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Por Arthur Teixeira Junior*

Imagem: ReproduçãoArthur Teixeira Júnior(Imagem:Reprodução)Arthur Teixeira Júnior

Doutor Jesus era uma figura folclórica em nossa Repartição. Fazia questão absoluta de ser chamado de “doutor”. Quem quisesse arrumar uma briga interminável, era só chamá-lo de “seu” Jesus ou só de Jesus.

Invariavelmente, todos os dias, quinze minutos antes do final do expediente, poderíamos vê-lo defronte ao relógio de ponto, crachá enfiado na ranhura apropriada, mão sobre a alavanca e olhos atentos aos ponteiros. Pontualmente, às 14 horas ele marcava sua saída, e, sorriso triunfante no rosto, já com as marcas do tempo, corria rumo ao ponto do ônibus que o levaria de volta ao lar.

Uma tragédia familiar nos privou de tão alegre figura. Mas Doutor Jesus fez escola: hoje podemos ver vários funcionários na fila do relógio de ponto, agora eletrônico e digital – leitura biométrica (coisa de primeiro mundo) – muitos minutos antes do final do expediente, impacientes, mas em organizada fila, lambendo e limpando seus polegares para que, pontualmente às 14 horas, deem por encerrado seu labor.

O intrigante é a preocupação de algumas pessoas em não darem um segundo a mais, sequer, sem receberem por isso. Mas muitas destas pessoas não tem a mesma preocupação com os atrasos em seus compromissos e o prejuízo que estes atrasos causam aos outros.
Em crônicas anteriores já falei da naturalidade com que o brasileiro lida com atrasos. E não observei qualquer progresso. Naquilo que é o mais básico e mais central, permanece. Como se fosse um palimpsesto que, apagado várias vezes, revela, de novo, o mesmo conteúdo. Aí, eu me pergunto se estou ficando velho, fora de época e contexto. Mas, a cada nova situação que vivencio de horários não cumpridos, convenço-me que não.

Releio a coluna Ponto de Vista, na revista Veja de 24/03/2004, onde Cláudio de Moura Castro escreveu o artigo "O tempo do desenvolvimento", fazendo uma comparação entre os nossos hábitos e os de outros povos em relação a tempo, atrasos e suas consequências. Sua frase "quanto mais tempo se perde por desorganização ou esperando pelos outros, menos tempo se utiliza produzindo e menos riqueza é gerada; e isso sem ganhar em lazer" é firme e esclarecedora. Ele diz também que "o respeito pelo tempo dos outros aumenta a produtividade social, pois o tempo de todos não é desperdiçado pelas esperas". E na revista Pequenas Empresas & Grandes Negócios, também de março de 2004, Adriana Fonseca publicou o artigo "Momentos valiosos", onde escreveu: "(...) apesar de tudo o que já se falou sobre gestão de tempo nos últimos anos, porque ainda continuamos a entregar trabalhos fora do prazo, a nos atrasarmos para compromissos e a ficarmos estressados com o trabalho?".

Sempre tentei entender porque tantas pessoas se atrasam para compromissos e encontros marcados. Quem cumpre horários sempre discute ou briga com os atrasados, e o primeiro contato, que muitas vezes dita o rumo de uma conversa ou encontro, pode ficar comprometido com o mal estar gerado nesse momento. Tudo por causa da hora. Mas será tão simples assim? Apenas uma desatenção para com o outro? Ou uma questão de disciplina interna, de falta de organização ou outros fatores importantes que devem ser analisados?

Vejamos alguns deles:

- Atraso como exercício de poder:

Dispor do tempo dos outros é uma forma de exercitar poder que, no Brasil, tem sua prática bastante difundida. O médico amontoa gente na sala de espera (vejam como precisam de mim, como sou importante!). A reunião só começa quando o chefe chega, seja o presidente, diretor, chefe de seção ou encarregado de turno, e isso pode demorar dez minutos ou mais de uma hora. Puro exercício de poder, uma forma clássica de egoísmo, um antônimo de caridade.

- Mas todo mundo se atrasa...

Os espetáculos teatrais ingleses começam no horário marcado, e você pode ser o rei de copas, mas vai ter que aguardar o final do primeiro ato, lá atrás, em pé, e só sentará durante o intervalo. Thomas Watson, fundador da IBM, trancava a porta ao início das reuniões e impunha penalidades aos atrasados. O condutor do trem-bala japonês desculpa-se com os passageiros pelo atraso de um minuto ocorrido na partida da viagem, e a cada momento volta a se comunicar pelo sistema de som explicando como o atraso está sendo compensado e, é claro, volta a se desculpar. Mas como estamos na terra das palmeiras, a Pindorama, te aconselham a relaxar. E gozar. É neura, dizem alguns. Falta de educação e de respeito ao próximo, rebato.

- Não tolero ser cobrado:


"Eu me atraso sim, e não admito que fiquem me cobrando porque não chego na hora. Eu não sou criança".

Não, realmente não você não é criança, você é mimado ou bobo, isto sim. Só falta bater o pezinho e dançar aos pulos como índio de filme de cowboy. Ora, convenhamos, quem não tolera cobranças não pode cobrar, qualquer que seja o assunto. Se alguém cobra seus atrasos não é porque você é atrasado, é porque seu atraso atrapalhou o dia dele, atrasou-o para outros compromissos ou o que quer que seja.

- Desorganizado crônico:

"Eu bem que tento, mas me enrolo todo. Já comprei agenda, já tentei acordar mais cedo, faço o maior esforço para chegar na hora, mas não dou conta da minha papelada, me enrolo nos e-mails, enfim, não consigo mesmo".

Sua patologia aponta para uma terapia, pois parece que você não malbarata apenas tempo e horários, mas outras coisas e valores. Ou, então, gosta de sofrer.

- Quero fazer mais do que posso:

Eis um caso tipo da síndrome do super-homem, aquele que pode voar, chegar quase que imediatamente onde se fizer necessário, resolver muitos assuntos rapidamente e bem, dar conta de tudo, absolutamente tudo, sem sequer desmanchar o topete, como o herói do gibi. Mas isso só é possível naquele mundo dos quadrinhos. Muitos executivos precisam de um aviso mais sério do próprio corpo (estresse, AVC, infarto) ou da empresa (alerta da área de saúde ocupacional, aviso dos colegas ou chefias, demissão) para entenderem as possibilidades e limitações do trabalho, do organismo e do mundo em geral. Querer fazer tudo é sinal de que algo ficará por ser feito, e muitas vezes o mais importante e significativo. Mas quem não quis ser super-herói quando garoto?

- Estimativas incorretas:

Este caso é clássico, e ocorre sempre que usamos mais o "eu acho que dá" do que "dois e dois são quatro". Explicando melhor: o "eu acho que dá" se vale das boas intenções, da crença de que todos são bons e vão me ajudar: o trânsito que vai estar livre em pleno horário de rush, da boa vontade com que serei atendido no banco ou no órgão público e coisas desse tipo.

O "dois e dois são quatro" conta com o atraso e mau humor dos outros, com o trânsito lento, com o individualismo que existe hoje (eu primeiro), com mau atendimento por conta de baixa qualificação e com fatores parecidos com estes. Os prazos e horários devem ser calculados com base na realidade e não na imaginação e desejos. Eu sei, o mundo pode e vai melhorar, mas viva neste que está aí, e não no do conto da fadas em que ele se transformará no futuro.
- Quando pressionado, cedo, e me atraso!

Quem sabe uma dose de assertividade lhe faça bem! Pense se vale a pena ceder sempre para contentar um lado, deixando com que o outro lado pague por sua fraqueza. Pense um instante em colocar você e seus interesses antes dos interesses dos demais, quando isto for necessário, e aprenda, treine, pratique dar respostas mais firmes quando precisar delas. Eu sei que você é gente boa, quer atender a todos que te pedem um trabalho ou um favor, mas pense também em você e naquilo que trará resultados para seu trabalho ou sua vida, e aprenda a não ceder sempre. Principalmente nos horários.

Procure respeitar os seus horários porque respeitará assim também os outros. Como diz Moura Castro, "fazer com antecedência é mais rápido e mais barato". E acrescento: mais produtivo e menos estressante; mais ecológico e menos agressivo; mais correto e mais ético.

Extraído e adaptado no excelente texto “O Palimpsesto do Tempo” de FERNANDO HENRIQUE DA SILVEIRA NETO


* Arthur Teixeira Junior é funcionário público

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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