O ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, disse nesta terça-feira (22) que é necessário “independência” na investigação, determinada pela ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) Cármen Lúcia, sobre a suspeita de utilização da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na elaboração das estratégias de defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro.
A ordem da ministra Cármen Lúcia foi dada após a advogada Luciana Pires, da defesa do senador, ter dito à revista Época que recebeu instruções do diretor da Abin, Alexandre Ramagem, sobre como agir para inocentar o filho do presidente no caso das rachadinhas no gabinete que Flávio ocupou enquanto deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.
Após chefiar a equipe de segurança da campanha de Jair Bolsonaro à Presidência da República, em 2018, Ramagem ganhou intimidade com os filhos do presidente, com quem costuma confraternizar. Ele foi pivô da crise que culminou com a saída de Sérgio Moro do Ministério da Justiça. Bolsonaro queria emplacar Ramagem no comando da PF, o que o ex-juiz da Lava Jato considerou uma interferência para influenciar nas investigações contra os filhos do presidente. Uma decisão do ministro Alexandre de Moraes, no entanto, suspendeu a nomeação de Ramagem para a PF.
Ao cobrar uma investigação sobre a Abin, a ministra Cármen Lúcia citou possíveis crimes — prevaricação, advocacia administrativa, violação de sigilo funcional, além de crime de responsabilidade e improbidade administrativa — e fixou um prazo de 30 dias à Procuradoria-Geral da República (PGR) para informar as medidas tomadas no caso.
André Mendonça foi questionado pelo Estadão sobre as acusações contra a Abin após um evento de balanço da atuação do Ministério da Justiça no ano de 2020.
“Eu acho que é uma investigação que deve seguir com independência por parte das instituições correspondentes, sendo acompanhadas pela ministra relatora (Cármen Lúcia), conduzida pela Procuradoria-Geral da República”, disse o ministro. “E no âmbito da investigação, essas duas instituições, Poder Judiciário e o Ministério Público Federal, também demandando e cobrando a investigação efetiva por parte da Polícia Federal, de forma independente, por parte de todas as instituições”, disse.
O ministro não comentou se considera preocupante o possível uso de órgãos de governo para favorecer interesses do filho do presidente. Antes dele, na segunda-feira passada, o procurador-geral, Augusto Aras, havia afirmado que são graves os fatos narrados em reportagens sobre uso da Abin, mas observou que faltavam provas.
A decisão da ministra Cármen Lúcia veio após a afirmação de Aras e foi interpretada no Supremo e na PGR como uma forma de pressionar e até constranger o procurador-geral da República a apurar o caso.
“Não se pode desconhecer a seriedade do quadro”, disse a ministra Cármen Lúcia ao cobrar uma investigação da PGR. “Os fatos descritos precisam ser investigados e sobre eles há de exigir conclusão dos órgãos competentes em sede jurídica própria. Podem estar presentes, como parece ao menos em tese, indícios que podem indicar prática de delito praticado por autoridade com foro por prerrogativa de função, pelo que o encaminhamento dos documentos trazidos aos autos à Procuradoria-Geral da República é medida que se impõe para a adequada e célere apuração dos fatos expostos e conclusão”, escreveu.
A defesa de Flávio recorreu ao governo para tentar obter subsídios que provariam uma suposta irregularidade de servidores da Receita na obtenção de dados do filho do presidente, e, assim, invalidar as provas. Como o Estadão revelou em 2018, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou movimentações milionárias atípicas em contas do ex-policial militar Fabrício Queiroz, pivô do esquema de rachadinhas no gabinete de Flávio quando era deputado estadual.
Com objetivo de provar essa narrativa, houve uma reunião prévia, em agosto, entre defensores do senador e o diretor-geral da Abin, o delegado da Polícia Federal Alexandre Ramagem, e o ministro Augusto Heleno, chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), pasta da Presidência ao qual a agência é vinculada. O encontro ocorreu no Palácio do Planalto. A troca de mensagens com aconselhamento seria então um desdobramento daquela reunião.
Em dois textos enviados à advogada Luciana Pires, há detalhes do funcionamento de suposta organização criminosa na Receita Federal que, segundo a defesa do senador, teria feito uma devassa nos dados fiscais do filho do presidente. Em um dos documentos, a finalidade descrita é ‘Defender FB no caso Alerj’.
O filho do presidente é investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro sob suspeita de comandar um esquema que desviava salários de funcionários do seu gabinete no período em que era deputado estadual – a chamada “rachadinha”. Flávio nega irregularidades.
Em nota oficial do dia 11 de dezembro, o GSI disse que “não realizou qualquer ação decorrente, por entender que, dentro das suas atribuições legais, não lhe competia qualquer providência a respeito do tema”. A linha do GSI vai exatamente em cima do fato de a orientação dada à defesa não ter sido um documento formal da agência. “As acusações são desprovidas de veracidade, se valem de falsas narrativas e abordam supostos documentos, que não foram produzidos pela agência”, afirma a pasta.
Após Cármen cobrar informações, a Abin alegou ao Supremo que não existe “relatório produzido institucionalmente” pela agência a favor de Flávio Bolsonaro. “Há que se esclarecer, pelos órgãos competentes, se ‘não institucionalmente’ também não foi produzido algum documento daquela natureza e quais os interesses e interessados”, ressaltou a ministra.
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