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A (in)justiça piauiense

Se no Tribunal de Justiça tem-se a comissão, no Ministério Público do Estado deparou-se no passado com a omissão.

Foto: DivulgaçãoMoysés Barjud
Moysés Barjud

Nos últimos seis anos, desde quando um cidadão muito decente chamado José Osmar Alves conseguiu transformar o Instituto de Terras do Piauí em um espaço salubre, os produtores rurais do Estado passaram a ser acochados por todo lado para que acatassem um projeto que, apesar de caro, se mostrava interessante: nivelar a origem de todos os imóveis produtivos em documento emitido pelo governo, seja título de domínio seja reconhecimento expresso de legalidade.  

Criaram para isso regras e as regras eram claras. Da sua confecção participaram o próprio Estado, entidades de classe laboral e patronal e o Tribunal de Justiça do Estado. O retorno ao produtor? Paz, economia com advogados, facilidade no acesso ao crédito proporcionada pela segurança jurídica, transparência ambiental etc.  


Passados esses anos já se pode hoje adjetivar a ideia e seus partícipes. O programa tem sido um sucesso e os produtores que aderiram - a imensa maioria - comprovaram o resultado prometido e que vem sendo honrado pelo Estado. 

Mas uma pequena mancha, sobre uma pequena quantidade de terras ja regularizadas (imóveis com áreas consideráveis, é verdade, mas pequenas frente ao volume já regularizado ou na iminência de conclusão), pode jogar tudo por terra em face de um fenômeno avassalador de direitos chamado “jurisprudência”. 

É que no Estado tem-se uma cabeça, cada entidade de classe tem a sua, mas aquele partícipe mencionado, o Tribunal de Justiça, tem em cada gabinete uma cabeça e vez ou outra, uma dessas cabeças têm o seu “direito de conveniência”, ou o seu “advogado de estimação”, ou qualquer outro problema que faz com que as luzes do dito gabinete mantenham o ambiente em conveniente penumbra. 

Em Baixa Grande do Ribeiro/PI, imóvel que pertenceu a O. B. vez ou outra é assolapado em um processo judicial aventureiro; em Monte Alegre do Piauí, L. C. C. e J. L. C. batalham há mais de uma década para ver o imóvel rural livre do incômodo da turbação; em Bom Jesus/PI (aquele município que ficou famoso por ter abrigado um juiz que sentenciou em benefício próprio uma ação de usucapião de imóvel rural), a empresa B. J. E. se vê em idêntica situação. O que eles três tem em comum? Todos têm suas matrículas originadas em Título Definitivo do Estado. Todos chegaram na terra prometida, mas lá, nada de leite e mel. Só fogo e enxofre. 

A Vara Agraria fez o que pôde. Cancelou matrículas frias daqueles que as usavam para propor sobre esses imóveis a tal ação possessória de justo título (repudiada desde o advento do novo código civil ha quase vinte anos mas ainda acatada pela conveniência togada) e atestou em campo com suas várias vistorias técnicas quem produzia e quem era invasor. A Corregedoria de Justiça, no mesmo embalo, cancelou varias dessas matrículas que hoje desfilam nos plantões do Tribunal de Justiça, nos pedidos de vista de processo de última hora, nos aniversários, casamentos e tudo mais que caracteriza a hight society da injustiça. 

Se no Tribunal de Justiça tem-se a comissão, no Ministério Público do Estado deparou-se no passado com a omissão. Essas mesmas grilagens que esporaram imóveis regularizados instruíram representação criminal ao Ministério Público Agrário em 19 de dezembro de 2013 e ao Grupo Especial de Combate à Grilagem de Terra - GERCOG do Ministério Público do Estado do Piauí em 23 de janeiro de 2019. Até o momento nenhum resultado, pois todos os noticiados continuam a bailar pelos corredores do judiciário se apresentando como produtores que nunca pisaram os pés em uma fazenda do cerrado. Só há pouco tempo o Ministério Público Agrário teve sua competência reestruturada e o GERCOG foi agraciado com um Promotor que, pelo que se tem visto, atua com eficiência e destemor.  

Depois de tanto tempo, os produtores rurais do Piauí - os que realmente produzem e confiaram no programa fundiário - se encontram hoje diante de um diapasão: a frase de Hannah Arendt, que, deparando-se com a banalização do mal, afirmou que “vivemos tempos sombrios, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança”; ou, num lampejo dessa esperança, sonhar com um faroeste sem armas no Piauí a tempo de evitar que aquela jurisprudência mencionada procrie e fulmine toda a segurança jurídica do cerrado.

Por Moysés Barjud 

Advogado 

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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