Fechar
GP1

Política

Nova lei de improbidade em discussão na Câmara pode beneficiar políticos

Deputados discutem restringir a aplicação dessa legislação apenas a casos em que há vontade deliberada para enriquecimento ilícito e causar prejuízo ao erário.

Há quase 30 anos, a lei de improbidade administrativa é uma fonte de preocupação permanente para agentes públicos que usam os cargos para aumentar seus patrimônios, beneficiar parentes e amigos ou desperdiçar recursos públicos. Agora, a Câmara discute restringir a aplicação dessa legislação apenas a casos em que há vontade deliberada para enriquecimento ilícito e causar prejuízo ao erário.

A iniciativa deixa em alerta órgãos de fiscalização, que apontam dificuldades para comprovação de dolo - a intenção dos gestores em cometer irregularidade - e veem “um oceano de condutas graves” ficando isentas. Criada em 1992 para combater a sensação de impunidade, em meio ao impeachment do ex-presidente Fernando Collor de Mello, a mudança gestada no Congresso tem sido considerada um grande retrocesso no combate à corrupção.


A lei em vigor define como condutas que configuram improbidade administrativa: enriquecimento ilícito (art. 9), atos que causem prejuízo ao erário (art. 10) e atos que violem os princípios da administração pública (art. 11). A proposta mais recente em discussão pelos deputados acaba com este último item, sobre as violações, o que abre brecha para deixar sem punição práticas como nepotismo, "carteirada", não prestação de contas e até casos de “fura-fila” da vacinação contra a covid-19.

O artigo 11, que versa sobre princípios nos quais gestores devem pautar a atuação - legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência e probidade - está no centro da polêmica. Os conceitos são abrangentes e são usados para processar gestores por uma série de condutas.

Segundo o entendimento dos que defendem a mudança na legislação, é preciso evitar casos como a cassação ou a perda de direito político de um prefeito até mesmo pelo fato de prestar contas fora do prazo.

Entenda como a mudança pode aliviar punições a políticos

Conduta inadequada: Prestação de contas não apresentada

O que a lei prevê hoje: A prática é tipificada como violação dos princípios da administração pública, conforme o artigo 11 da lei. A punição varia conforme a gravidade de cada caso, mas pode acarretar em suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos, pagamento de multa, proibição de contratar com o poder público e até perda do cargo. Um ex-prefeito de Juazeiro (BA), por exemplo, foi condenado à suspensão de direitos políticos e multa, em 2019, por não prestar contas de recurso federal recebido para ações de assistência social.

A nova proposta: Com o fim do artigo 11, o das violações de princípios, o descumprimento de prazos de prestação de contas, quando não envolve enriquecimento ilícito ou prejuízo ao erário, não é atingido pela lei de improbidade. Assim, políticos que ignorarem prestar contas de seus atos e de como aplicam recursos públicos recebidos, por exemplo, podem ficar sem sanções por improbidade.

Conduta inadequada: Nepotismo

O que a lei prevê hoje: Permite que a conduta seja enquadrada como violação de princípio da administração pública, por conflito com a necessidade de impessoalidade nos atos. Nesses casos, o Ministério Público costuma recomendar sanções como pagamento de multa, suspensão de direitos políticos, pagamento de multa e suspensão dos direitos políticos.

A nova proposta: O líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR), é a favor de liberar a contratação de familiares por gestores. A menos que o parente contratado não seja um "funcionário fantasma", que não apareça para trabalhar, não haveria o que se falar em prejuízo ao erário ou enriquecimento ilícito. A prática, portanto, deixaria de ser coibida pela lei de improbidade. Com isso, gestores poderiam empregar parentes em cargos de livre indicação sem qualquer sanção.

Conduta inadequada: Desrespeito à Lei de Acesso à Informação (LAI)

O que a lei prevê hoje: O Ministério Público costuma fazer recomendações administrativas e propor Termos de Ajustamento de Conduta a gestores que descumprem esta lei. Para além disso, a não disponibilização de informações que devem ser públicas aos cidadãos também pode ser classificado como ato de improbidade porque fere o princípio da publicidade na administração pública.

A nova proposta: Sem que haja prejuízo ao erário ao não prestar informações, os órgãos de fiscalização ficam impedidos de classificar o descumprimento da LAI como ato de improbidade administrativa. O desrespeito ao princípio da transparência não seria punido como ato de improbidade.

Conduta inadequada: A “carteirada” de agente público

O que diz a lei hoje: Além das sanções previstas por abuso de autoridade, a prática é enquadrada como ato de improbidade administrativa porque também diz respeito à violação de princípios da administração pública. Nos casos que leva à Justiça, o Ministério Público costuma pedir a perda do cargo ou suspensão de direitos políticos. A medida não atinge somente políticos, mas agentes públicos em geral, como policiais. As sanções sempre variam de caso a caso e conforme a gravidade.

A nova proposta: Com a revogação do dispositivo da violação dos princípios da administração pública, sem prejuízo ao erário e sem enriquecimento ilícito, não haverá o que se falar em punição por ato de improbidade no caso de carteiradas.

Conduta inadequada: “Fura-fila” da vacina

O que diz a lei hoje: Entre os princípios da administração pública estão a moralidade e a impessoalidade. Quando um agente público permite que a fila prioritária da vacinação contra a covid-19 seja furada em benefício próprio ou de terceiros, há quebra desses conceitos. Em uma das primeiras ações de improbidade por “fura-fila”, contra o prefeito de Candiba (BA), o Ministério Público pede a indisponibilidade dos bens do gestor para pagamento de multa de R$ 145 mil.

A nova proposta: Para que haja algum processo por ato de improbidade, o Ministério Público precisará provar que o desrespeito à fila causou prejuízo ao erário por deliberada intenção do gestor. Terá que demonstrar, por exemplo, que um prefeito, ao furar a fila, lesou o erário ao usar uma vacina para ele mesmo. Caso contrário, não haverá qualquer sanção por ato de improbidade.

Conduta inadequada: Fraude em licitação

O que diz a lei hoje: Os artigos 9 e 10 da lei tipificam como improbidade o enriquecimento ilícito e o prejuízo ao erário. Hoje, as condutas passíveis de abertura de ação de improbidade podem ser dolosas - intencionais - ou culposas - não intencionais. A depender da gravidade do caso, as punições sugeridas pelo Ministério Público podem ser de ressarcimento integral do dano, multa, suspensão dos direitos políticos por até dez anos e perda do cargo.

A nova proposta: Será preciso confirmar que houve dolo, ou seja, a intenção de fraudar o processo de licitação. As condutas culposas, quando há um erro não intencional ou uma omissão, deixam de ser penalizadas. Membros do Ministério Público temem que a restrição abra brechas para a impunidade. Há, ainda, outros aspectos polêmicos no texto mais recente em discussão. Se um prefeito é condenado à perda do cargo, e a condenação surge quando ele já ocupa um cargo de deputado, por exemplo, não terá de deixar a função. Com a legislação em vigor hoje, ele perde qualquer posto público que esteja ocupando no momento em que é considerado culpado. A proposta também encurta prazos de prescrição e impõe limite a situações em que um juiz pode decretar bloqueio de bens.

Mais conteúdo sobre:

Ver todos os comentários   | 0 |

Facebook
 
© 2007-2024 GP1 - Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita do GP1.