Fechar
Colunista Jacinto Teles
GP1

Juíza Maria Célia Lima Lúcio diz que obedeceu ao princípio da legalidade

Magistrada afirmou que suas decisões de reanálise de gratuidade em Recurso Inominado são fundamentadas.

A juíza de direito, Maria Célia Lima Lúcio, titular do Juizado especial da Fazenda Pública da Comarca de Teresina encaminhou a esta Coluna uma extensa "nota de esclarecimento" [denominada de DESAGRAVO], à luz do seu entendimento, em razão da matéria publicada nessa terça-feira (03) neste espaço, sob o título: "Juíza titular do Juizado da Fazenda Pública de Teresina usurpa competência das Turmas Recursais".

Confira o inteiro teor da nota

NOTA DE DESAGRAVO DO JUIZADO ESPECIAL DA FAZENDA PÚBLICA DE TERESINA-PI


A titularidade do Juizado Especial da Fazenda Pública de Teresina-PI (JEFP-PI), exercida pela juíza de direito Maria Célia Lima Lúcio, ciente da notícia veiculada no site GP1 (Disponível em: https://www.gp1.com.br/blog/jacinto-teles/2024/12/3/juiza-titular-do-juizado-da-fazenda-publica-de-teresina-usurpa-competencia-das-turmas-recursais-403427.html.), vem apresentar DESAGRAVO PÚBLICO ao conteúdo veiculado.

Sobre os ombros da magistratura recaem direitos, prerrogativas e deveres. No cumprimento destes pilares, o que merece ser apontado é a obediência constitucional ao livre convencimento motivado previsto no art. 93, da Constituição Federal:

Art. 93. Lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, disporá sobre o Estatuto da Magistratura, observados os seguintes princípios:

[…] IX todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;       

(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 45, de 2004) 

Ao lado disso, tem-se o cumprimento do dever judicial de “cumprir e fazer cumprir, com independência, serenidade e exatidão, as disposições legais e os atos de ofício”, disposto no art. 35, I, da Lei Orgânica da Magistratura.

Em se tratando de juízo de admissibilidade recursal (em que a magistrada avalia se pode ou não enviar o processo para o nível recursal, utilizando-se da orientação do Pacto Nacional do Judiciário pela Linguagem Simples), no microssistema dos Juizados Especiais tal juízo é feito em primeiro grau, ou seja, pelos juízes dos Juizados, conforme Enunciado nº 166, do FONAJE:

ENUNCIADO 166 – Nos Juizados Especiais Cíveis, o juízo prévio de admissibilidade do recurso será feito em primeiro grau (XXXIX Encontro – Maceió-AL). (Grifado).

Cumprindo tal enunciado, no JEFP-PI se analisam a tempestividade ou não, bem como o recolhimento ou não de preparo nas interposições de recurso.

O preparo recursal é requisito indispensável para conhecimento do recurso, na forma do art. 42, §1º, da Lei Nº 9.099/95, só sendo dispensado nos casos de concessão da justiça gratuita, nos dizeres do art. 54, parágrafo único, mesma lei, ambos abaixo transcritos, o que não se operou no caso em comento.

Art. 42. O recurso será interposto no prazo de dez dias, contados da ciência da sentença, por petição escrita, da qual constarão as razões e o pedido do recorrente.

§ 1º O preparo será feito, independentemente de intimação, nas quarenta e oito horas seguintes à interposição, sob pena de deserção.

[omissis]

Art. 54. O acesso ao Juizado Especial independerá, em primeiro grau de jurisdição, do pagamento de custas, taxas ou despesas.

Parágrafo único. O preparo do recurso, na forma do § 1º do art. 42 desta Lei, compreenderá todas as despesas processuais, inclusive aquelas dispensadas em primeiro grau de jurisdição, ressalvada a hipótese de assistência judiciária gratuita.

Além disso, expressos são os Enunciados nº 80 e 116, do FONAJE, nestes termos:

ENUNCIADO 80 –O recurso inominado será julgado deserto quando não houver o recolhimento integral do preparo, e sua respectiva comprovação pela parte, no prazo de 48 horas, não admitida a complementação.

ENUNCIADO 116 – O Juiz poderá, de ofício, exigir que a parte comprove a insuficiência de recursos para obter a concessão do benefício da gratuidade da justiça (art. 5º, LXXIV, da CF), uma vez que a afirmação da pobreza goza apenas de presunção relativa de veracidade (XX Encontro – São Paulo/SP).

Por fim, o parâmetro utilizado para se entender pela concessão ou não de gratuidade da justiça é o mesmo adotado pela Defensoria Pública do Estado do Piauí, nos termos do  art. 1º, caput e §1º da Resolução Nº 026/2012 CSDP da DPE-PI:

Art. 1º - Será presumido necessitado, para fins de assistência jurídica pela Defensoria Pública do Estado do Piauí, aquele que comprovar renda mensal familiar líquida de até três salários mínimos.

§ 1º. Renda familiar mensal é a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pela totalidade dos membros da família maiores de 18 anos, excluindo-se descontos de contribuições previdenciárias oficiais, imposto de renda, pensões alimentícias, bem como os rendimentos concedidos por programas oficiais de transferência de renda e os obtidos através do percebimento de benefícios assistenciais.

Portanto, em muitos dos casos, adota-se como desconto obrigatório, o imposto de renda e a contribuição previdenciária, para se analisar se o valor encontrado supera ou não os (3) três salários mínimos exigidos pelo caput do art. 1º, da dita resolução.

Observe-se, ademais, que a aplicabilidade da Lei Nº 13.105, de 16 de março de 2015 (CPC 2015), se dá de forma supletiva, conforme dicção do art. 1.046, §2º, do CPC 2015, cuja referência aos procedimentos regulados por leis especiais continuam em vigor.

De tudo o que se disse acima, vê-se que a magistrada titular pautou-se nos estritos limites da legislação aplicável, obedecendo com perfeição e adequação ao princípio constitucional da legalidade, bem como aos normativos que orientam a aplicação do direito no microssistema dos juizados especiais.

Ao tempo em que respeitamos a liberdade de manifestação do pensamento, lamentamos a exposição midiática sobre questão de ordem processual que deve ser dirimida dentro dos autos, com as medidas judiciais cabíveis, e igualmente asseguramos o direito de resposta através do presente DESAGRAVO.

Seguiremos com a fundamentação dos pronunciamentos judiciais, com o respeito à urbanidade e o desejo premente de que todos os sujeitos processuais possam cooperar entre si.

Breve registro no contexto do fato

Ainda sobre a possível "usurpação" de competência dos membros das Turmas Recursais do Poder Judiciário do Piauí, pela Dra. Maria Célia Lúcio, mas com as vênias necessárias, não creio que as decições da eminente magistrada possam ser consideradas fundamentadas satisfatoriamente, quando tais fundamentações, como ela bem apregoa: são conforme Enunciado nº 166, do FONAJE, além de outros enunciados citados.

Foto: Alef Leão/GP1Tribunal de Justiça do Piauí
Tribunal de Justiça do Piauí, que deve enfrentar essa situação agora ou na próxima gestão sob a batuta do Desembargador Aderson Nogueira

Ainda sobre a possível "usurpação" de competência dos membros das Turmas Recursais do Poder Judiciário do Piauí, pela Dra. Maria Célia Lúcio, com as vênias necessárias, não creio que as decisões da eminente magistrada possam ser consideradas fundamentadas satisfatoriamente, quando tais fundamentações, como ela bem apregoa, são conforme o Enunciado nº 166, do FONAJE, além de outros citados.

Explico o porquê da minha convicção: é justamente pelo fato de que os Enunciados do FONAJE, cuja sigla significa Fórum Permanente de Coordenadores de Juizados Especiais Cíveis e Criminais, mais conhecido como "Fórum Nacional de Juizados Especiais", absolutamente não têm força vinculante, ou seja, não são de caráter obrigatório.

Evidentemente, trata-se mais de uma orientação e está muito mais próxima da visão doutrinária do que da jurisprudência, o que, absolutamente, não é o caso. O essencial neste particular é saber: os Enunciados do FONAJE podem se sobrepor à lei brasileira, a exemplo do Código de Processo Civil? Obviamente, que não.

O objetivo central do FONAJE é a troca de experiências entre juízes da Justiça Especial, visando estabelecer subsídios para embasar suas decisões. Assim, está mais próximo da formulação de um pensamento doutrinário do que à fixação de entendimento de caráter vinculante. Isso é positivo para a Justiça especializada inaugurada com a Lei 9.099/1995; todavia, jamais poderemos aceitar que tais entendimentos se sobreponham à lei e à Constituição da República de 1988.

Lamento profundamente que a eminente magistrada não esteja alinhada com o que tem decidido, inclusive recentemente, o Conselho Nacional de Justiça, notadamente na Meta 09 [de um total de 10], qual seja: ESTIMULAR A INOVAÇÃO NO PODER JUDICIÁRIO, tendo como foco a melhor prestação da tutela jurisdicional.

Continuo convicto de que o colendo Tribunal de Justiça do Estado do Piauí pode contribuir muito nessa questão, que é comum à grande parte dos jurisdicionados e, necessariamente aos advogados e advogadas, bem como à nossa Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Piauí, sobretudo por meio da próxima gestão, que tem à frente o advogado Raimundo Júnior.

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

Mais conteúdo sobre:

Ver todos os comentários   | 0 |

Facebook
 
© 2007-2024 GP1 - Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do GP1.