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PEC das emendas parlamentares tira fiscalização das mãos do TCU

Criada pela petista Gleisi Hoffmann (PT-PR), a proposta aprovada na Câmara cumpre promessa de Bolsonaro para facilitar repasses de verbas a Estados e municípios.

O Congresso se movimenta para aprovar e promulgar, tudo nesta semana, uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) para permitir que deputados e senadores negociem livremente com prefeitos e governadores o destino de emendas parlamentares individuais – sem vinculação com programas do governo federal, como é hoje. A ideia é permitir que as prefeituras tenham um dinheiro extra para usar onde quiserem antes das eleições municipais de outubro do ano que vem.

A proposta retira de órgãos federais a fiscalização desses recursos, o que daria margem a questionamentos jurídicos. Um dos atingidos será o Tribunal de Contas da União (TCU), que tem a prerrogativa de fiscalização do recurso federal, tarefa que passará a ser feita por órgãos de monitoramento locais. A medida foi criticada por procuradores da República, que dizem que ela enfraquece não apenas o combate à corrupção, mas também a “boa governança de recursos públicos” (mais informações nesta página).


Apresentada em 2015 pela então senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), hoje deputada federal, a PEC foi resgatada no Senado por Davi Alcolumbre (DEM-AP). O projeto tira o poder de manobra do Palácio do Planalto e dos ministérios na destinação dos recursos, mas, ao mesmo tempo, agiliza verbas aos municípios – promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro. Com isso, Bolsonaro pavimenta sua relação com prefeitos e parlamentares que exercem liderança regional.

A PEC foi aprovada na Câmara com 391 votos favoráveis e só 6 contrários na terça-feira. Contou ainda com o apoio da liderança do governo, que orientou o voto favorável à proposta. Ela deve passar pelo Senado amanhã, em dois turnos de votação, e já seguir para promulgação – diferentemente de projetos de lei e medidas provisórias, PECs não dependem de sanção presidencial.

Congresso já dá como certa a nova regra

Certo da viabilidade da estratégia e mesmo antes da aprovação da proposta, o Congresso reabriu na sexta-feira o prazo para parlamentares indicarem emendas ao Orçamento do ano que vem, já considerando a adoção das novas regras. Assim, deputados e senadores poderão alterar a indicação da emenda de uma obra específica, por exemplo, e deixar o dinheiro livre para os prefeitos.

Isso porque, pela proposta, prefeitos e governadores poderão escolher para onde vai o dinheiro. O texto assegura a transferência direta, a Estados e municípios, de 60% das emendas individuais, num total de R$ 5,7 bilhões, ainda no primeiro semestre do próximo ano.

Ao aprovar a PEC, a Câmara ignorou parecer técnico da Casa. A Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira da Câmara avaliou que a medida poderia fragilizar o orçamento e desviar recursos das prioridades definidas pelo governo federal e aprovadas no Congresso. “Sem a especificação de despesas, afasta-se dos contribuintes e do público em geral o conhecimento da atividade e da política financeira aprovada pelo governo federal”, afirmava o parecer.

Quanto à reabertura do prazo para a indicação de emendas dentro das novas futuras regras, a assessoria da Comissão Mista de Orçamento (CMO) informou que essas emendas na nova modalidade serão analisadas pelo Comitê de Admissibilidade de Emendas, vinculado ao Congresso, só após a promulgação do texto e alegou que foi necessário reabrir o sistema antes disso para viabilizar a transferência dos recursos em 2020.

Fiscalização passará para tribunais de contas e promotores locais

A PEC havia sido resgatada pelo Senado neste ano. Em abril, os senadores aprovaram o texto. Como a Câmara alterou o conteúdo, a PEC retornará agora para análise do Senado. Parlamentares justificam a proposta com a necessidade de destravar recursos para a “ponta”, onde está o eleitorado, especialmente nos municípios.

Cada congressista tem direito a destinar R$ 15,9 milhões em emendas individuais por ano. O valor total dessas emendas será de quase R$ 10 bilhões em 2020. A Constituição manda que metade do montante seja aplicada em saúde. Na outra metade, os parlamentares escolherão se destinam os recursos na nova modalidade, chamada de “transferência especial”, ou na antiga, a “com finalidade definida”.

Na transferência livre, o dinheiro não será mais fiscalizado pelo TCU, e o controle caberá a tribunais de contas e promotores locais. A proposta provocou reação de auditores do tribunal. Nota da Associação da Auditoria de Controle Externo do TCU encaminhada a senadores diz que a pulverização da fiscalização dificulta o diagnóstico de fraudes sistêmicas na aplicação de recursos federais. “A proposta representa inaceitável retrocesso em relação aos avanços conquistados com a promulgação da Constituição de 1988, cujo resultado pode ser o aumento da percepção de impunidade.”

Mas, para o presidente da comissão especial da Câmara que analisou a proposta, Eduardo Bismarck (PDT-CE), a fiscalização por tribunais de contas e promotores locais vai ter mais eficiência. “Quem perde poder normalmente grita. Na hora em que eu levo a fiscalização para a ponta, ela é muito mais atuante”, afirmou. “A emenda serve para mostrar que o parlamentar conseguiu aquele recurso no momento adequado junto à população. O parlamentar precisa de visibilidade, mandar o dinheiro para determinada coisa e aquela coisa acontecer.”

'É estímulo para fazer coisa errada', diz presidente do TCU

O presidente do TCU, ministro José Múcio Monteiro, afirmou ontem ao Estado que está preocupado com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira do tribunal e de outros órgãos federais a fiscalização do uso de verbas da União repassadas a Estados e municípios que deve ser apreciada pelo Senado.

Múcio disse que tirar o TCU desse processo de averiguação do uso das emendas com recursos federais “é um estímulo para quem quer fazer a coisa errada”.

“Fico preocupado com essa mudança”, afirmou. “Imagine se a pessoa tiver a certeza de que não vai ser fiscalizada? É um estímulo para quem fazer a coisa errada”, destacou o ministro.

Múcio também ressaltou que “hoje já não é fácil fiscalizar as emendas carimbadas, imagine essas outras”. Apesar do receio, o presidente do TCU disse acreditar em um debate amplo sobre o tema e que isso não deve passar fácil no Congresso. “Eu acredito que isso ainda vai ter muita discussão. Tem que ser muito bem pensado. Afinal, é uma mudança radical tirar o controle do dinheiro público.”

Para procuradores, nova proposta enfraquece controles

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que retira de órgãos federais o controle sobre o uso de dinheiro repassado por deputados e senadores a Estados e municípios – e que está em vias de ser promulgada pelo Congresso nesta semana – enfraquece a boa governança de recursos públicos, segundo autoridades ouvidas pelo Estado.

“O dinheiro das emendas parlamentares é uma verba de origem federal e sempre teve fiscalização federal”, disse o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Fábio George Cruz da Nóbrega. Uma mudança, segundo ele, estaria subvertendo essa lógica. “(A PEC) retira a competência e a expertise construída pelos órgãos federais na fiscalização desses recursos – e aí eu coloco TCU, CGU (Controladoria- Geral da União), Polícia Federal e Ministério Público Federal.”

Para Vladimir Aras, procurador regional da República em Brasília, a proposta que tramita no Congresso tem o potencial de enfraquecer “o sistema de controle externo do dispêndio e aplicação de verbas públicas originalmente federais”.

Depois de examinar o texto aprovado pela Câmara, Aras fez duas objeções ao projeto. “A Caixa Econômica Federal deixaria de atuar no enquadramento e na fiscalização dos projetos, que não teriam finalidade específica nos Estados e municípios”, afirmou ao Estado.

O procurador apontou que a transferência de recursos como doação, sem vinculação a projetos, “acaba aumentando o risco de mau emprego, desperdício e até mesmo de desvio”. Ele disse ainda que os Tribunais de Contas locais “têm problemas de composição e não funcionam adequadamente em grande parte dos Estados”.

Na visão do procurador, embora as cidades precisem receber dinheiro de modo não burocrático, o sistema de doação direta pode comprometer o resultado. “Ou seja, obras e projetos importantes mal feitos ou desvirtuados”, argumentou.

Além de ter participado das investigações transnacionais da Operação Lava Jato, Aras foi o candidato à chefia do Ministério Público que contou com apoio reservado dos procuradores das forças-tarefa da Lava Jato em Curitiba, Rio e São Paulo.

Pela regra atual, só verbas vindas de repartição de impostos têm fiscalização local

De acordo com Nóbrega, quando o assunto é desvio de recursos públicos, duas súmulas do Superior Tribunal de Justiça (STJ) determinam o que é competência da Justiça Federal e o que fica aos cuidados das justiças dos Estados.

Atualmente, verbas de origem federal que são enviadas a Estados e municípios mediante convênios e contratos de repasse – caso das emendas – seguem sujeitos à fiscalização federal.

Cabe às autoridades locais fazer o acompanhamento nos casos em que o dinheiro é repassado a cidades e Estados por força de repartição de impostos, como no caso dos Fundos de Participação dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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