Em Washington, os republicanos estão unidos na oposição contra a primeira grande proposta legislativa do presidente Joe Biden, um plano de resgate econômico de US$ 1,9 trilhão, que eles classificaram como um exagerado plano de "socorro para os Estados democratas” que extrapola o orçamento.
Mas, na zona rural do Maine, Anthony McGill, que se autodenomina um republicano conservador, descreve o pacote como algo completamente diferente: “A maior parte parece boa ideia”, afirma.
Enquanto McGill não concorda com todas as disposições da ajuda, ele apoia a essência do plano: outra rodada de distribuição de estímulos para quase todos os americanos.
“Muita gente saberia o que fazer com esses cheques. Não sei se as pessoas precisam deles, mas todos nós poderíamos aproveitá-los”, afirmou McGill, de 52 anos, que votou no ex-presidente Donald Trump em novembro. “A dívida chegou a um ponto em que o número é apenas uma abstração. Podemos igualmente dever cada vez mais, até que tudo desmorone.”
Enquanto os democratas se preparam para votar e aprovar já na sexta-feira o pacote de assistência na Câmara dos Deputados, os republicanos eleitos lutam para superar divisões intrapartidárias quanto ao seu apoio aos principais artigos da proposta - e também para se conciliar com o fato de que muitos eleitores republicanos apoiam o plano. Enquanto os democratas estão trabalhando com agilidade para avançar com a proposta, os republicanos têm a atenção tomada por espetáculos paralelos, como as falsas alegações de fraude eleitoral e o que eles chamam de cultura do cancelamento, os dois principais temas da anual Conferência de Ação Política Conservadora, conhecida como CPAC, na sigla em inglês, que começa sexta-feira em Orlando, Flórida.
A ausência de uma mensagem econômica unificada dos republicanos reflete um partido desestabilizado, que não é capaz de concordar a respeito de como traçar seu caminho em uma Washington sob controle democrata. Enquanto congressistas republicanos adotam uma abordagem dispersa para tentar enfraquecer a legislação, prefeitos e governadores do partido pressionam pelo plano, afirmando que seus Estados e cidades precisam da ajuda federal para manter policiais em atividade, reabrir escolas e auxiliar pequenos negócios. Pesquisas mostram que um número significativo de republicanos está de acordo: mais de 4 em cada 10 republicanos apoiam o pacote de ajuda de Biden, segundo levantamento do instituto de pesquisas online SurveyMonkey encomendado pelo The New York Times. Em geral, 72% dos americanos afirmaram que apoiam o pacote; entre os democratas, o apoio é de 97%.
Entrevistas com mais de duas dezenas de eleitores de Trump em todo o país constataram pouco consenso em questões fundamentais para o futuro do partido. Quem venceu as eleições? Quem deveria liderar o Partido Republicano? Qual deve ser o grau de empenho dos republicanos ao trabalhar com o novo governo?
“Há coisas a respeito do presidente Biden que me preocupam, sim, mas me disseram que ele é moderado em se tratando de um democrata”, afirmou Kelly Alexander, 62 anos, que se descreve como uma conservadora de direita e é dona de um restaurante de comida para viagem que funciona sazonalmente em Mackinaw City, Michigan. “Ele é o nosso presidente. Temos que dar a ele uma chance e não implicar com ele sem motivo.”
Esse não é o conselho que Robert Holland, um aposentado de Rockland, Maine, daria aos líderes republicanos em Washington.
“Biden e os democratas são um bando de idiotas estúpidos”, afirmou ele. “E é melhor os republicanos terem dignidade e pararem de obedecê-los.”
Essa desconexão a respeito de estratégias políticas básicas espelha divisões ainda maiores dentro do partido que foi liderado por quatro anos por um presidente que rompeu com a corrente dominante da ideologia conservadora em assuntos que incluem dívida soberana, política externa e comércio.
Enquanto Trump afastou parte da base do partido de algumas doutrinas econômicas ortodoxas que caracterizaram a ideologia republicana por décadas, ele ofereceu pouco para substituí-las com uma doutrina unificada. Os republicanos escolheram não adotar uma nova plataforma na convenção nacional do partido, no ano passado; em vez disso, simplesmente mantiveram a plataforma de 2016; e Trump fracassou em articular uma pauta política de segundo mandato enquanto fazia campanha pela reeleição.
Em suas semanas finais no cargo, ele exigiu que o Congresso mais que triplicasse o pagamento de estímulos determinados pelo plano de assistência aprovado em dezembro, uma manobra surpreendente, que minou esforços de senadores republicanos que haviam passado meses se opondo a esses gastos. O atual pacote legislativo pretende acrescentar uma nova rodada de pagamentos de estímulos, de US$ 1,4 mil por pessoa, uma quantia que alguns senadores republicanos afirmam ser alta demais.
O endosso de Trump aos gastos federais complicou a comunicação dessa mensagem, diminuindo a importância da tradicional preocupação dos conservadores com o equilíbrio fiscal, o tamanho da dívida e o déficit. Este mês, o senador Mitt Romney, republicano de Utah, argumentou que seria desonesto da parte dos republicanos levantar tais preocupações, considerando seu histórico recente. A dívida soberana dos EUA elevou-se em aproximadamente US$ 7,8 trilhões durante o mandato de Trump, alcançando o maior patamar desde a 2.ª Guerra. A alta resultou, em parte, do pacote de estímulo econômico aprovado durante a pandemia, e também do corte de US$ 1,5 trilhão em impostos não compensado aprovado em 2017 e dos gastos descontrolados de Trump.
“Quando tínhamos um presidente republicano e maioria republicana na Câmara dos Deputados e no Senado, continuamos gastando maciçamente e acrescentando quase US$ 1 trilhão ao ano à dívida pública”, afirmou Romney ao podcast Utah Politics. “Agora dizemos que é ultrajante aumentar tanto a dívida?” Romney, que ajudou a elaborar o pacote de estímulos de dezembro, argumentou que a legislação de Biden é um “barco furado" que desperdiçará dinheiro.
Alguns republicanos compartilham dessas preocupações. Sean Wiley, que votou em Trump duas vezes e se descreve como um conservador libertário, afirmou que o governo deve prover assistência para as pessoas que perderam o emprego na pandemia, mas argumentou que o atual pacote é grande demais.
Ainda assim, pesquisas indicam que uma notável porção da base republicana está muito mais aberta em relação ao pacote. No mês passado, mais de dois terços dos republicanos afirmaram que apoiaram aumentar para US$ 2 mil os pagamentos de US$ 600, coisa que Trump havia proposto, mas os senadores republicanos rejeitaram. Aproximadamente 7 de cada 10 republicanos afirmaram considerar importante que o novo pacote inclua os cheques de US$ 1,4 mil à população, de acordo com a pesquisa SurveyMonkey.
Muitos eleitores republicanos que expressaram preocupações em relação ao tamanho do pacote de estímulos afirmaram que não se opõem aos pagamentos diretos, mas se preocupam a respeito do que veem como disposições externas a eles - como a proposta de elevar o salário mínimo para US$ 15 a hora e uma ajuda de US$ 350 bilhões para governos estaduais e locais.
“As pessoas precisam de ajuda neste momento, e acho ótimo que o dinheiro dos meus impostos as ajude; eu ajudaria meus vizinhos a comer se eles precisassem”, afirmou Melissa Karn, 53 anos, uma eleitora de Trump que vive nos subúrbios de Phoenix. “Mas não concordo em mandar dinheiro para reconstruir cidades ou pagar suas dívidas, quando elas foram mal administradas por anos.”
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