Edvaldo Pereira de Moura
Desembargador do TJPI, Professor da UESPI e Diretor da ESMEPI
Há exatamente vinte e seis anos, seis meses e onze dias, Oeiras, desolada, presenciava, frente à cova fria, a inumação dos despojos de uma figura ímpar no nosso convívio, em cuja fronte encanecida e enrugada sempre estiveram impressas a amarga concepção do mundo, as grandes recordações da nossa vida e da nossa história. O sentimento de perda dolorosa, que transcendia o ato exequial e nos transpunha, em quase êxtase, sem dor e sem desespero, aos desvãos de paragens misteriosas e inexplicáveis. Já diziam os mestres doutrinadores dos pórticos da Hélade, que tal lugar é a região dos espíritos bem-aventurados, em ataraxia plena, na paz profunda dos espíritos eleitos.
O grande Marco Túlio Cícero, o mais perfeito modelo da eloquência forense da latinidade clássica, procurando compensar sua origem plebeia, foi buscar na velha Grécia, o veio inesgotável de sua sapiência proverbial. Em Atenas, frequentou os cursos de Ascalão, Antíoco e Zenão. Depois, em Rodes, encontrou seu grande mestre, Possidônio de Apameia. Com este gênio, de origem síria, Cícero encerraria a sua formação clássica. Possidônio era estoico. Os estoicos ensinavam os homens a viverem na virtude, ma recta ratio de Cícero, o único bem, por certo, a felicidade suprema, amável por si mesma e, de si mesma, prêmio.
Passados mais de vinte séculos, eis que surge outro Possidônio, o Nunes de Queiroz, também mestre ínclito de outros, que agora são mestres. O tutor das gerações inteligentes, há mais de meio século. O orgulho da terra oeirense. O guardião insone da nossa história. O advogado das nossas causas cívicas e culturais. O juiz retíssimo do nosso pundonor, do nosso bairrismo e da nossa hospitalidade. Porque, respeitando as raras exceções, o mestre Possidônio Nunes de Queiroz foi o mais completo filho de Oeiras, e ninguém a honrou e a dignificou mais do que ele. Quem muito fez, apenas o igualou. Esta terra bendita, que o recebeu em seu ventre maternal, é o único território sagrado do mundo, que merecia a honra de guardar os seus veneráveis despojos.
Não sei se devo chorar a imensa ausência de ter visto partir uma daquelas pessoas que, por sua magnificência, nos fazem reacender as chamas da esperança nas promessas humanas, ou se devo me rejubilar, como testemunha ocular da história, pela felicidade de ter conhecido uma das figuras mais admiráveis, que por nós passaram como um cometa de órbita centenária e brilharam nos nossos destinos, como aquela Estrela de Belém. O nosso amado mestre Possidônio, há vinte e seis anos, foi-se deste para o mundo dos eleitos. Aqui, ficamos todos nós, que fomos cativados pela sua estima paternal, com a mesma reverência fraterna de José de Arimateia, ante os despojos de Jesus, unidos no culto à sua saudosa memória e certos de que onde quer que habite a sua alma, rogará a Deus por todos nós e ajudará a prover a falta dolorosa que nos deixou. Intercederá, também, pelo progresso e pela paz da velha e tradicional Oeiras, que, durante quase noventa e dois anos, foi a razão de sua vida e de sua felicidade.
Que Deus o receba no paraíso dos sábios, dos santos e dos heróis.
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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