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Joe Biden quer uma política externa que ganhe o século 21

Presidente disse que quer mostrar que os EUA voltaram e estão aqui para ficar.

Em seu primeiro discurso a uma sessão conjunta do Congresso, marcando seus primeiros 100 dias no cargo, o presidente Joe Biden anunciou seu objetivo de “ganhar o século 21”. Ele falou a um país que “encarou um abismo de autocracia e insurreição, pandemia e dor”, mas agora já está a caminho da renovação e do crescimento.

Biden apregoou suas ambiciosas propostas que envolvem o multitrilionário pacote de estímulos que pretende reformar dramaticamente a economia dos EUA com investimentos em emprego, infraestrutura e uma rede de assistência social mais abrangente. “Temos de mostrar não somente que estamos de volta, mas que chegamos para ficar”, afirmou.


Biden definiu a necessidade dessas transformações não somente em termos domésticos, mas como uma base para a política externa americana. O presidente chinês, Xi Jinping, afirmou Biden, é “totalmente franco a respeito de (a China) se tornar o país mais importante e influente do mundo”, e os adversários dos EUA veem a polarização política no país e suas desigualdades sociais como “prova do ocaso da democracia americana”. “Temos de provar que a democracia ainda funciona, que nosso governo ainda funciona – e tem capacidade de atender o povo.”

Mesmo que a política externa possua um papel secundário em relação à sua agenda doméstica, o governo Biden se ocupou bastante com assuntos internacionais nesses primeiros três meses. Assim que assumiu o cargo, Biden iniciou uma série de manobras destinadas a reverter o legado de nacionalismo agressivo deixado pelo ex-presidente Donald Trump. Biden restaurou a participação dos EUA no Acordo de Paris a respeito do clima e na Organização Mundial da Saúde, ao mesmo tempo que trabalhou para recuperar o despedaçado pacto nuclear com o Irã. Biden comandou uma importante cúpula climática internacional, que talvez seja o maior indicativo do vigor renovado da liderança americana na arena internacional prometido por ele.

“Eu queria que o mundo visse que o consenso de que estamos vivendo um ponto de inflexão na história é real”, afirmou Biden. “E o consenso é: se agirmos, somos capazes de salvar o planeta – e somos capazes de criar milhões de empregos, crescimento econômico e oportunidades para elevar o padrão de vida de todas as pessoas do mundo.”

Biden também enfatizou seu compromisso de renovar alianças abaladas por Trump. “Não estaremos mais sozinhos – avançaremos com nossos aliados”, afirmou Biden na quarta-feira. “Nenhum país é capaz de lidar sozinho com todas as crises do nosso tempo – do terrorismo à proliferação nuclear, da migração em massa à cibersegurança, às mudanças climáticas – e, conforme experimentamos neste momento, pandemias.”

Alguns dos aliados tradicionais dos EUA já estão respirando aliviados. “Sentimos a mudança na atmosfera desde o primeiro dia”, afirmou um diplomata da União Europeia à CNN. “Tentar fazer com que (o ex-secretário de Estado Mike) Pompeo comparecesse a reuniões com chanceleres da UE ou que o círculo próximo a Trump coordenasse ações de política externa era muito difícil. Mas, desde que assumiu, o governo Biden conversa com diplomatas quase que diariamente.”

É claro que ainda é cedo. Numerosos cargos em agências incumbidas de trabalhar a política externa americana ainda não foram preenchidos. Biden ainda está, em certo nível, revertendo os efeitos dos últimos 100 dias de Trump – incluindo uma série de medidas punitivas contra Irã e Cuba, que tiveram o objetivo de complicar as coisas para o governo seguinte – ainda que tente estabelecer novos precedentes.

“Os primeiros 100 dias do presidente Biden em relação à política externa trataram mais de desfazer do que fazer – arrumando a bagunça que herdou, mas ainda sem construir uma nova estratégia”, escreveu o colunista David Ignatius, do Washington Post, que vê o presidente tomando um curso moderado, ciente dos “limites do poder americano”, mas também afinando as melhores maneiras de formular sua política externa.

Críticos à direita atacaram Biden e seus aliados do Partido Democrata com um roteiro conhecido, acusando-os de fraqueza em relação ao Irã, pensamentos fantásticos em relação à defesa do meio ambiente e condescendência com adversários de longa data.

Críticos à esquerda, por sua vez, têm suas insatisfações. Querem ver medidas mais duras contra regimes que afrontam os direitos humanos, fiscalização mais estrita a respeito de onde os EUA vendem suas armas e o fim da retórica de uma nova “Guerra Fria” com a China. Em algumas dessas frentes, Biden demonstrou algum grau de continuidade em relação ao governo Trump, o que causa desconforto entre os democratas mais à esquerda.

“Biden e um experiente grupo de assessores de política externa – a maioria deles antigos companheiros da época do governo Obama – se empenham em reformular políticas de Trump que contêm parte do seu foco populista na defesa do emprego nos EUA e também algumas tarifas protecionistas de comércio exterior”, escreveu minha colega Anne Gearan, acrescentando que “a agenda internacional de Biden se pauta pela cautela na maioria das áreas e na preservação do poder dos EUA nas áreas prioritárias”.

O meio ambiente ocupa o topo dessa lista, mas a China também. Biden ligou a retirada do Afeganistão a uma necessidade dos EUA de realocar recursos estratégicos mais ao leste. Analistas veem seu governo recuperando um bastão abandonado pelo predecessor. “Nos primeiros 100 dias, a ênfase foi no confronto, com a competição também em proeminência”, notou David Dollar, da Brookings Institution. “Há poucos indícios de cooperação, exceto pela participação de Xi Jinping na conferência virtual de Biden a respeito do clima.”

Autoridades do governo Biden ressaltam que, em um rompimento com o errático unilateralismo de Trump, elas estão trabalhando para reunir o máximo de aliados possível para afrontar a China de maneira mais ampla. O primeiro-ministro japonês, Yoshihide Suga, foi o primeiro líder estrangeiro a se encontrar com Biden cara a cara na Casa Branca. Funcionários do governo já visitaram Nova Délhi, Tóquio e Seul.

Mas é na Ásia, também, que o governo Biden possivelmente enfrenta seus maiores desafios imediatos de política externa. A explosão sem precedentes de casos de coronavírus na Índia evidenciou uma incômoda lentidão dos EUA em conseguir proteger outras partes do mundo após vacinar a própria população. E a violenta junta militar golpista que tomou Mianmar continua desafiando explicitamente um governo americano que busca defender de maneira ostensiva os direitos humanos e a democracia.

“O sucesso do Departamento de Estado de Biden dependerá do sucesso de seu multilateralismo, pois uma presença mais expressiva dos aliados foi anunciada na campanha como uma diferença entre este governo e o de Trump”, afirmou ao Today’s WorldView o analista Rui Zhong, do Wilson Center, especializado em China. “Na Ásia, a crise de covid na Índia e os golpes em Mianmar serão os maiores testes. A maneira como o governo lidará com esses problemas regionais será acompanhada de perto pela China, porque os resultados influenciarão indiretamente a autoimagem dos EUA enquanto agente estabilizador na Ásia.”

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