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Celso Barros Coelho: o bastonário da advocacia, do humanismo e da democracia

Artigo do desembargador Edvaldo Pereira de Moura, que é Membro da Academia de Letras da Magistratura.

Edvaldo Pereira de Moura

Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Piauí (TJPI), Mestre em Ciências Criminais (PUC-RS), Membro da Academia Brasileira de Letras da Magistratura (ABLM), Vice-presidente nacional do COPEDEM, Presidente da Seccional do IMB no Piauí.


O imperador Dom Pedro II teve muitos críticos acerbos e inúmeros louvaminheiros áulicos. A maioria deles sobreviveu aos anos finais do Império brasileiro. Dentre os demônios do rei, nenhum deles foi mais brilhante e logrou ir mais longe, chegando até nós, do que o genial e impulsivo cearense, José de Alencar: o temido e indomável autor das Cartas publicadas na imprensa do Brasil, sob o pseudônimo de Erasmo.

No início da primeira Carta, dirigida ao Imperador, José de Alencar, melhor dizendo, Erasmo, não o de Roterdã, mas o de Messejana, assim se anuncia:

“A verdade, filha do céu, como a luz não se apaga. No seio da escuridão mais densa jaz a centelha que afinal propaga a chama. Em todos os tempos, quando a corrupção invade a sociedade e o vício contamina as fontes da vida pública, Deus suscita um apóstolo para salvar no meio da geral dissolução, a dignidade da razão humana. Através do zumbir da lisonja, do riso aparvalhado das turbas, do resfolgo opresso das consciências, no meio das bacanais públicas, ergue-se vibrante e sonora a voz da verdade, semelhante ao canto do cisne de uma sociedade que sucumbe. O Brasil já passou, no curso de sua trajetória, por situações difíceis e dramáticas. Um publicista, tão robusto no raciocínio, quanto profundo em suas observações - Montesquieu - falando sobre a dramaticidade das situações com que se defronta a forma republicana de governo, deixou escritas as seguintes palavras: ‘A desgraça de uma república é a carência de luta; sucede isso quando o povo é corrompido, tornando-se frio e afeiçoado ao dinheiro, perdendo gosto e interesse pelos negócios governamentais.’ Quem não sente a presença desse grave e terrível sintoma de corrupção, na infeliz atualidade, em que tudo se merca e barateia: voto, honra e reputação?"

Em tempos que já se foram, no dizer de Sílvio Romero, um “bando de ideias novas esvoaçavam sobre nós de todos os pontos do horizonte", DNA da geração do meado ao final do século XIX, devido ao conglomerado de ensinamentos da buliçosa Escola do Recife, de que foi inconteste líder.

O audacioso e inclemente profeta sergipano, Sílvio Romero, com seus ditos e escritos desacatava o classicismo, o ecletismo, o escolasticismo, o beletrismo, desprezando-os e os descartando com o ferrete da maldição. Isso, ao mesmo tempo em que transfigurava-se num João Batista às avessas, pregando a boa nova importada da Inglaterra, da França e da Alemanha, como o organicismo, o darwinismo, o evolucionismo, o positivismo, o racismo e outras soluções finais partidas das diatribes ideológicas do Velho Mundo.

Não tardou muito tempo para que, até mesmo pelas evidências cruas da realidade, todas as pregações malsinadas daqueles profetas escatológicos fossem se esbaldando, pelo patrulhamento contra a subversão absoluta e implacável do devir, decretado para o compasso do mundo, barrando a sangria aberta pela filosofia importada, com as bases cuidadosas de um humanismo voltado às reformas estruturais da sociedade, sobrelevando os direitos e garantias do homem e da mulher.

Foi nessa fonte sábia e consciente, dinâmica e transformadora, que beberam as grandes expressões das ciências e das artes, que redigiram as obras basilares de uma democracia verdadeira e deram diretrizes as novas modalidades de governar, de participar, de ensinar, de representar, de defender e de conviver na sociedade em que se vive hoje.

Mas, como diz o texto vestibular da Carta que Alencar escreveu ao Imperador, “quando a corrupção invade a sociedade e o vício contamina as fontes da vida pública, Deus suscita um apóstolo para salvar no meio da geral dissolução, a dignidade da razão humana”.

E o mestre Celso Barros Coelho foi um dos apóstolos suscitado pelo Criador, nas salas de aula, na representatividade do Parlamento, nos auditórios acadêmicos, no apostolado da ética e da decência, da Filosofia e da Literatura, como intelectual da mais honesta e vasta cultura, fincada no rizoma profundo do humanismo clássico, que se dava ao luxo de não precisar de tradutores para as obras basilares, de eminentes autores, quer viessem elas em Latim, Grego, Francês, Italiano, Alemão ou Espanhol, sempre a serviço dos interesses mais legítimos do Piauí e do Brasil.

Celso Barros Coelho, meu amigo e mestre, foi um daqueles juristas e intelectuais predestinados, que marcaram divisões e cortes longitudinais na história de um povo e de sua geração, em mais de cem anos de vida e trabalho, sempre sacralizado, pelos frutos do incansável, heróico e proficiente fazer jurídico e cultural, como intelectual respeitado, como político vanguardista, como professor emitente e como jurista consagrado, deixando a marca pessoal e intransferível da genialidade que, em raras cabeças fulge como auréola estelar e só se repete de século em século. Dádiva que as ricas paisagens maranhenses de Pastos Bons nos obsequiou, como presente de que o Piauí muito se orgulha.

Temos ciúmes do seu torrão natal, num justificável e bem comportado egoísmo, jamais deixando que a outros pareça que não seja ele filho do Piauí. Isto já é uma manifestação silenciosa do ciúmes que temos do seu berço natal e do desmedido orgulho que todos nós demonstramos, por tê-lo como amigo e conterrâneo.

Celso Barros Coelho, foi aquele homem verdadeiro, que esteve entre nós. Ele não só esteve entre nós, como se tornou uma legenda a ser preservada por todos os piauienses e maranhenses, que tiveram o privilégio e o orgulho de conhecê-lo.

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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