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Mais 150 mil pessoas fugiram da guerra na Ucrânia nas últimas 24 horas

'Estamos observando o que pode se tornar a maior crise de refugiados da Europa', disse diretor da Acnur.

Cerca de 680 mil pessoas, a maioria mulheres e crianças, fugiram da Ucrânia desde o início da invasão russa ao país, de acordo com informações divulgadas nesta terça-feira pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur).

Além dos refugiados, há estimadas 160 mil pessoas deslocadas internamente em território ucraniano.


A agência da ONU projeta que o número de pessoas carentes de algum tipo de assistência atravessando para os países vizinhos possa chegar, em algum momento, a quatro milhões.

“Estamos observando o que pode se tornar a maior crise de refugiados da Europa neste século”, disse o diretor da Acnur, Filippo Grandi.

Segundo Grandi, nas últimas 24 horas, mais de 150 mil pessoas fugiram do país, o que fez o total até agora superar mais de 677 mil, uma tendência que descreveu como "extremamente preocupante". A Ucrânia tem 44 milhões de habitantes.

Para atender a crise humanitária desatada pela ofensiva de Moscou, a ONU está pedindo doações no total de US$ 1,7 bilhão. O secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que os fundos serão destinados ao fornecimento de abrigo, assistência médica e água potável.

“Devemos ajudar os ucranianos a se ajudarem neste momento terrível”, disse Guterres em um vídeo divulgado pouco depois de as agências da ONU divulgarem um novo pedido de ajuda.

“A crise ficou muito feia muito rapidamente”, complementou Martin Griffiths, chefe de assistência da ONU, em entrevista coletiva em Genebra. “Devemos transformar esse choque inicial e descrença e incerteza em compaixão e solidariedade com os milhões de ucranianos que agora precisam de ajuda de emergência.”

A União Europeia (UE) se prepara para receber "milhões" de refugiados, disse a comissária de Assuntos Internos da UE, Ylva Johansson. Segundo ela, é difícil estimar com precisão quantos refugiados podem atravessar as fronteiras em direção à UE.

“Ao mesmo tempo [que há os refugiados], temos enormes e urgentes necessidades humanitárias na Ucrânia, muitas pessoas deslocadas internamente”, disse Johansson em entrevista coletiva na capital eslovaca Bratislava.

Muitos dos que fugiram tiveram de enfrentar longas jornadas até Polônia, Hungria, Eslováquia e Romênia, países da UE que fazem fronteira com a Ucrânia e, na chegada, precisaram esperar em longas filas nos pontos de passagem.

Entre eles estão muitas mulheres que deixaram para trás pais e maridos, impedidos de sair da Ucrânia para combater a invasão russa.

Na fronteira húngara de Tiszabecs, uma jovem mãe embalava um bebê nos braços enquanto contava, junto com seu filho adolescente, ter visto foguetes cruzarem o ar antes de dirigirem por quatro dias desde a capital, Kiev. “Vi guerra, vi mísseis”, disse Ivan, de 15 anos, exausto após a viagem.

A família, cujo pai ficou para trás para lutar, viajou em dois carros levando as três irmãs de Ivan, duas tias e a avó.

'Tudo dói agora'

A Polônia, para onde cruzam diariamente 50 mil ucranianos, já totaliza ao menos 377.400 refugiados desde o início da invasão russa.

Na travessia de Medika, a mais movimentada do país ao longo de sua fronteira de cerca de 500 km com a Ucrânia, grupos se amontoavam em torno de uma fogueira enquanto esperavam os ônibus para os centros de recepção. Garrafas, roupas e outros itens descartados se espalhavam pela estrada.

Na travessia estava o guineense Ibrahima Sory Keita, que chegara a Melitopol havia três semanas para iniciar os estudos. Keita e alguns amigos correram para a fronteira quando os combates começaram, percorrendo a pé os últimos 45 quilômetros finais do trajeto.

“Tudo dói agora”, disse, depois de cruzar a fronteira. “Não tive a chance de me deitar por quatro dias. Estou tremendo de frio e preciso dormir em um lugar quente.”

Cidades de toda Ucrânia abrigam dezenas de milhares de estudantes africanos que estudam medicina, engenharia e assuntos militares. Milhares de estudantes indianos também tentam fugir.

De acordo com o jornal The New York Times, africanos que viviam na Ucrânia relatam ter ficado presos por dias antes de conseguir chegar aos países vizinhos da UE.

Aglomerados no frio, sem comida ou abrigo, eles contam que autoridades locais os empurraram para o fim de longas filas e até os espancaram, enquanto priorizavam a fuga dos ucranianos.

Chineye Mbagwu, uma médica nigeriana de 24 anos que morava na cidade ucraniana de Ivano-Frankivsk, passou mais de dois dias sem conseguir sair da cidade de Medyka, na divisa com a Polônia.

“Os guardas de fronteira ucranianos não nos deixavam passar”, disse em entrevista ao jornal americano. “Eles espancavam as pessoas com paus e arrancavam suas jaquetas. Eles batiam e as empurravam para o final da fila. Foi terrível.”

Ahmed Habboubi, um estudante de medicina franco-tunisiano de 22 anos, disse que todos os estrangeiros, incluindo africanos, israelenses, canadenses e americanos, foram instruídos a ir para um portão na travessia de Medyka, da Ucrânia para a Polônia, que liberava apenas quatro pessoas a cada duas horas, enquanto os ucranianos podiam passar livremente por outro portão.

“O Exército ucraniano me bateu tanto que não conseguia andar direito”, disse em entrevista por telefone. “Foi um caos absoluto. Fomos tratados como animais. Ainda há milhares de pessoas presas lá. Quando finalmente consegui entrar na Polônia, as autoridades polonesas me levaram direto para o hospital.”

A União Africana e o presidente Muhammadu Buhari, da Nigéria, condenaram o tratamento dado aos africanos que tentam fugir da Ucrânia.

“Relatos de que os africanos são selecionados como alvo de um inaceitável tratamento desigual seriam chocantemente racistas” e violam o direito internacional, disse a União Africana em nota.

O vice-ministro do Interior da Ucrânia, Anton Heraschenko, negou que seu país estivesse impedindo a saída de estrangeiros.

“Tudo é simples. Primeiro liberamos mulheres e crianças. Homens estrangeiros devem esperar que mulheres e crianças se apresentem. Vamos liberar todos os estrangeiros sem impedimentos”, afirmou em resposta por escrito às perguntas do jornal americano. “O mesmo vale para os negros.”

Nem todos os estrangeiros relataram maus-tratos por parte das autoridades ucranianas nas passagens de fronteira.

Um estudante paquistanês e um cidadão afegão que cruzaram da Ucrânia para a Polônia no sábado disseram que o único problema foram as filas muito longas. E um grupo de trabalhadores vietnamitas cruzou facilmente para a Moldávia na segunda-feira.

Mohammed Saadaoui, um estudante de farmácia marroquino de 23 anos que viajou da cidade ucraniana de Odessa para Varsóvia, disse que não teve nenhum problema.

“Mas levamos muito tempo para encontrar uma passagem de fronteira onde não houvesse muitas pessoas”, disse. “Lá, fomos tratados da mesma forma que os ucranianos.”

Em Budapeste, um ucraniano recém-chegado encontrou-se com trabalhadores voluntários preocupados com seus filhos que ficaram em Kiev.

“Acho que esta guerra vai demorar muito tempo”, afirmou Amir, que preferiu não dizer seu sobrenome. “Deixei minha casa, meu carro, tudo o que ganhei na minha vida, deixei tudo. Não temos nada agora.”

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