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A prisão e as medidas cautelares previstas pela lei 12.403/11

Artigo do desembargador Edvaldo Pereira de Moura, que é diretor da ESMEPI e professor da UESPI.

Foto: Marcelo Cardoso/GP1 Edvaldo Moura
Edvaldo Moura

Desembargador Edvaldo Pereira de Moura
Diretor da ESMEPI e Professor da UESPI

“A prisão é um grave equívoco histórico, só é possível
pleitear que ela seja reservada aos casos que não tenham
outra solução. A prisão avilta, embrutece a pessoa do
condenado.” - Cezar Roberto Bitencourt



O Sistema carcerário brasileiro, como é do conhecimento de todos nós, atualmente, vê-se a braços com sérios, asfixiantes e desafiadores problemas, que estão a exigir, dos que fazem a Justiça Criminal e o Judiciário a que servimos, com inexcedível zelo, inadiáveis, bem pensadas e inteligentes providências. Dentre as dificuldades com que se depara, se destaca a superlotação, com o crescente e incontrolável aumento do número de presos provisórios e dos que estão cumprindo pena, nas diversas unidades prisionais do Brasil.

A supracitada realidade, no meu entendimento, passou a ser melhor enfrentada, com o advento da Lei 12.403, de 4 de maio de 2011, que trouxe, ao nosso Sistema de Justiça Criminal, importantes e substanciosas alterações, criando as medidas cautelares diversas da prisão, previstas nos arts. 319 e 320, do Código de Processo Penal brasileiro. Antes dessa significativa modificação, ao juiz criminal só restavam duas alternativas: decretar a prisão cautelar ou conceder a liberdade provisória ao investigado ou acusado. Por isso mesmo, por força do autoritarismo existente no Direito Penal e Processual Penal, marcado pela inquisitoriedade, a medida mais adotada era a prisão cautelar, especificamente a prisão preventiva. Esse reduzido conjunto de opções alternativas, de natureza pessoal, ocasionava evidente e grave prejuízo, quer à liberdade ambulatória do autor do fato infringente da norma, quer à eficácia do próprio Sistema Processual Penal.

Com a já referida Lei 12.403, o investigado ou acusado tem, hoje, a oportunidade de permanecer em liberdade, desde que preenchidos os necessários requisitos, com algumas limitações impostas e devidamente justificadas pelo juiz criminal, para evitar a abusividade da prisão, podendo escolher a providência mais ajustada ao caso concreto, dentro de critérios de legalidade e proporcionalidade.

Com o desaparecimento da bipolaridade, que regia o ordenamento processual brasileiro, antes da Lei 12.403, a Justiça Criminal, através de decisão motivada e fundamentada, pode evitar os males da segregação, por intermédio do encarceramento desnecessário, porque a prisão passou a ser a “ultima ratio” e só não será substituída pelas cautelares diversas, se a decisão for fundamentada e apoiada em elementos concretos e individualizantes.

Com essa motivação, a Escola Superior da Magistratura do Estado do Piauí, de que sou diretor, realizou importante encontro em que, através do Professor Juliano de Oliveira Leonel, processualista emérito e professor acatado em todo Brasil, satisfez duas grandes expectativas daquele momento: primeiro, promovendo um encontro aberto a alunos e profissionais da área jurídica, tratando da importância da reforma sofrida pelo Código de Processo Penal, reclamada há mais de 70 anos. Segundo, escolhendo uma das mais representativas expressões do Direito Penal e Processual Penal do Piauí, Professor Juliano de Oliveira Leonel, para nos prestar tão judiciosas e aplaudidas lições.

No concernente ao nosso jovem ministrante, podemos afirmar, com a mais profunda convicção de magistrado atento à modernidade fluente do direito em nosso país, que estamos diante de um dos mais talentosos processualistas penais da atualidade. O Juliano Leonel, mestre e doutor pela PUC-RS, com significativas obras jurídicas publicadas, com a sua digníssima família, já se integrou, como ninguém, ao nosso meio e começa a se projetar, como promitente e talentoso professor de Processo Penal, pelo que faz e pelo que é, em todos os estados da Federação. Não estamos, aqui, tecendo elogios fáceis, mas exatamente porque acompanhamos de perto e com vivo interesse, a sua admirável atuação.

Logo que a Lei 12.403 entrou em vocatio legis, passamos a ouvir, sobre ela, as mais diversas opiniões, muitas oriundas do senso comum, com os naipes da dúvida, da incerteza e, o que é pior, da crença em que se tratava de mais uma contribuição para a banalização de muitos crimes, que já haviam adquirido o privilégio da impunidade tácita. A possibilidade de se arbitrar fiança, em até 200 salários mínimos, para alguns, seria a maneira de o Estado tirar ainda mais proveito de sua desídia secular.

Mas até em que ponto uma lei é o reflexo da vontade do cidadão beneficiado? Aqui, caberia uma rápida recapitulação de alguns juízos capazes de nos situar melhor nesta quadra de inquietações.

O conhecimento, como ente gnosiológico, traz em si duas definições conceituais: o senso comum e a razão epistêmica. O senso comum é algo imposto pela tradição como verdade acrítica. É a coluna vertebral dos costumes e das normas consuetudinárias. Já a razão epistêmica é o resultado indubitável da objetividade científica e nesta faixa está situada a categoria da norma jurídica.

Hans Kelsen explica que a ordem jurídica pode limitar mais ou menos a liberdade do indivíduo, enquanto lhe dirige prescrições mais ou menos numerosas. Fica sempre garantido, porém, um mínimo de liberdade, isto é, de ausência de vinculação jurídica, uma esfera de existência humana, na qual não penetra comando ou proibição.

Em seu O Direito dos Povos, John Rawls trata do que denominou de ideal da razão pública. Em uma sociedade nacional, diz ele, esse ideal é realizado ou satisfeito, sempre que juízes, legisladores, executivos e outros funcionários do governo, assim como candidatos a cargos públicos, agem a partir da ideia de razão pública e em conformidade com ela e explicam aos outros cidadãos as suas razões para sustentarem questões políticas fundamentais, em função da concepção política de justiça, que consideram ser a mais razoável.

No trato de As Prescrições e o Direito, de sua Teoria da Norma Jurídica, Norberto Bobbio traz à baila um dos mais antigos questionamentos, que se relaciona aos destinatários da norma jurídica. Se a norma jurídica, ensina Bobbio, é um imperativo e por “imperativo” se entende uma proposição, cuja função é a de determinar o comportamento alheio, não há dúvida de que a norma jurídica se dirige a alguém. Ihering, por sua vez, mostra, convincentemente, que os verdadeiros destinatários das normas jurídicas não são os cidadãos, mas os órgãos encarregados de exercitarem o poder coativo.

A doutrina normativa do sábio jurista alemão, vem colidir, frontalmente, com as doutrinas do Estado Democrático de Direito, onde todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, diretamente. Os Direitos e Garantias Fundamentais, inscritos em nossa Constituição Cidadã, já mostram o grau de complexidade que reveste o ato de legislar em nosso país. Assim, por mais pesada que seja a apreciação crítica de uma lei dessa natureza, devemos salientar que num Congresso, nitidamente garantista, uma lei que altera o Código de Processo Penal, traz inovações e esforços, para o trato de problemas de extrema complexidade, como os que nos acicatam. Não é, nem poderia ser perfeita, mas traz valiosas contribuições, que tendem a melhorar o atendimento ao cidadão, nos dias em que vivemos.

Não se pode esquecer de que, igualmente, vem sendo alimentado o esforço de muitos em busca de soluções, no campo paraprocessualístico. Além do mais, parece não serem boas as expectativas para aqueles que perseveram na crença de que a prisão resolve todos os problemas da criminalidade. O futuro da pena de prisão, no nosso entender, como já dissemos em outra oportunidade, é a sua gradual substituição, por outras medidas alternativas, mais inteligentes, menos drásticas e menos cruéis.

É como pensam os processualistas de vanguarda desse país continente.

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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