A divergência é bastante visível entre os promotores de Justiça, Assuero Stevenson Pereira Oliveira e Elói Pereira de Sousa Júnior, ambos do Ministério Público do Piauí, representantes da 9ª Promotoria responsável pelos crimes militares e da 48ª responsável pelo Controle Externo da Atividade Policial, respectivamente.
A polêmica gira em torno da interpretação da Lei nº 13.491, de 13 de outubro de 2017, na parte que alterou o art. 9º, § 2º, do Decreto-Lei 1001, de 21 de outubro de 1969, que vem a ser o Código Penal Militar, cuja iniciativa partira do chefe do Poder Executivo Federal, por meio de Medida Provisória no ano passado.
- Foto: Jacinto Teles/GP1Assuero Stevenson que critica posição do seu colega Elói Júnior
A lei sob discussão teve como objetivo principal o deslocamento para a Justiça Militar da União, da competência para julgar os crimes dolosos contra a vida, praticados por militares das Forças Armadas nos casos em que as vítimas sejam civis.
Os críticos a essa alteração legal destacam como visível retrocesso, não só pela falta de estrutura e condições da Justiça Militar em investigar e julgar tantos crimes, mas, porque alcança crimes não diretamente ligados às atividades militares, contrariando Tratados Internacionais e a própria Constituição da República.
Para o promotor de justiça Assuero Stevenson, a alteração legal do Código Penal Militar, “abrange os militares dos estados no deslocamento da competência para a Justiça Militar, exceto nos crimes dolosos contra vida, pois esses continuam no Tribunal do Júri, por expressa determinação legal”, declarou o titular da Promotoria Militar.
Stevenson, enfatiza que os crimes praticados por militares contra civis devem ser apurados e julgados pela Polícia Judiciária Militar e a Justiça Militar, respectivamente, por garantia legal e, principalmente por exigência prevista na parte final do § 4º, do art. 144, da Constituição da República de 1988, em que diz textualmente:
“às polícias civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, então, à luz da Constituição compete à polícia judiciária militar a investigação de infrações penais militares, acrescentou o promotor Assuero.
- Foto: Cinara Taumaturgo/GP1Elói Júnior cita conflitos de competência em trâmite no STJ
Já para o promotor de justiça, Elói Pereira Júnior, a Lei 13.491/2017 é plenamente inconstitucional, pois tira a essência de justiça especial que é a Justiça Militar, que deve se ater a crimes relacionados a violação da hierarquia e disciplina militares, além do fato de que a lei ora referenciada só se aplica aos militares das Forças Armadas da União.
O promotor Elói Júnior, destaca ainda que o Ministério Público Federal (MPF) já se manifestou pela inconstitucionalidade da lei, em parecer emitido em dois conflitos negativos de competência em trâmite no Superior Tribunal de Justiça (STJ). Ambos os processos referem-se a divergências entre juízos diversos no estado de São Paulo (Justiça comum criminal) com a Justiça Militar.
Um deles diz respeito na origem, a autuado, militar do Exército, que teria praticado delitos de ameaça e lesão corporal leve contra civil (segurança de hospital universitário), local onde ocorreu a prática delitiva. Os delitos de ameaça e lesão corporal leve foram cometidos fora do horário de serviço, em local não submetido à administração militar e com utilização de arma de fogo do próprio acusado.
Assim, as condutas não se enquadram em nenhum dos incisos do art. 9º do CPM, consequentemente, não há crime militar e, por isso, o feito deve ser julgado pela Justiça comum estadual, declarou o promotor Elói, referindo-se à Ementa do parecer do MPF, por meio da subprocuradora-geral da República, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, em que o MPF se manifestou pelo conhecimento do conflito, para que seja declarado competente o Juízo de Direito do Juizado Especial da 2ª Vara Criminal de Jundiaí no interior de São Paulo, para processamento e julgamento do feito em detrimento da Justiça Militar.
O promotor Elói Pereira Júnior, informou a este colunista que todos os casos que lhes chegam envolvendo esse assunto, tem encaminhado à Polícia Judiciária Civil, haja vista seu entendimento de que a competência para julgar tais delitos praticados por militares contra civis é da Justiça comum estadual.
O representante do MP do Piauí, no âmbito do controle externo da atividade policial, esclareceu ainda que tem se manifestado pela inconstitucionalidade da lei, e o faz alegando o controle difuso e incidental de constitucionalidade, isto é, no caso concreto e que a decisão só tenha efeito entre as partes.
Assuero Stevenson, da Promotoria da Justiça Militar do Piauí, concluiu sobre o assunto dizendo que: “nós membros do Ministério Público não dispomos de poder, para declarar inconstitucionalidade de lei, pois tal atribuição é tão somente da Justiça, portanto, a lei está em pleno vigor e deve ser respeitada”, finalizou Stevenson ao criticar a posição do colega.
Procuradoria da República manisfesta-se pela inconstitucionalidade parcial da lei que ampliou competência da Justiça Militar
Recentemente a procuradora geral da República, Raquel Elias Ferreira Dodge, deu parecer para que seja declarada a inconstitucionalidade do artigo 9º da Lei 13.491/2017, que desloca para a Justiça Militar da União a competência para julgar os crimes dolosos contra a vida praticados por militares das Forças Armadas nos casos em que as vítimas são civis.
- Foto: Renato Costa /Framephoto/Estadão ConteúdoRaquel Dodge emite parecer pela inconstitucionalidade parcial da lei
A Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 5901 (ADI) foi ajuizada no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL). Na ação ora referenciada fica demonstrado que a norma amplia de forma permanente e substancial a competência da Justiça Militar, ao mesmo tempo em que reduz as atribuições constitucionalmente reservadas ao Tribunal do Júri.
O entendimento do Ministério Público Federal, por meio da PGR, é que a alteração legislativa no Código Penal Militar contraria diversos preceitos constitucionais e viola tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.
No parecer, Raquel Dodge, destacou que as vítimas de ação militar têm direito à investigação pronta e justa, por órgão independente e imparcial. Esses fatores são considerados fundamentais para evitar a impunidade e para que seja assegurado o devido processo legal para todos os envolvidos, ela declara ainda que, a premissa, que inclui o julgamento justo conduzido pelo juiz natural, está prevista na Constituição, no Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos e na Convenção Americana de Direitos Humanos.
A ADI está sob a relatoria do ministro Gilmar Mendes do STF, e a qualquer momento pode vir a ser apreciada, e analisado o pedido cautelar do PSOL pelo plenário da Suprema Corte.
Parte da argumentação da PGR indica que a Lei privilegiou militares da União em detrimento dos militares dos Estados
Nesse sentido a Procuradoria Geral da República, por meio de sua chefe Raquel Dodge, menciona no parecer apresentado ao STF que a lei viola o Princípio da Igualdade ao instituir tratamento diferenciado em situações de isonomia, ou seja, militar da União e militar dos estados membros.
- Foto: André Dusek/Estadão ConteúdoPlenário do STF onde a ADI do Psol deve ser julgada
Em determinado trecho do parecer, Raquel Dodge diz literalmente assim: “A mesma lógica que expressamente impôs a competência do Tribunal do Júri para os crimes dolosos contra a vida praticados por militares dos Estados contra civis deve ser transposta aos militares federais, sob pena de afronta injustificada ao princípio da igualdade.”
A PGR finaliza seu entendimento acerca do assunto, assegurando que o caráter da atividade define-se pelo que ela de fato é, e não por quem a exerce, sendo ofensivo também ao princípio republicano garantir a especialidade de foro em situação em que ausente motivação constitucional ou de qualquer outra ordem para tanto.
O pano de fundo dessa Lei é a proteção das Forças Armadas nas atividades alheias à sua missão constitucional
Há anos o Governo Federal vem atuando para desvirtuar o verdadeiro papel das Forças Armadas brasileiras. Fato que se agravou com a intervenção militar no Sistema de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro, pelo governo de Michel Temer.
Como bem afirma o próprio Ministério da Segurança Pública, as Forças Armadas (compostas pelo Exército, Marinha e Aeronáutica) quando autorizadas expressamente pela Presidência da República, agem em missões denominadas de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), que se justifica quando, segundo suas interpretações comprovem o esgotamento das instituições tradicionais de segurança pública.
Entendo, que é de clareza incontestável o caráter protetivo dessa lei para beneficiar membro das Forças Armadas, investido em missão de garantia da lei e da ordem que cometer crime doloso contra a vida de civil, pois será processado e julgado na Justiça Militar da União.
Já o policial militar estadual permanece sendo julgado no Tribunal do Júri, sendo constatado aqui mais um ponto polêmico, isto é, impõe-se uma clara diferenciação no tratamento de militares agindo em idêntica ação.
Ocorre que, quase sempre essas ações desenvolvidas pelas Forças Armadas se mostram insuficientes e ineficazes, mais por falta de conhecimento técnico apropriado do que por falta de força de vontade das tropas encarregadas das missões para esse tipo de serviço.
É inadmissível que o Estado brasileiro ao não dar resposta para o vertiginoso aumento da criminalidade e da violência, faça intervenção para militarizar ações civis de segurança pública. Situação que só avilta ainda mais a realidade da segurança pública e social, em que os estados membros não dão respostas satisfatórias ao caos implantado nessa área, tampouco o governo central, basta comprovar a situação insuportável em que se encontra o Rio de Janeiro.
É interessante que não esqueçamos o assassinato, tudo indica por crime político, da vereadora Marielle Franco (PSOL) na cidade do Rio, o qual já faz quase meio ano e nenhuma resposta eficaz por parte das forças de intervenção do estado se conhece na elucidação do covarde e inaceitável assassinato, seja pelos seus praticantes, seja pelas ações omissivas das autoridades brasileiras acerca do fato delituoso.
Portanto, essa lei veio para proteger exacerbadamente as Forças Armadas no desvirtuamento de suas funções constitucionais, como se tal medida fosse resolver o grave problema social que estamos vivenciando.
Essa é a minha opinião, salvo melhor juízo.
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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