitude dos seus 52 anos de vida.

Esse é Francisco de Sousa Martins, nascido na Fazenda Canabrava, no município de Oeiras, no dia 06 de janeiro de 1805 e falecido no dia 1º de fevereiro de 1857, induvidosamente, uma das maiores expressões da política piauiense na transição do primeiro para o segundo Reinado. Exímio em assuntos fazendários, Sousa Martins era filho do Comandante das Armas do Piauí, Cel. Joaquim de Sousa Martins, irmão do Visconde da Parnaíba, Manoel de Sousa Martins, primeiro Presidente da Província do Piauí.

Munido de bons conhecimentos humanísticos, adquiridos na escola do seu parente, Pe. Marcos de Araújo Costa, Sousa Martins, aos 20 anos de idade, já se encontrava na Corte, cursando o Seminário São José. Logo desinteressado pela carreira eclesiástica, que o pai lhe escolhera, conseguiu dele o consentimento para estudar Direito na Universidade de Coimbra. Em 1827, lá estava ele matriculado, quando Dom Miguel se lançava em crua perseguição aos liberais, fechando a Universidade de Coimbra. Impossibilitado de estudar, Sousa Martins voltou para o Brasil e ingressou na Faculdade de Direito de Olinda, há pouco instalada. Quatro anos depois, chegaria ao Piauí como um dos primeiros bacharéis piauienses, formado em Direito, pela notável Faculdade de Direito de Olinda.

Nomeado Juiz de Direito de Oeiras, em 1833, deixou o cargo para entrar na política, sem muitas dificuldades, graças à forte influência de sua importante e tradicional família. Elegeu-se Deputado Geral pelo Piauí, para a 3ª, para a 4º, para a 5º e para a 6ª legislaturas. Em 1845, afastou-se de suas funções, para ocupar o cargo de Juiz de Direito dos feitos da Fazenda Pública do Rio de Janeiro. De 10 de dezembro de 1834, a 15 de março de 1836, presidiu à Província da Bahia, onde enfrentou o desfecho violento da Revolta dos Malês. Foi, também, o último Presidente da Província do Ceará, no Período Regencial, sendo substituído pelo Pe. José Martiniano de Alencar, pai do romancista José de Alencar.

De volta ao Piauí, reassumiu o cargo de Juiz de Direito de Oeiras e, em 1842, investiu-se, novamente, nas funções do cargo de Juiz de Direito dos feitos da Fazenda Pública do Rio de Janeiro, quando foi acometido de sério problema de saúde. Para se tratar, procurou a França, mas ali não se demorou, porque aquela nação se encontrava em um dos momentos mais conturbados de sua história. Dentre os países europeus que percorreu, Portugal foi o mais conveniente para a sua demora.

Como sabemos, o destino nem sempre é justo conosco, pois quantas vezes os animais e os vaqueiros daquelas bandas tropeçaram, indiferentes, sobre o amontoado de terras, que outrora guardou o túmulo do grande Francisco de Sousa Martins. Com efeito, ao se estudar a vida e a obra de Sousa Martins, homem preparado para o combate das causas nobres, como sempre deu provas com o denodo e a segurança, que só a inteligência, a autoridade moral imaculada e a consciência plena da cidadania responsável podem justificar, chegar-se-á à inelutável conclusão: Sousa Martins, inquestionavelmente, foi um dos filhos mais notáveis do Piauí, que fazendo justiça ao mérito e ao talento que o distinguiam, mandou, mais de uma vez, para o Parlamento, "lançando-o, desse modo e, bem cedo, no teatro inconstante e tempestuoso da política."

Trinta dias depois de seu falecimento, o grande escritor fluminense, Joaquim Manoel de Macedo, que teve destino parecido com o seu, em memorável discurso, proferido no dia 15 de dezembro de 1857, em Sessão Magna do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, com a presença do Imperador Pedro II e de membros da família imperial, fez o seu panegírico e nessa peça de rara beleza e inolvidável importância, há mais de 160 anos, disse: “Na arena do Parlamento, foi Sousa Martins um dos mais esforçados mantenedores da especialidade no estudo das questões financeiras, tão pronto e vigoroso nos combates da tribuna, como aplicado e zeloso nos trabalhos do Gabinete.” Infelizmente, nós nos esquecemos desse conterrâneo ilustre e para homenageá-lo, não há sequer o mais humilde recinto de qualquer órgão público deste Estado, em que exista o seu valoroso nome.

Para resgatar tão impagável dívida, por proposição de nossa autoria, o Tribunal Regional Eleitoral do Piauí, o homenageou como patrono do Fórum Eleitoral de Teresina, por nós concebido, construído pelo Des. Joaquim Dias de Santana Filho e inaugurado na profícua gestão do Des. Sebastião Ribeiro Martins.

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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