Xico Graziano
Apagão deu também no programa nacional de biodiesel. Gorou uma invencionice do governo Lula. Por sorte, a lavoura da soja evitou o efeito dominó advindo do fracasso da mamona. Menos mal.
Introduzir óleo vegetal na matriz energética dos transportes espelha uma excelente ideia. A novidade surgiu em 1970, quando a Universidade Federal do Ceará registrou uma patente para fabricação do biodiesel. Ninguém, entretanto, acreditou no processo.
Há apenas cinco anos, com a alta do petróleo, o assunto esquentou. Com o preço do diesel castigando os distantes agricultores de Mato Grosso, alguns produtores começaram a colocar óleo de soja direto no motor de suas máquinas agrícolas. Por incrível que pareça, o trator, mesmo fumaçando branco, andava.
A ousadia espelhava apenas uma angústia. Os motores careciam de alterações técnicas para bem funcionar. E o óleo vegetal precisava ser transformado em biodiesel. Caberia ao governo federal aprontar a nova legislação. Tudo ocorreu rapidamente.
Por meio da transesterificação se modifica óleo vegetal em biodiesel. Consiste numa reação química do óleo de cozinha comum com o etanol (álcool etílico), ou metanol, estimulada por um catalisador. O produto resultante ganha poder de combustão, reduz a viscosidade e libera glicerina, um subproduto valioso no mercado de cosméticos. Vale também para gorduras animais, como sebo de boi.
A legislação, aprovada em 2005, estabeleceu a obrigatoriedade de, a partir de 2008, misturar 2% de biodiesel no óleo combustível derivado do petróleo comercializado no País. Em 2013 tal quesito deverá ser elevado para 5%. De olho no mercado, as empresas fabricantes de motores aceleraram seus investimentos para a adaptação à nova realidade. Tratores ecológicos.
O desafio maior residia na disponibilidade da matéria-prima. Seriam necessários perto de 900 milhões de litros de biodiesel para assegurar a mistura B2 logo em 2008. Mais que dobraria a quantidade para garantir o B5 em 2013. Foi aqui, na equação da oferta de biodiesel, que o governo cometeu seu grande equívoco.
Dezenas de espécies vegetais oleaginosas se propiciam à produção do biodiesel. Destacam-se soja, mamona, dendê, girassol e pinhão manso. Cada qual apresenta vantagens e desvantagens. A soja, por exemplo, vence na escala de produção e na tradição de cultivo. Mas perde no teor de óleo da semente, entre 18% e 20%. Bastante proteica, a soja esmagada gera grande quantidade de farelo, ótimo para ração animal, um estorvo, porém, para uma fábrica de biodiesel.
O girassol apresenta de 40% a 45% de óleo na semente, bem mais que a soja. Inexiste no País, todavia, tradição de plantio de girassol. O pinhão manso, planta com elevado teor de óleo, acima de 50%, virou coqueluche sem que nunca tivesse sido cultivada em escala. O dendê, ou a palma, palmeira de origem africana, oferece excelente óleo a partir de sua polpa. Rivaliza com a soja na produção mundial de óleo, graças aos grandes cultivos na Malásia e na Indonésia. No Brasil, porém, adapta-se somente na região úmida da Amazônia.
Resta a mamona. Resistente, apropriada para solos fracos, seus caroços são conhecidos desde a Antiguidade por causa do óleo de rícino, famoso purgativo na medicina popular. Sua semente traz de 45% a 50% de óleo. No mundo industrial, o óleo de mamona sempre guardou excelente valor como lubrificante, pois mantém boa viscosidade em ampla faixa de temperatura.
Nessa euforbiácea recaiu a aposta do governo para abastecer o mercado de biodiesel. O projeto incluiu uma grande novidade: a mistura da solução energética com a reforma agrária. Festiva solenidade comandada por Miguel Rossetto, então ministro do Desenvolvimento Agrário, lançou no Palácio do Planalto, há quatro anos, a inusitada proposta de grudar o biodiesel nos assentamentos rurais.
Criada para favorecer o negócio, a empresa Brasil Ecodiesel prometia sozinha fornecer 800 milhões de litros do novo combustível, sugado principalmente das terras do Piauí. Dinheiro público bancava o projeto. Tudo parecia uma maravilha. Mas nada deu certo. As lavouras não vingaram, os assentados desistiram, o dinheiro do Pronaf sumiu, a mamona murchou. E a Ecodiesel acaba de falir.
Na bomba do posto, todavia, felizmente o óleo combustível contém a mistura renovável. Mágica? Não, em vez da mamona, a soja garante o biodiesel para a Petrobrás, respondendo por 80% da oferta, seguida do biodiesel de sebo bovino (15%). Para sorte da sociedade e do meio ambiente, a lei se cumpriu.
Avança em todo o mundo a agricultura energética. Na agenda das mudanças climáticas globais, definitivamente a energia renovável se imporá. Que ninguém duvide: os biocombustíveis, tanto quanto a bioeletricidade, ostentarão lugar de destaque na economia verde do futuro. Energia renovável representa um passaporte da sustentabilidade.
Será importante, porque democrático, trazer a massa dos pequenos agricultores a esse decurso virtuoso. As novas tecnologias, amigáveis com a natureza, jamais poderão ser apropriadas apenas pelos ricos e poderosos. Nessa construção da economia de baixo carbono, todavia, inexiste espaço para a demagogia e o amadorismo. Muito menos para qualquer tentativa de sobrepor uma ideologia atrasada sobre o moderno desafio ambiental. Socioambientalismo, sim, manipulação política, não.
O mais curioso dessa história do apagão da mamona se descobre no fisiologismo do poder. O mesmo Rossetto que, naquela época, articulou a festa da Ecodiesel hoje comanda a Petrobrás Biocombustíveis. Não se descobriu ainda se lá está para tentar salvar a cria ou para enterrá-la de vez. Coisas da política.
*Xico Graziano, agrônomo, é secretário do Meio Ambiente
do Estado de São Paulo. E-mail: [email protected]
Site: www.xicograziano.com.br
*** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do GP1
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