Demanda antiga de alguns investidores e do setor produtivo, a privatização das Companhias Docas e autoridades portuárias deve gerar, na primeira fase, investimentos da ordem de R$ 16 bilhões em apenas três portos: Espírito Santo, São Sebastião e Santos. O valor é equivalente a todo montante que as empresas públicas deixaram de investir entre 2000 e 2020, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Nesse período, as administradoras dos portos conseguiram aplicar apenas 30% do orçamento previsto.
A expectativa é que o primeiro edital, da Companhia Docas do Espírito Santo (Codesa), seja publicado ainda em dezembro e o leilão realizado até abril de 2022. Esse seria um teste para privatizar a Santos Port Authority (SPA), que administra o maior porto da América Latina, no fim do ano que vem. Mas o processo deve enfrentar resistência de alguns usuários, que temem aumento nas tarifas portuárias com a transferência da administração para uma empresa privada.
Os portos organizados funcionam como um shopping center, em que a administração portuária é o síndico do shopping e as lojas os terminais. Desde a década de 90, com o processo de modernização dos portos, os terminais são – em sua maioria – privados. As Companhias Docas, no entanto, são entidades públicas com problemas inerentes de estatais, como a elevada ineficiência e interferência política.
Atualmente, o País tem sete Companhias Docas (PA, CE, RN, BA, ES, RJ e SP) e outras autoridades portuárias, como a que administra Itajaí (SC). Elas são responsáveis pelo bom funcionamento do porto, seja na chegada do navio, do caminhão ou do trem. Por isso, precisam investir na infraestrutura de acesso, principalmente.
Com a privatização, os contratos dos terminais privados serão transferidos para a empresa vencedora do leilão. Da mesma forma, as outorgas pagas para a União vão para a nova administradora, que terá de arcar com a dívida trabalhista das estatais.
Segundo o secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários (SNPTA), Diogo Piloni, do Ministério de Infraestrutura, a situação atual é que a eficiência dos terminais privados acaba esbarrando em uma série de problemas das autoridades portuárias, como os canais de acesso terrestre e marítimo. “Há algum tempo tropeçamos nessas questões que não são resolvidas só com bons gestores.”
Piloni argumenta que o modelo é complexo, com a lei de licitações travando contratações e interferências políticas. Na busca pela desburocratização dos investimentos, a desestatização foi uma alternativa, completa o secretário. No cronograma do governo, a ordem das licitações deve ser: Codesa, São Sebastião, Itajaí, Santos e Codeba. Essa última, no entanto, está em fase preliminar de estudos e só seria leiloada em 2023.
O diretor de Concessões e Privatização do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Fábio Abrahão, diz que o objetivo é fazer um processo de abertura nos portos. E, para isso, é preciso ter um pipeline de projetos consistentes para que os investidores possam disputar. “Essa foi nossa aposta em saneamento. Hoje temos empresas internacionais migrando para o setor (diversificando os investimentos). O mesmo deve ocorrer com os portos.”
O BNDES está fazendo os estudos da Codesa, São Sebastião, Santos e Codeba. Itajaí está com o Ministério de Infraestrutura. Ao contrário do que temem alguns investidores de aumento de custos, ele afirma que a privatização vai trazer mais concorrência entre os portos e pode até ocorrer o contrário. Ou seja, haver uma queda das tarifas.
Essa é a expectativa do setor industrial, que defende a privatização das autoridades portuárias. Na avaliação do especialista de infraestrutura da CNI, Matheus de Castro, há uma dificuldade muito grande das estatais executarem seus investimentos. A profundidade dos canais, diz ele, tem níveis muito baixos (em média de 11 metros) que inviabilizam a atracação de grandes navios. “Hoje a falta de investimentos é o problema mais evidente nas autoridades portuárias.”
O presidente da Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), Venilton Tadini, o processo de privatização vai aumentar a eficiência que já existe nos terminais privados. “Isso já deveria ter ocorrido há 20 anos.”
Entretanto, nem todos são favoráveis à transferência dos serviços para a iniciativa privada. Para o consultor Frederico Bussinger, a privatização dos portos brasileira é uma grande jabuticaba, sem referência internacional – só há na Austrália e em alguns lugares da Inglaterra. “No mundo inteiro, a administração portuária é pública. Estamos trabalhando em cima de hipóteses.”
Para ele, que trabalha há 30 anos no setor portuário, há uma série de problemas que podem ser apontados no processo. O consultor entende que pode haver conflito de interesses e aumento de preços. “É uma equação que não fecha. De onde virá o dinheiro.”
Incerteza política e econômica pode afastar investidor
Uma preocupação do mercado com a privatização portuária é o cenário macroeconômico e político, sobretudo, na estreia de privatização num setor. Junta-se a isso o fato de 2022 ser um ano com eleições presidenciais, o que tende a aumentar a volatilidade no mercado.
“Hoje temos uma incerteza macroeconômica e política significativa e um ciclo eleitoral que se aproxima. E isso dificulta a atração de novos players (investidores)”, diz o presidente da consultoria Inter.B, Cláudio Frischtak. Na avaliação dele, hoje já tem sido difícil atrair investidor novo para os leilões federais. No último leilão de terminais portuários, um deu vazio (sem propostas) e outro só teve um participante.
Por outro lado, é uma oportunidade que interessa aos empresários de logística. Se tiver uma modelagem adequada e o governo conseguir reduzir o risco jurídico, o interesse aumenta, diz Frischtak. O presidente da Santos Brasil, um dos maiores terminais de contêineres de Santos, diz que a empresa deverá estudar as concessões.
O secretário Nacional de Portos e Transportes Aquaviários (SNPTA), Diogo Piloni, do Ministério de Infraestrutura, disse que os projetos foram apresentados em road show internacional e teve boa receptividade. “A procura tem sido muito boa”, diz ele. Fábio Abrahão, do BNDES, também confirmou o interesse de investidores por alguns setores, incluindo logística.
Modelo de privatização
No caso do leilão da Codesa, o modelo será pela maior outorga. O valor mínimo será de R$ 470 milhões e terá de ser pago na assinatura do contrato. Além disso, o vencedor terá de pagar mias R$ 31 milhões por ano e 7,5% da receita bruta da concessionária. O volume de investimentos é de cerca de R$ 800 milhões durante os 35 anos de concessão.
Pela regra, operadores portuários poderão disputar o leilão desde que tenham participação minoritária num consórcio, por exemplo. Segundo o secretário, cada leilão deverá ter algumas adaptações dependendo do porto.
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