O presidente Jair Bolsonaro afirmou, nesta segunda-feira, 23, que são governadores e prefeitos, e não o governo federal, quem deve explicações sobre os 6,86 milhões de testes para o diagnóstico do novo coronavírus que estão "encalhados". Como revelou o Estadão, os exames comprados pelo Ministério da Saúde perdem a validade entre dezembro deste ano e janeiro de 2021 e podem acabar no lixo. Cobrado sobre o assunto nas redes sociais, o presidente jogou a culpa em Estados e municípios.
"Todo o material foi enviado para Estados e municípios. Se algum Estado/município não utilizou deve apresentar seus motivos (sic.)", disse Bolsonaro a um apoiador que o questionou se a informação procedia. Os dados sobre o prazo de validade dos testes em estoque estão registrados em documentos internos do próprio Ministério da Saúde.
Já o vice-presidente Hamilton Mourão, ao ser questionado sobre o assunto na manhã desta segunda-feira, disse "não estar ciente" e que cabe ao ministério apresentar os esclarecimentos. "Tem que buscar o esclarecimento lá com o Ministério da Saúde. Não estou ciente disso. Não é um assunto que passa por mim, não tenho o que declarar a respeito. Tem que ver lá com eles lá", afirmou o vice, encerrando a conversa com jornalistas no Palácio do Planalto.
No domingo, o Estadão revelou que 7,1 milhões de exames estão em armazém do ministério, ou seja, não foram enviados ao SUS em plena pandemia. Do total estocado, 96% (cerca de 6,86 milhões de unidades) perdem a validade entre dezembro deste ano e janeiro de 2021.
O estoque que pode ser inutilizado é maior do que os 5 milhões de testes PCR (considerado "padrão ouro" para detectar o vírus) já realizados pelo SUS na pandemia. O Ministério da Saúde afirma que já pediu estudos de estabilidade ao fabricante do teste para, na sequência, solicitar à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a prorrogação da validade do produto.
O RT-PCR é um dos exames mais eficazes para diagnosticar a covid-19. A coleta é feita por meio de um cotonete aplicado na região nasal e faríngea (a região da garganta logo atrás do nariz e da boca) do paciente. Na rede privada, o exame custa de R$ 290 a R$ 400. As evidências de falhas de planejamento e logística no setor ocorrem num período de aumento dos casos no País.
Além de ser poderoso para o diagnóstico, o teste é ferramenta fundamental para a estratégia de controle da pandemia. Se for bem aplicado, o exame permite quebrar cadeias de infecção ao rastrear e isolar infectados, mesmo aqueles sem sintomas, e seus contatos próximos.
O ministério chegou a lançar duas vezes o programa Diagnosticar para Cuidar, que previa 24,2 milhões de exames no SUS até dezembro. Só 20% foram feitos até agora. A pasta prometeu também insumos para entregar kits completos, mas os negócios foram travados por suspeita de irregularidades, hoje sob análise do Tribunal de Contas da União (TCU).
Sem todos os equipamentos necessários para a testagem, Estados e municípios afirma que nem sequer dão conta das unidades que já receberam. O ministério informou no domingo, 22, que enviou 9,31 milhões de reações RT-PCR. O problema é que não basta este produto, e outros insumos foram entregues em quantidade inferior, como cotonetes e tubos para coleta do material do paciente, além de insumos para extração do RNA.
Além disso, a capacidade do SUS de processar as amostras em laboratório é baixa e, segundo os Estados e municípios, o ministério não entregou todos os equipamentos prometidos para equipar os Laboratórios Centrais (Lacens) das 27 unidades da federação.
Em nota divulgada no domingo, 22, o ministério disse que entrega os exames conforme demanda de Estados e municípios. A pasta afirmou ainda que não mediu esforços para compra de kits de testagem e investimentos em laboratórios. O ministério, porém, também omitiu no comunicado o tamanho de seu estoque.
Ver todos os comentários | 0 |