A estudante universitária Giselle, de 19 anos, procurou a emergência de um conceituado hospital do Rio em meados de janeiro porque se sentia muito mal. Andava sonolenta, cansada, com falta de apetite e ainda apresentava uma forte dor abdominal. Os médicos que a atenderam trataram a dor, mas não conseguiram chegar a nenhum diagnóstico específico.
Alguns dias depois, Giselle, que prefere não revelar o sobrenome, voltou à emergência com os mesmos sintomas. Depois de uma bateria de exames, o diagnóstico: um quadro agudo de diabete do tipo 1. Os médicos resolveram investigar por que uma pessoa jovem, sem histórico da doença, apresentou um quadro tão grave. A conclusão foi que a manifestação seria decorrente de um caso brando de covid-19, no início do ano.
Novos estudos vêm mostrando que a diabete é mais uma complicação a ser adicionada à lista dos danos causados pela covid-19. O que os cientistas ainda não sabem é se o vírus potencializa um problema que já estava em desenvolvimento ou se é a principal causa. “A relação pode ser bidirecional, ou seja, é possível que, em algumas situações, a covid venha a aumentar o risco de surgimento de casos de diabete, especialmente da cetoacidose diabética, uma complicação mais aguda”, afirma a professora Melanie Rodacki, do Departamento de Clínica Médica, Nutrologia e Diabete da UFRJ.
Uma análise feita por cientistas do Canadá, da Índia e da Austrália, publicada em novembro na revista Diabete, Obesidade e Metabolismo, revela que 14% dos internados com quadros graves de covid-19 desenvolveram diabete. Os cientistas reuniram dados de oito estudos, com um total de 3,7 mil pacientes.
Há possibilidade de que a diabete já fosse se desenvolver ou que o tratamento com corticoide tenha provocado a doença. Mas, dizem os especialistas, um efeito direto da covid também deve ser considerado. Os pesquisadores ainda não sabem como a covid deflagraria a diabete 1 e 2, nem se os casos são temporários ou permanentes.
Outro estudo, feito na Alemanha e publicado no último dia 5 na Nature, demonstrou que as células beta do pâncreas (que produzem insulina) estavam expressando proteínas do novo coronavírus. “Nosso estudo identificou o pâncreas como um alvo da infecção pelo SARS-CoV-2, sugerindo que a infecção das células beta pode contribuir para problemas metabólicos observados em pacientes com covid-19”, afirmaram.
“Tudo com a covid ainda é muito novo, estamos diante de uma doença nova e aprendendo muita coisa”, diz a presidente da Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica (Abeso), Cíntia Cercato. “Mas, basicamente, estamos vendo essa relação bidirecional.”
Médicos de cinco hospitais de referência para atendimento de covid em crianças no Rio notaram também um aumento nos casos de diabete. Agora, as instituições estão reunidas para um levantamento do número de casos de 2020. Querem compará-los com os registros dos anos anteriores.
“A pesquisa está em andamento, então não tenho ainda muita informação”, explicou a especialista Renata Szundy Berardo, do Hospital dos Servidores do Estado, coordenadora da pesquisa. “Mas houve uma percepção de aumento do número de casos (de diabete) em todos os centros de referência.”
Para Melanie Rodacki, da UFRJ, respostas definitivas só virão a longo prazo. “A gente vai ter de acompanhar todos esses pacientes a longo prazo, ver a incidência de diabete em todo mundo que teve covid.”
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