*Por Arthur Teixeira Júnior
Mais uma vez, ninguém me quis. Vou acabar com depressão.
Primeiro, fui mandado para um lugar meio quente, quase tão quente quanto Teresina. Tudo era meio avermelhado, um calor do cacete. Fui atendido por uma figuraça com chifres e um baita rabão pontiagudo. Tinha a fisionomia de alguém que conheço aqui da Repartição, mas não vou dizer quem, pois haja Sindicância para responder.
Foi logo dizendo que ali não havia vagas, estava tudo lotado por um pessoal de um certo Partido Político que estava achando-se em casa, agitando suas bandeiras da mesma cor do ambiente, mascarados e que estavam quebrando tudo. Havia somente uma vaga, mas já estava reservada para uma pessoa conhecida minha, que, espiei de rabo de olho na ficha que ele carregava, e o nome terminava com “ITA”. Deve ser Ruanita, Benedita ou mesmo Expedita.
O jeito foi tomar um busão para o Céu. O preço da passagem estava pela hora da morte, mas se pulasse a catraca, voltava para o Inferno. Pedro recebeu-me no ponto final, braços abertos (um sovaco de derrubar jumento), todo sorridente, disse admirador destas minhas polêmicas crônicas. Levou-me para falar com um tal de “JC”, o manda-chuva do local. Não teve como ajeitar uma vaga: estavam todas reservadas para o pessoal que reza o Terço nas quartas-feiras. Não faltará torcida para que elas ocupem logo estas suas vagas.
Pois se não tem jeito, que assim fique. Vou tornar-me mais um funcionário fantasma. Com um diferencial: continuar perturbando o Sistema. Antes de sair dos dois locais onde estive, em cada um jurei que responderia a última Sindicância de minha vida.
Minha cirurgia foi uma esculhambação. Deveria durar três horas, levou sete. A enfermeira, ao invés de depilar meu peito, depilou minha virilha. Disse que iriam acessar meu coração por ali. Ainda bem que não operei a coluna vertebral. Imagino por onde enfiariam a sonda.
Pena que não levei uma câmera para filmar a expressão do pessoal da Repartição quando fui trabalhar na outra semana, são e salvo. Um misto de frustração, indignação e inconformismo.
Alguns poucos sorrisos de bem vindo (ou bom retorno). Alguns colegas se entreolhavam, relembrando minha última crônica sobre meu próprio velório: “Mas não era verdade?”, perguntavam-se.
Divirto-me. Muitas vezes no elevador, do nada, pergunto a algum colega: “_Leu minha última crônica no GP1?”. Na maioria das vezes o interrogado faz uma cara de espanto, espreme os lábios, agita a cabeça negativamente. Quando não, responde asperamente: “_ Não leio artigos da imprensa marrom ...”. Na minha opinião ele não lê nada, pois é analfabeto funcional.
Mas o interessante é que, quando escrevo algo que envolve a estrutura de nossa Repartição, o comentário nos corredores é geral. Quando escrevi sobre a qualidade do café que nos é servido, embora a responsável seja de pouca leitura e certamente não tem acesso a Internet nem em seu local de alquimia nem em sua residência, foi a primeira a saber. Todos comentavam pelos corredores a indignação de Dona “X” (vou omitir o nome para não lhe dar mais IBOPE). Contabilizamos 8.000 acessos, a metade, talvez, desta Repartição que não lê minhas crônicas.
Meu editor telefonou-me ontem cobrando uma nova crônica. Mas como vou escrever, se estou afastado do trabalho e, portanto, afastado de minha fonte inspiradora? Assim como o repórter, o cronista se alimenta dos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica. Após cercar-me desses acontecimentos diários, dou-lhes um toque próprio, incluindo no texto elementos como ficção, fantasia e crítica, elementos que o texto essencialmente informativo não contém. A crônica situa-se entre o Jornalismo e a Literatura, e o cronista deve ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia.
Sei que sou muito lido, apreciado e odiado. Mas nunca desejei ser unânime, longe disto.
Torço muito para que o Sistema processe-me pelas minhas crônicas, pois assim talvez, com a publicidade e o debate que isto iria criar, talvez eu deixe de acovardar-me, assumindo aquilo que gosto de fazer.
*Arthur Teixeira Junior é funcionário público
Curta a página do GP1 no facebook: www.facebook.com/PortalGP1
Mais uma vez, ninguém me quis. Vou acabar com depressão.
Primeiro, fui mandado para um lugar meio quente, quase tão quente quanto Teresina. Tudo era meio avermelhado, um calor do cacete. Fui atendido por uma figuraça com chifres e um baita rabão pontiagudo. Tinha a fisionomia de alguém que conheço aqui da Repartição, mas não vou dizer quem, pois haja Sindicância para responder.
Foi logo dizendo que ali não havia vagas, estava tudo lotado por um pessoal de um certo Partido Político que estava achando-se em casa, agitando suas bandeiras da mesma cor do ambiente, mascarados e que estavam quebrando tudo. Havia somente uma vaga, mas já estava reservada para uma pessoa conhecida minha, que, espiei de rabo de olho na ficha que ele carregava, e o nome terminava com “ITA”. Deve ser Ruanita, Benedita ou mesmo Expedita.
O jeito foi tomar um busão para o Céu. O preço da passagem estava pela hora da morte, mas se pulasse a catraca, voltava para o Inferno. Pedro recebeu-me no ponto final, braços abertos (um sovaco de derrubar jumento), todo sorridente, disse admirador destas minhas polêmicas crônicas. Levou-me para falar com um tal de “JC”, o manda-chuva do local. Não teve como ajeitar uma vaga: estavam todas reservadas para o pessoal que reza o Terço nas quartas-feiras. Não faltará torcida para que elas ocupem logo estas suas vagas.
Pois se não tem jeito, que assim fique. Vou tornar-me mais um funcionário fantasma. Com um diferencial: continuar perturbando o Sistema. Antes de sair dos dois locais onde estive, em cada um jurei que responderia a última Sindicância de minha vida.
Minha cirurgia foi uma esculhambação. Deveria durar três horas, levou sete. A enfermeira, ao invés de depilar meu peito, depilou minha virilha. Disse que iriam acessar meu coração por ali. Ainda bem que não operei a coluna vertebral. Imagino por onde enfiariam a sonda.
Pena que não levei uma câmera para filmar a expressão do pessoal da Repartição quando fui trabalhar na outra semana, são e salvo. Um misto de frustração, indignação e inconformismo.
Alguns poucos sorrisos de bem vindo (ou bom retorno). Alguns colegas se entreolhavam, relembrando minha última crônica sobre meu próprio velório: “Mas não era verdade?”, perguntavam-se.
Divirto-me. Muitas vezes no elevador, do nada, pergunto a algum colega: “_Leu minha última crônica no GP1?”. Na maioria das vezes o interrogado faz uma cara de espanto, espreme os lábios, agita a cabeça negativamente. Quando não, responde asperamente: “_ Não leio artigos da imprensa marrom ...”. Na minha opinião ele não lê nada, pois é analfabeto funcional.
Mas o interessante é que, quando escrevo algo que envolve a estrutura de nossa Repartição, o comentário nos corredores é geral. Quando escrevi sobre a qualidade do café que nos é servido, embora a responsável seja de pouca leitura e certamente não tem acesso a Internet nem em seu local de alquimia nem em sua residência, foi a primeira a saber. Todos comentavam pelos corredores a indignação de Dona “X” (vou omitir o nome para não lhe dar mais IBOPE). Contabilizamos 8.000 acessos, a metade, talvez, desta Repartição que não lê minhas crônicas.
Meu editor telefonou-me ontem cobrando uma nova crônica. Mas como vou escrever, se estou afastado do trabalho e, portanto, afastado de minha fonte inspiradora? Assim como o repórter, o cronista se alimenta dos acontecimentos diários, que constituem a base da crônica. Após cercar-me desses acontecimentos diários, dou-lhes um toque próprio, incluindo no texto elementos como ficção, fantasia e crítica, elementos que o texto essencialmente informativo não contém. A crônica situa-se entre o Jornalismo e a Literatura, e o cronista deve ser considerado o poeta dos acontecimentos do dia-a-dia.
Sei que sou muito lido, apreciado e odiado. Mas nunca desejei ser unânime, longe disto.
Torço muito para que o Sistema processe-me pelas minhas crônicas, pois assim talvez, com a publicidade e o debate que isto iria criar, talvez eu deixe de acovardar-me, assumindo aquilo que gosto de fazer.
*Arthur Teixeira Junior é funcionário público
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*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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