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A Justiça Eleitoral e a assepsia da livre e consciente manifestação popular das urnas


  • Foto: Divulgação/AscomEdvaldo Pereira de MouraEdvaldo Pereira de Moura

* Por: Edvaldo Pereira de Moura
Desembargador e Diretor da Escola Superior da Magistratura do Piauí


No dia 28 de maio do fluente ano, a Justiça Eleitoral do Brasil, juntando-se ao júbilo nacional, mas sem pompas e circunstâncias, comemorou o 74º aniversário de sua reinstalação.

Instituída pelo Código Eleitoral de 1932, a Justiça Eleitoral foi extinta em 1937 por ato do Governo Vargas e, após hiato de oito anos, voltou a funcionar plena e regularmente. De lá para cá, principalmente a partir de 1986, com o recadastramento nacional dos eleitores concebido pelo Ministro Néri da Silveira, obteve conquistas normativas e tecnológicas que a colocam entre as instituições mais respeitadas deste País continente.

Por dever de justiça, não poderíamos deixar de registrar que o Piauí teve destacada, histórica, inolvidável e rara participação no processo de luta encetada, no início dos anos 1930, buscando a consolidação de paradigmas técnicos e jurídicos em que se assenta o seu bem pensado e consistente sistema eleitoral republicano. Como é do conhecimento da comunidade jurídica brasileira, integrou esse movimento cívico o ilustre jurista piauiense João Crisóstomo da Rocha Cabral que, com o gaúcho Joaquim Francisco de Assis Brasil e o paulista Mário Pinto Serva, participou da Comissão de Notáveis responsável pela elaboração do Código Eleitoral de 1932, que criou a Justiça Eleitoral e permitiu o voto feminino.

Sem dúvida, João da Rocha Cabral foi um dos mais persistentes pregadores da consolidação democrática no Brasil, por meio do voto limpo e consciente, no tempo em que não havia eleições livres no País, justificando “o aperfeiçoamento do nosso regime eleitoral, com ou sem reforma de alguns artigos da Constituição, mas visando ao estabelecimento de governo e parlamento verdadeiramente responsáveis perante a nação”. Isso também quando convivíamos, naturalmente, com o alistamento fraudado, com a inautenticidade do voto e com as eleições burladas até no processo de reconhecimento das câmaras. Mazelas, aliás, que em 1924, no seu dizer “com impudência descomunal”, impediram a reeleição de Cabral à Câmara Baixa do País.

O nosso Estado, indiscutivelmente, está na genética dos mais nobres instantes nacionais, de lutas por eleições justas e transparentes. O seu Tribunal Regional Eleitoral tem procurado, ao longo de todos esses anos, consolidar sua posição de partícipe do processo de diuturno aprimoramento da democracia, não apenas por haver se dedicado, incansavelmente, à realização de eleições livres e limpas, mas por seu reconhecido rigor no exercício da atividade jurisdicional eleitoral e, ainda, por sua vocação de parceiro dos setores da sociedade que se lançam à pesquisa, ao estudo e à difusão do conhecimento jurídico, buscando o aperfeiçoamento dos institutos que formam o não acabado, porque em constante construção, Direito Eleitoral brasileiro.

Tal postura não poderia ser diferente, uma vez que a própria Justiça Eleitoral registra em sua história avanços e retrocessos, êxitos e reveses, no fluxo e refluxo dos regimes experimentados em nosso País, ora totalitários, ora autocráticos, ora democráticos.

O fortalecimento do regime democrático, porém, não prescinde do aperfeiçoamento dos institutos que lhe dão suporte, especialmente os do Direito Eleitoral. Nesse sentido, constata-se da análise histórica das normas eleitorais editadas, desde os anos 1960, incluindo as posteriores à Constituição de 1988, que a legislação nessa seara apresenta linha muito nítida de evolução, tanto no Direito material, quanto no processual. A cada eleição surgem novas reflexões, na medida em que a sociedade e o parlamento discutem as virtudes e as vicissitudes do Direito e do processo eleitorais, que se empenham, a cada dia, pela livre manifestação popular das urnas, para a mais legítima representatividade político-eleitoral.

Essa preocupação não retrata modismo vazio, nem saudosismo convencional, mas postura fundamentada na necessidade de dar à sociedade a que servimos real conhecimento sobre a história de luta da Justiça Eleitoral, em favor dos supremos interesses de nossa ainda incipiente democracia representativa, graças às conquistas normativas e tecnológicas até aqui por ela alcançadas, com objetivos a serem perseguidos, ampliados e valorizados, com transparência e ênfase, para a permanente melhoria das relações intersubjetivas de todos os destinatários de seu mister institucional, revelando a irregressível tendência de fugirmos do enclausuramento sistemático, no qual costumam ser geradas decisões distanciadas da realidade circundante e da rigidez, sem harmonia nem compromisso, com as preconizações da contemporaneidade.

Como é de sabença geral, no final do Século XVIII todas as atenções e preocupações do mundo ocidental estavam voltadas para as ebulições políticas e sociais que eclodiam na França. Foram dez anos de insônias, lutas, intranquilidades e mortes em um período que ficou para sempre nos anais da história com a denominação de Revolução Francesa. Não há, entre nós, quem não tenha estudado aquele emblemático decênio, que vai de 1789 a 1799, e que redesenharia, para os séculos futuros, o mapa da Europa e das Américas.

Pois bem: o lema triunfal daquela época pugnava pela busca, a qualquer preço, primeiro, da liberdade, segundo, da igualdade e, terceiro, da fraternidade. A própria árvore dos direitos universais da humanidade brotou do lamaçal de sangue que borbulhava sob a guilhotina. Daquela estrutura diabólica saltaram, sem o corpo, muitas cabeças que repensaram as formas de eleições justas, pois a história das soluções confiadas ao uso do voto nas assembleias que se organizavam naquele tempo, até hoje nos serve de lição.

No passar de todos esses anos que nos separam daquele movimento houve muitas conquistas em prol da liberdade e da igualdade. No entanto, pouco ou quase nada se conseguiu no concernente à fraternidade. Será esta a última etapa a ser vencida para que possamos chegar às conquistas definitivas dos direitos e garantias do cidadão. Só a consciência fraterna poderá nos assegurar a sacralização desses avanços, que nos vieram com o gozo da liberdade e da igualdade. Só a prática da fraternidade poderá formar o grande círculo da vigilância constante dos bens já conquistados. Nesta consciência fraterna está o poder de resistir, de mãos dadas, em nome de todos, aos ataques contra a plenitude dos princípios democráticos em que se alicerça o nosso Estado Democrático de Direito. Somente esta consciência fraterna poderá nos unir na guarda da urna moral e espiritual que a nação brasileira espera preservar em cada um dos seus concidadãos.

Uma grande democracia é na essência uma grande fraternidade de homens e mulheres, que não descuidam de suas conquistas e das possibilidades de uma vida digna para todos. Uma grande democracia é aquela em que os seus membros sabem escolher os seus representantes e procedem em tal escolha da maneira mais pura, consciente e nobre possível.

A presença de um sistema eleitoral justo, perfeito e avançado se torna indispensável, mas um sistema eleitoral só é justo, perfeito e impecável quando conta com uma cidadania que faz do voto artigo de honra absoluta. Quando o voto passa pela assepsia moral do eleitor, as urnas não podem ser atacadas pelo vírus da indecência e da corrupção. Como por encanto, o crime eleitoral desaparece. Portanto, não há justiça eleitoral perfeita, nem respeitável, se o eleitor não fizer de seu voto uma expressão verdadeira de sua lisura moral.

Por este motivo, a missão de todos os participantes ativos do sistema eleitoral brasileiro é propagar a importância dessa grande fraternidade, em busca do voto limpo. Missão, aliás, que já vem há muito tempo sendo trabalhada, diuturnamente, por todos nós, que fazemos a Justiça Eleitoral deste País.

*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1

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