Há algum tempo houve um grande apagão que atingiu boa parte do país, inclusive a cidade na qual resido. Como faço quase todo início de noite, mesmo sem o retorno da eletricidade, por vota das 18:00h, dei início à caminhada pela vizinhança com a nossa labradora, Bia.
A primeira constatação, além da óbvia ampla obscuridade, foi que não vi uma pessoa sequer. Com o passo mais reduzido, demos início ao que eu esperava ser mais uma rotineira atividade. Ledo engano. Já nos primeiros passos, pude encontrar a gentil companheira da escuridão, o silêncio.
Nunca havia caminhado desfrutando da agradável companhia da quietação. Entretanto, logo percebi que ela caprichosamente revela-se aos amigos ao permitir que os sons mais cálidos da noite sorrateiramente se manifestem. Perceber o sussurrar das palhas dos coqueiros, o coaxar dos sapos e o inconfundível e sereno correr da água de um riacho próximo não tiveram preço e foram os ingredientes amealhados de uma noite inesquecível.
As surpresas maiores estavam a caminho, quando atravessando a parte mais escura do trajeto fomos brindados com as magníficas luzes de vários vaga-lumes que margeavam o percurso (ah..., os vaga-lumes, que admiráveis criaturas...). Tão belo quanto, eram as cintilantes estrelas, que de forma deslumbrante, acompanhavam pacientemente a nossa jornada. Bia, que sempre se mostra agitada nas caminhadas, naquela noite, permaneceu serena e contemplativa, acompanhando e reverenciando a pacífica e plácida energia da natureza.
Pois bem, cotidianamente, na nossa sociedade hodierna, somos distraídos com entretenimentos mundanos que tendem a subjugar a nossa luz interna. O excesso de estímulos triviais exteriores nos torna reféns do universo material que nos rodeia, abafando qualquer tentativa de autoconhecimento e mergulho em si mesmo. Somos grandes desconhecidos de nós mesmos, perdidos num emaranhado (quase) inesgotável de superficialidades e puerilidade, tornando-nos confusos e desorientados.
Confusão e desorientação são questões comuns que vejo em boa parte dos pacientes, que, em geral, se digladiam com problemas gerados pelo quadro acima disposto.
Uma das principais demandas na clínica psicanalítica é justamente o enfrentamento da própria escuridão do paciente. As sombras acumuladas e indevidamente trabalhadas levam o indivíduo, muitas vezes, a situações emocionais limites.
Carl G. Jung tratou com bastante propriedade a temática da sombra. Ele asseverava que aquele lado reprimido que evitamos considerar precisa ser integralizado à psique. Somente a partir do mergulho em si mesmo e a aposta na ampliação da Consciência e do concebível pode o indivíduo dar início ao seu processo de cura.
Finalizo essas poucas linhas com Jung: "O que negas, te submete; o que aceitas, te transforma".
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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