*Por André Massaro
Nos últimos dias, temos visto alguns políticos e técnicos ligados ao governo dizerem, com um certo orgulho, que somos um dos povos menos endividados do mundo e, por conta disso, teríamos uma “folga” para aumentar o endividamento, o que ajudaria a dar ainda mais fôlego para o nosso consumo que já anda bastante aquecido.
Mas será que isso é verdade? Somos mesmo um povo pouco endividado? Sim, quem disse que nosso endividamento é baixo não falou nenhuma mentira. Mas é importante termos em mente que isso não é decorrência de nossa educação financeira nem de nossa destreza em administrar nossas próprias finanças. O baixo endividamento (relativo) do brasileiro é muito mais uma decorrência de um mercado de crédito pouco desenvolvido (convém lembrar que, até poucos anos, não era tão comum comprarmos todo tipo de bem usando financiamento) e da nossa taxa de juros, que é uma das mais altas do mundo.
Vendo os índices de endividamento isoladamente, sobram poucas dúvidas que estamos longe dos primeiros colocados nesse ranking, mas isso absolutamente não significa que estamos em vantagem. Aliás, muito pelo contrário... A comparação dos níveis de endividamento de um brasileiro com um americano ou europeu pode nos dar resultados inconclusivos se não levarmos em conta outros fatores, como a taxa de juros.
Apenas para termos um exemplo, a nossa taxa de juros básica (a SELIC) é, no atual momento, mais de quarenta vezes maior que a taxa básica americana, e mais de dez vezes a taxa da zona do Euro. Essa desproporção se observa também (ainda que em menor nível) nas taxas ao consumidor. Podemos ver alguns exemplos a seguir:
- Juros de cartão de crédito: Nos EUA, as taxas de juros do crédito rotativo do cartão de crédito estão em níveis historicamente altos, por volta de 14% ao ano. Já aqui no Brasil, segundo a ANEFAC (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), em agosto de 2010, a taxa média do crédito rotativo nos cartões de crédito brasileiros era de 238,30% ao ano. Nossa taxa é aproximadamente dezessete vezes superior à taxa americana;
- Juros do cheque especial: Vamos ver agora como vão nossos amigos europeus... Na Inglaterra, a taxa de juros para uso do limite de conta especial (overdraft) está por volta de 16%. Aqui no Brasil, ainda segundo a ANEFAC, nossa taxa média em agosto foi de 136,85% ao ano, mas não é difícil encontrar bancos cobrando mais de 200% ao ano;
- Financiamento de veículos: Nos EUA, um carro novo, financiado em 36 meses, paga em torno de 6% ao ano de juros (o que daria em torno de 0,49% ao mês). Aqui no Brasil um carro financiado pelo mesmo período paga entre 1,5% a 2,0% ao mês.
O que podemos concluir é que, para o brasileiro, ocorre uma espécie de “alavancagem ao contrário”. Se os americanos, por exemplo, pegarem emprestado um valor “X”, eles poderão ter problemas com os juros. Mas se nós brasileiros resolvermos tomar o mesmo “X” que os americanos, seremos esfolados vivos! É aquela velha lógica do “se eles pegam um resfriado, nós morremos de pneumonia”, pois o efeito do endividamento de mesmo valor é muito diferente no brasileiro e em um cidadão de uma economia desenvolvida.
Vendo por esse lado, é questionável se existe mesmo esse tal “espaço” para o endividamento extra. O endividamento das famílias no Brasil pode ser baixo (como de fato é), mas sendo o Brasil um dos países com juros mais altos do mundo, não poderia ser diferente. Se o endividamento do brasileiro subir mais, ele ainda será baixo pelos padrões internacionais, mas as pessoas terão que “vender a própria alma” para dar cabo dos juros. Mais do que nunca as famílias brasileiras devem se preocupar em tomar decisões financeiras sensatas e em manter as contas equilibradas.
*André Massaro é especialista em finanças pessoais
Autor do livro MoneyFit (Matrix Editora)
www.moneyfit.com.br
Twitter: @andremassaro
Nos últimos dias, temos visto alguns políticos e técnicos ligados ao governo dizerem, com um certo orgulho, que somos um dos povos menos endividados do mundo e, por conta disso, teríamos uma “folga” para aumentar o endividamento, o que ajudaria a dar ainda mais fôlego para o nosso consumo que já anda bastante aquecido.
Mas será que isso é verdade? Somos mesmo um povo pouco endividado? Sim, quem disse que nosso endividamento é baixo não falou nenhuma mentira. Mas é importante termos em mente que isso não é decorrência de nossa educação financeira nem de nossa destreza em administrar nossas próprias finanças. O baixo endividamento (relativo) do brasileiro é muito mais uma decorrência de um mercado de crédito pouco desenvolvido (convém lembrar que, até poucos anos, não era tão comum comprarmos todo tipo de bem usando financiamento) e da nossa taxa de juros, que é uma das mais altas do mundo.
Vendo os índices de endividamento isoladamente, sobram poucas dúvidas que estamos longe dos primeiros colocados nesse ranking, mas isso absolutamente não significa que estamos em vantagem. Aliás, muito pelo contrário... A comparação dos níveis de endividamento de um brasileiro com um americano ou europeu pode nos dar resultados inconclusivos se não levarmos em conta outros fatores, como a taxa de juros.
Apenas para termos um exemplo, a nossa taxa de juros básica (a SELIC) é, no atual momento, mais de quarenta vezes maior que a taxa básica americana, e mais de dez vezes a taxa da zona do Euro. Essa desproporção se observa também (ainda que em menor nível) nas taxas ao consumidor. Podemos ver alguns exemplos a seguir:
- Juros de cartão de crédito: Nos EUA, as taxas de juros do crédito rotativo do cartão de crédito estão em níveis historicamente altos, por volta de 14% ao ano. Já aqui no Brasil, segundo a ANEFAC (Associação Nacional dos Executivos de Finanças, Administração e Contabilidade), em agosto de 2010, a taxa média do crédito rotativo nos cartões de crédito brasileiros era de 238,30% ao ano. Nossa taxa é aproximadamente dezessete vezes superior à taxa americana;
- Juros do cheque especial: Vamos ver agora como vão nossos amigos europeus... Na Inglaterra, a taxa de juros para uso do limite de conta especial (overdraft) está por volta de 16%. Aqui no Brasil, ainda segundo a ANEFAC, nossa taxa média em agosto foi de 136,85% ao ano, mas não é difícil encontrar bancos cobrando mais de 200% ao ano;
- Financiamento de veículos: Nos EUA, um carro novo, financiado em 36 meses, paga em torno de 6% ao ano de juros (o que daria em torno de 0,49% ao mês). Aqui no Brasil um carro financiado pelo mesmo período paga entre 1,5% a 2,0% ao mês.
O que podemos concluir é que, para o brasileiro, ocorre uma espécie de “alavancagem ao contrário”. Se os americanos, por exemplo, pegarem emprestado um valor “X”, eles poderão ter problemas com os juros. Mas se nós brasileiros resolvermos tomar o mesmo “X” que os americanos, seremos esfolados vivos! É aquela velha lógica do “se eles pegam um resfriado, nós morremos de pneumonia”, pois o efeito do endividamento de mesmo valor é muito diferente no brasileiro e em um cidadão de uma economia desenvolvida.
Vendo por esse lado, é questionável se existe mesmo esse tal “espaço” para o endividamento extra. O endividamento das famílias no Brasil pode ser baixo (como de fato é), mas sendo o Brasil um dos países com juros mais altos do mundo, não poderia ser diferente. Se o endividamento do brasileiro subir mais, ele ainda será baixo pelos padrões internacionais, mas as pessoas terão que “vender a própria alma” para dar cabo dos juros. Mais do que nunca as famílias brasileiras devem se preocupar em tomar decisões financeiras sensatas e em manter as contas equilibradas.
*André Massaro é especialista em finanças pessoais
Autor do livro MoneyFit (Matrix Editora)
www.moneyfit.com.br
Twitter: @andremassaro
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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