A cidade de Pedreiras, distante cerca de 277 km de São Luís, recebeu um título inusitado: o de "cidade mais banguela" do Brasil. O que pode soar como incomum ou engraçado, na verdade, é a ponta do iceberg de um esquema de fraudes, que foi patrocinado com dinheiro público, por meio de desvio de verbas da saúde pública do estado do Maranhão.
A informação foi públicada pela renomada Revista Piauí, em que o jornalista Breno Pires expõe o modus operandi do esquema ilícito. O município de 39 mil habitantes, informou ao Sistema Único de Saúde (SUS) que em 2021, realizou 540,6 mil exodontias, procedimento que consiste no procedimento de extração dentária. Contudo, para chegar a esse número exorbitante, cada morador de Pedreiras teria que ter arrancado 14 dentes, quantidade quatro vezes maior do que as exodontias realizadas na metrópole São Paulo, por exemplo. Essa estatística rendeu à cidade o título inusitado.
O coordenador de Saúde Bucal de Pedreiras, Michel Sousa, contou que há vinte equipes de dentistas atuando na cidade e nos postos de saúde na zona rural, além de seis dentistas no Centro de Especialidades Odontológicas. Porém, Sousa estimou que a média de extrações dentárias é de 200 por mês. Pelos números referentes a Pedreiras, só nos quatro meses deste ano a média já bateu em 55 mil extrações mensais.
A prefeita de Pedreiras, Vanessa Maia (Solidariedade), manifestou-se sobre o caso por meio da divulgação de uma nota de esclarecimento. No documento, ela afirmou que os números não foram inflados, que ocorreu apenas um erro de digitação na momento em que os dados foram repassados ao SUS.
Entenda
A situação em Pedreiras ilustra o esquema de fraudes que ocorre em diversas cidades espalhadas pelo Brasil. Segundo a Revista Piauí, cruzando dados dos relatórios de atendimentos médicos no SUS, foi encontrado a explicação para a estatística alarmante: as prefeituras falsificam informações ao Sistema Único de Saúde (SUS) para inflar seu teto orçamentário, e, então, os parlamentares destinam verbas no volume inflado e o município recebe altos valores.
Inclusive, uma parte dessas verbas, que em alguns casos pode chegar a até 30% do total dos recursos enviados às prefeituras, torna-se o que se chama de “volta”, que representa a quantia de dinheiro que a prefeitura devolve ao parlamentar que assinou a emenda beneficiando o município. É uma propina paga com verba da saúde.
“Ninguém fala porque é preciso ter provas concretas, mas a ‘volta’ é voz corrente no Congresso”, confirmou um deputado de identidade não revelada à reportagem. Ele apontou ainda que, as vezes, a volta faz parte do acordo desde o início. Outras vezes, a cobrança chega sem aviso prévio, na base da extorsão.
Com dados tão inflados, as cidades do Maranhão, sozinhas, estão recebendo mais recursos para a saúde do que o destinado a outras unidades da federação. O município de Bacabal, por exemplo, tem em torno de 105 mil habitantes, e ficou com 13 milhões de reais em 2021, superando os 12,8 milhões de reais destinados ao Distrito Federal, cuja população passa de 3 milhões de pessoas.
Posicionamento do Ministério da Saúde
Por fim, a revista procurou o Ministério da Saúde, que manifestou-se em comunicado enviado à revista, em que explicou o que são os recursos MAC [ Média e Alta Complexidade], como as verbas são transferidas e como são definidos os limites. E completou: “em 2021, durante um levantamento por amostragem da produção de serviços ambulatoriais […] foram identificados alguns municípios com crescimento excessivo no registro de dados relativos à assistência ambulatorial, em um determinado período. As informações coletadas são avaliadas pela Auditoria-Geral do SUS para realização de auditoria”, pontuou.
Entretanto, a revista apurou que nenhuma auditoria foi aberta até agora e voltou a acionar o Ministério. Dois dias depois, a assessoria mandou uma nova nota dizendo que “o processo para auditoria sobre os dados dos municípios em questão será iniciado nos próximos dias”.
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