Desembargador Edvaldo Pereira de Moura
Diretor da ESMEPI e Professor da UESPI
Na honrosa incumbência recebida do professor Jorge da Silva, para a apresentação de sua última obra, PMs A SINA DOS ALGOZES-VÍTIMAS, corro o risco de cometer, pelo menos, um grave pecado: o de não alcançar a profundidade analítica devida, para esclarecer as entranhas de um trabalho acadêmico, complexo, originalíssimo, partido da experiência e do cabedal de conhecimentos daquele que, sem favor, nem elogios tautológicos, é considerado um dos mais brilhantes policiólogos da América Latina.
No dia 12 de setembro de 2000, em Belo Horizonte, foi-me ofertado pelo Cel. PM, Jorge da Silva, devidamente autografado, seu livro, Controle da Criminalidade e Segurança Pública na Nova Ordem Constitucional, em 2º edição da Forense do Rio de Janeiro, revista e atualizada. Lendo-o, descobri que o autor, era, antes de tudo, um categórico professor e sua obra rigorosamente didática, ainda hoje é um insuperável Manual, indispensável ao estudo sistemático da estrutura das polícias civis e militares do país.
Depois disso, ungido da mais sincera admiração e respeito, iniciei minha campanha pessoal em favor de um distintíssimo brasileiro, culto, respeitado e senhor de uma enormidade de conhecimentos, vivências sofrimentos, enfrentamentos, incompreensões pela inarredável veneração com que dedicou sua vida ao aperfeiçoamento da Polícia Militar do Rio de Janeiro e, por analogia e afinidade, às demais coirmãs fardadas do Brasil.
Por força de minhas atividades de magistrado e professor de Direito Penal e Processual Penal, em muitas participações e intervenções, e não foram poucas, em congressos, conferências, salas de aula, conversas com amigos, colegas e autoridades políticas, sempre que vêm ao momento, assuntos complexos relacionados à Polícia e à Segurança Pública deste país, lembro o nome do meu distintíssimo amigo, Jorge da Silva, como uma tábua de salvação para a segurança pública brasileira.
Este livro, com título muito forte, de PMs A SINA DOS ALGOZES-VÍTIMAS, conforme diz o autor, em seu prefácio, origina-se de “um estudo realizado dentro do Programa de Pesquisa da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, desenvolvido em 2015 a 2017, sob o título: Riscos Profissionais, Direitos Humanos e Vitimização de Policiais Militares, no Rio de Janeiro”. Obra bem compacta, ela me soa como um desabafo pleno de verdades cruas, sob o impulso da mais vibrante coragem moral, sem arranjos retóricos, pondo a nu o chamado poder simbólico, mazela que danifica o poder formal do Estado, que não atinge somente às classes policiais, mas toda uma estrutura política, psicossocial e econômica, já vivida por muitas gerações neste país. Mas, o que seria esse poder simbólico, espécie de esquizofrenia social, capaz de distorcer e tornar uma orientação lógica em facetas das mais disparatadas?
Pierre BOURDIEU, já o havia definido em sua obra, no final do século XX. Jorge da Silva, logo de início, usa como epígrafes, duas citações dele: “O poder simbólico é, com efeito, esse poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem”. “A violência simbólica é uma violência que se exerce com a cumplicidade tácita dos que a sofrem e, também, com frequência, dos que a exercem, na medida em que uns e outros são inconscientes de exercê-la ou de sofrê-la”.
No decorrer dessas páginas, Jorge da Silva vai esclarecer e justificar, amparado por sua longa vivência e exaustivo estudo sistemático, a razão por que os policiais militares, do Rio de Janeiro, “além da vitimização por parte dos malfeitores a que são expostos, estão submetidos a outras situações geradoras de sofrimento menos notórias. Uma delas tem a ver com os efeitos da conduta especial de militares, situação em que são privados de vários direitos assegurados aos trabalhadores brasileiros em geral, em contraste com o acúmulo de obrigações impostas pelas leis e regulamentos militares. Some-se a isso o ônus de terem de cumprir a missão constitucional de “preservar a ordem pública”, de forma ostensiva, num contexto em que a “ordem social” é fortemente marcada por hierarquias sociais de todo tipo”.
“A PM é uma organização de prestação de serviços públicos. Como serviço público, deve ter por escopo organizacional primário o de servir. A ideia de servidor público deve permear todas as ações dos integrantes da Corporação. A organização deve, pois, ser entendida como uma extensão do direito que tem o cidadão de proteger-se e de proteger o seu patrimônio”.
O enunciado é uma joia de construção das muitas de que está plena a nossa Carta Magna e outras enunciações legais dela decorrentes. O Policial Militar é um pomposo servidor da segurança pública e esteio diuturno dos cidadãos brasileiros. Até aí, tudo bem. As leis reguladoras dos critérios adjuntos são também claras, objetivas e bem construídas. O Policial Militar é um guardião ostensivo dos cidadãos! Mas, por quais motivos nada explícitos, esqueceram de que o policial militar é, também, um cidadão, reclamado, vigiado, punido, sempre visto como responsável por outros cidadãos. Pior, ainda, alvo natural do ódio dos inimigos da ordem pública e visto como cidadão de baixa categoria por alguns privilegiados, que se acham no topo da sociedade, historicamente, construída nas regalias e privilégios negados aos hipossuficientes do asfalto e das periferias miseráveis. Afinal, como se pode construir uma democracia verdadeira, plena, progressista e bem disciplinada, onde por fora tudo é formalizado com caráter utópico e, por dentro, não há uma instituição séria, que não esteja tomada por elementos distópicos, ali colocados a serviço de forças ocultas detentoras misteriosamente dos enunciados hipócritas, bem alinhados na ordem acadêmica, mas bem postados na faixa oculta do poder simbólico? PMs A sina dos Algozes-Vítimas, vai cortar a facão, este cipoal do submundo das ideias erradas sobre segurança pública e deixar, pelo menos, uma clareira onde se possa ver melhor as razões da triste sina que tem feito do policial militar do Rio de Janeiro e de outros estados, um algoz-vítima, na ordem hipócrita do senso comum.
Nos dias de hoje, Justiça, Segurança Pública e Desenvolvimento Social, com os ensinamentos de Jorge da silva, Geder Luiz Rocha Gomes e do Professor Edmundo Oliveira, têm as possibilidades válidas para serem transformadas em modelos corporativos ímpar. Geder Gomes possui toda teoria e prática para a substituição da prisão, com alternativas penais, legitimidade e adequação. O Professor Ph.D. Edmundo Oliveira, trabalha, incansavelmente, no projeto gigantesco da Universidade Mundial de Segurança e Desenvolvimento Social das Nações Unidas, cuja sede será localizada no Brasil, para o atendimento a quase duzentos países do mundo. Ele é o Coordenador Geral do Comitê Permanente da América Latina, para Prevenção do Crime e Tratamento do Delinquente, do Instituto Latino-Americano da ONU, com sede em São José da Costa Rica. Esses três ilustres brasileiros, encontram-se no topo da pirâmide, para uma visão especial do macrocosmo ao microcosmo, deste universo paradoxal, de onde se esperam soluções, em prol das políticas voltadas à segurança e à justiça de todos e quaisquer cidadãos, do Brasil e de outros países, sem o comando autoritário, emanado de velhos e ultrapassados conceitos, já não mais admissíveis.
Este trabalho meticuloso e sério, que tive o prazer de analisar, de poucas páginas e muita precisão, do Coronel e professor, Jorge da Silva, Mestre em Criminologia, Doutor e Pós-Doutor em Antropologia, pela Universidade de Buenos Aires, é mais uma confirmação de que, apesar de todos os revezes, pelos quais passamos, ainda nos resta a esperança de que nós, brasileiros, temos, neste campo, difícil e perigoso, uma das mais brilhantes inteligências da nossa geração, no comando das boas, corajosas e apropriadas buscas de soluções para tão emblemáticos e dolorosos enigmas da sociedade em que vivemos.
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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