A depressão é uma doença que tem surgido cada vez mais e gerado dúvidas nas pessoas. Muitas vezes confundida com uma simples tristeza, ela pode afetar a vida de uma pessoa, de tal forma que pode levar a casos extremos, como o suicídio.
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), cerca de 11 milhões de brasileiros sofrem com o problema. No mundo, estimam-se que 300 milhões de pessoas estão com a doença. Além disso, das 800 mil pessoas que morrem por suicídio a cada ano, a depressão é a segunda principal causa de morte entre pessoas com idade entre 15 e 29 anos. As mulheres são as que mais sofrem com a doença.
- Foto: Lucas Dias/GP1Depressão não é uma simples tristeza e afeta milhares de pessoas
O GP1 conversou com o psicólogo Manoel Cortez, que tirou algumas dúvidas relacionadas a doença, principalmente devido a crença de que é preciso que a pessoa esteja passando por algum problema na sua vida para ter depressão. Diferenciar a depressão de uma simples tristeza é o primeiro passo.
"É preciso saber diferenciar depressão de tristeza. Muita gente acredita que por estar passando por uma condição ruim, por ter perdido alguma coisa, ou por estar chateada por brigas no relacionamento amoroso, precisa de um médico e já se auto diagnostica com depressão, tomando remédios desnecessariamente. A doença ficou um pouco banalizada por causa dos sintomas. É inerente ao ser humano ter momentos tristes, a questão é que muita gente não sabe lidar com essa situação, procurando uma solução imediata. Se alguém contrai uma gripe, corre atrás de remédio. Se está triste e não consegue dormir, toma antidepressivos, o que é muito perigoso. É importante lembrar que tristezas passam, mas a depressão não", explicou.
Os sintomas
São vários os sintomas que não só quem está passando por essa situação, mas até mesmo quem convive com alguém nessa condição, precisa ficar atento.
"Primeiramente o depressivo começa a perder a disposição para fazer qualquer coisa, preferindo ficar isolado. Não quer sair com amigos, fazer as atividades que fazia antes e sofre alteração inclusive no horário do sono: ou passa a dormir muito ou a dormir quase nada. Em alguns casos também ocorre o ganho ou a perda de peso”, afirmou o psicólogo ao GP1.
A doença afeta o sistema fisiológico da pessoa, ao ponto do hormônio da felicidade chegar a 0. "Esse hormônio explode quando a gente faz o que gosta, quando vemos a pessoa amada, quando passamos por momentos bons. Quando esse nível cai, a pessoa não vê mais as cores como a gente vê, não sente a comida com o mesmo sabor, não tem mais prazer em estar com os amigos. Qualquer coisa que antes trazia alegria, agora não faz o menor sentido. As pessoas sentem falta, começam a cobrar, acham que é frescura ou preguiça, mas o cérebro do depressivo passa a funcionar de outra maneira. Não é falta de esforço, é doença mesmo"
Como surge a depressão
O psicólogo explicou que existem duas formas de ficar com a depressão. Na depressão conhecida como endógena a pessoa já nasce com uma predisposição a ter essa doença. “Na endógena a pessoa já nasceu com aquilo, onde o cérebro tem alguma predisposição em algum momento da vida a ter todo esse mal funcionamento neurológico. Os neurotransmissores, tudo que passa na nossa cabeça, seja para julgamentos, para racionalizar e pensar, ele de repente perde essa capacidade e a pessoa começa a ter esses traços depressivos. O ativador, poder ser exatamente alguém muito próximo, uma figura importante para essa pessoa”, explicou.
- Foto: Hélio Alef/GP1Manoel Cortez
Já a segunda forma, é conhecida como depressão exógena. Nela a pessoa é afetada por fatores externos, que vão criando um conceito na mente da pessoa. “Tudo que a pessoa ouve fica marcada, é aí que a gente descobre o poder da palavra. Por exemplo, a criança, quando está em casa e derruba algo, a figura importante para ela, seja o pai ou a mãe, fala algo do tipo ‘você só atrapalha’ ou ‘você não faz nada de certo, isso acaba afetando a pessoa. Claro que só isso não vai interferir naquele momento, mas pode acontecer mais na frente. A pessoa passa a criar conceitos da vida dela sem nem ela perceber. Fazer comparativos do tipo ‘porque você não é igual ao seu irmão?’, são coisas que vão ter impacto mais na frente e vão enraizar conceitos dentro dessa pessoa”, disse Manoel Cortez.
O psicólogo deu como exemplo uma paciente que atendeu, onde as várias situações da vida que ela passou, fizeram com que ela tivesse depressão.
“Um exemplo que eu tenho é de um caso que atendi, é de uma moça que se desvalorizava sobre tudo. Isso começou quando ela era criança. Os pais dela se separaram, mas estavam preocupados em contar para ela, com medo dela não entender. Só que criança entende sim. Para compensar o divórcio, o pai começou a dar presentes, começaram a viajar, só coisas boas. Daí subitamente ele saiu da vida dela. Além disso, quando ela era adolescente, ela teve um namorado, que era ótimo e traiu ela, que foi outra situação que a afetou. Já mãe tinha um certo discurso, dizendo que ela não ajudava em casa, que só atrapalhava, que não devia ter nascido. Quando ela chegava para alguém, tudo enquanto ela falava, dava a entender que ela atrapalhava o que os outros faziam. Como se o outro fosse mais importante que ela. Ela ainda achava que quando alguém era bom para ela, que iria abandoná-la. Ela não achava que era boa para ser amada. Essa crença começa a construir essa falta de propósito dela no nosso mundo. A crença de que ela não é uma pessoa digna de ser amada e é a dor que ela carrega todo dia”, afirmou.
Suicídio
A depressão passa por três etapas: a leve, a moderada e a grave. No leve, a pessoa apresenta os sintomas de forma mais amena e só a terapia pode resolver, já no moderado e o grave, a pessoa não sai mais de casa, está apática, não consegue fazer mais nada.
O suicídio normalmente é quando a pessoa está na etapa mais grave da doença. “Cerca de 90% das vezes que a pessoa consegue chegar ao estágio grave da depressão, ela tenta o suicídio. Não para tirar a própria vida, mas para acabar com a dor que ela sente. Quer acabar com a dor que é incessante, que ela não é uma boa pessoa, que não merece estar viva, ela não tem propósito, ela não sente nada, se sente como um peso para a sociedade. É o momento mais grave, pois para trazer essa pessoa de volta a sociedade, é um trabalho árduo”, pontuou.
Manoel Cortez explicou que “"nós temos o que chamamos de pulsão de vida, por exemplo, quando alguém está se afogando começa a se debater porque quer sobreviver. Existe algo muito forte em querermos sobreviver. Porém, quando alguém chega ao ponto de tirar a própria vida, acima da racionalidade dessa pulsão, o sofrimento é enorme! Quando dizem que ela só quer chamar a atenção, é uma situação muito prejudicial".
- Foto: Hélio Alef/GP1Manoel Cortez
Tratamento
O tratamento é longo e deve ser de forma correta. São necessários vários profissionais, como um psicólogo, um psiquiatra, um nutricionista e até um profissional da área esportiva.
“Não tem um prazo específico. Em algumas pessoas pode demorar anos. Só com o medicamento, para começar efeito, demora um mês. É um progresso lento, é um processo em que tem que ter paciência. Isso demora porque aquela pessoa está no fundo do poço. Imagina só, se uma pessoa viveu 20 anos acreditando que não merece estar viva. Como é que eu vou descontruir 20 anos em três meses? Não adianta forçar uma melhora, pois ela pode voltar ao processo inicial. É precisa de uma equipe, com o psicólogo e psiquiatra, alguém na área de esportes que entenda como funciona, e um nutricionista, pois a comida interfere no humor”, destacou.
Como é um processo lento, é preciso ter paciência e acreditar que vai dar certo. “A pessoa com depressão ela tem recaídas e essa é a parte mais problemática. Faz parte de ter uma oscilação, uma hora tá melhor, outra hora tá pior, e aí a pessoa fica achando que não tá dando resultado. Muitos querem resultado na hora, mas é todo um tratamento. A depressão é uma doença que precisa de tratamento e acompanhamento, que pode durar anos. A pessoa ainda pode voltar a ter depois. A endógena é mais recorrente. Já na exógena a pessoa pode sim ter uma recaída, principalmente se ocorrerem situações que levem a isso, como perder a mãe, perder o emprego, isso pode voltar. Então a pessoa precisa aprender a conviver, precisa lidar com isso, e é nisso que a terapia age. Ás vezes a pessoa mascara o que está sentido, ela precisa dizer que precisa de ajuda. Esse é o primeiro passo”, declarou o psicólogo Manoel Cortez.
Como ajudar
A depressão é difícil até mesmo para quem convive com uma pessoa nessa situação. O psicólogo explicou que é preciso de muita paciência para poder ajudar quem tem essa doença.
"Não adianta dizer para um depressivo que tudo vai ficar bem, o ideal é dizer que você está ali para ajudá-la e para estar com ela inclusive em situações simples como ir ao supermercado. Não faça as coisas por ela, para que ela não se acomode e não se esforce em melhorar. É comum ver pessoas que não querem trabalhar ou conviver com depressivos, porque o discurso negativo suga a energia de quem está ouvindo e tira a vontade de ajudar. Então, como se comportar nesse caso? Mostre que está presente e disponível para ajudar. Diga coisas como 'estou lendo um livro agora, mas pode mandar mensagem ou ligar que eu vou até você' por exemplo. É errado dar sermão ou menosprezar a dor do outro, sobretudo quando a pessoa com depressão resolve se abrir. Não diga coisas como 'ah, mas você tem todos os membros do corpo' ou 'você não tem contas pra pagar', porque indiretamente você está dizendo que o sofrimento daquela pessoa é pouco ou irrelevante. É mais importante o papel de escuta do que o de fala", finalizou.
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