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*Arthur Teixeira Junior

Imagem: Divulgação / GP1Clique para ampliarArthur Teixeira Junior(Imagem:Divulgação / GP1)Arthur Teixeira Junior
Hoje cheguei meia hora atrasado na Repartição onde sou lotado, mas mesmo assim fui o primeirão a entrar. Nunca entendi porque chamam (ou chamavam) o local de trabalho do serviço público de “Repartição”. Talvez porque o serviço seja repartido para inúmeras pessoas, para que todas tenham o que fazer. Ou porque o serviço seja repartido em diversos blocos, para que ninguém tenha conhecimento para que sirva quando pronto. Mas deve ser mesmo porque todos os projetos são repartidos em fases.

As fases de todo e qualquer projeto público são 5, e duram exatamente uma semana. Os japoneses tem os “5 S”. Nós temos os “5 F”.

Começa e termina assim:

Um burocrata incompetente qualquer, geralmente ocupando uma importante Diretoria por indicação política, come uma baita feijoada no sábado regada a muito whisky (feijoada com whisky é horrível, mas eles acham “chic”), vai dormir de porre, tem um terrível pesadelo e acredita ter tido uma visão divina de um projeto fantástico. Na segunda feira chega triunfante ao gabinete e anuncia a boa nova aos chefes, subchefes e chefetes subordinados, que, embasbacados pela performance visionária do chefão, disparam e-mails apresentando a idéia às seccionais do Brasil inteiro, afirmando serem co-autores do Projeto, pedindo colaborações (que serão descartadas de imediato), traçando diretrizes e determinando prazos. É criada a Comissão Gestora do Projeto, com o vice-diretor na presidência. É a Fase da Euforia.

Na terça feira, começam a chegar as manifestações das Seccionais, alertando que talvez o projeto não se adapte bem a realidade da região, sugerindo mudanças estruturais, destacando que a verba alocada não é suficiente sequer para iniciar o projeto, que haverá necessidade de concorrência pública para os principais itens, treinamento de pessoal, contratação de consultoria externa, etc, etc. Alguns analistas independentes criticam a iniciativa, apontando falhas de concepção, de planejamento, de priorização, de tudo. É a Fase da Queda na Realidade.

Na quarta, o Diretor, que na véspera dera entrevistas a jornais e TVs, sobre as vantagens do projeto, ressaltando como conseguiu, após exaustivos estudos e planejamentos, concebê-lo de forma tão objetiva, é chamado ao Ministério para dar explicações. Chefes, subchefes e chefetes correm de um lado para o outro sem conseguirem entender porque um projeto tão bem elaborado (pelo chefe) não deu certo. O vice-diretor convoca uma reunião urgente da Comissão Gestora, mas esquece de avisar do horário e local. Cada um de seus membros dirige-se a um local diferente e em horários discordantes. É a Fase do Desespero.

Quinta, o Diretor, que levou uma tamanha comida do Ministro e está com o cargo por um fio, chega na Repartição 1 hora antes do início do expediente e, para sua surpresa, encontra todos os servidores trabalhando. Convoca uma reunião emergencial, portanto urgente e imediata. Esbraveja enfurecido querendo saber quem boicotou seu projeto, certamente almejando ocupar seu cargo, redistribui funções e deveres (só para afastar o foco do fracasso), suspende as férias de quem já estava de malas prontas e corta a hora do cafezinho. Determina a instalação de uma Comissão de Sindicância para apurar os fatos. É a Fase da Caça aos Culpados.

Na sexta feira, um memorando interno distribuído à todas as Seccionais, sob a justificativa de corte orçamentário exigido pelo Ministro (na verdade, o Ministro nem tocou no assunto), determina a estas que demitam todos os estagiários, suspendam os contratos dos terceirizados, altera a cobertura do plano de saúde, reduz o valor dos vales de alimentação e suspende as promoções funcionais. Transfere para longínquas cidades interioranas, servidores que nem sabiam do Projeto, e cancela as vacinas contra a gripe que seriam dadas naquela semana. É a Fase da Punição dos Inocentes.

E assim termina mais um Projeto Público.

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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