O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, entra fortalecido no final de seu mandato após a decisão unânime do Comitê de Política Monetária (Copom) de interromper o ciclo de queda da taxa Selic, mantendo-a em 10,5%. Campos Neto permanecerá à frente do BC até o final do ano, quando será substituído por um indicado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A decisão do Copom foi interpretada como um teste da autonomia do Banco Central, estabelecida por uma lei aprovada em 2021, durante o governo Jair Bolsonaro. Essa legislação garante mandatos fixos de quatro anos para o presidente e diretores do BC, que não coincidem com o mandato presidencial.
Conflitos com o Governo Lula
Desde o início de seu governo, Lula e o PT têm pressionado pela redução da taxa de juros, frequentemente criticando Campos Neto. Na véspera da reunião do Copom, Lula criticou duramente o comportamento do BC, chamando-o de "desajustado" e acusando o presidente da instituição de ter um lado político que prejudica o país.
"Só temos uma coisa desajustada neste país: é o comportamento do Banco Central. Essa é uma coisa desajustada. Presidente que tem lado político, que trabalha para prejudicar o país. Não tem explicação a taxa de juros estar como está", declarou o petista.
Essa crítica foi vista como um recado para os conselheiros indicados por Lula, incluindo Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária do BC, cotado para suceder Campos Neto.
Decisão do Copom
Apesar das pressões, todos os diretores do BC votaram para interromper a queda dos juros, justificando que o cenário da inflação ainda é preocupante e optou por cautela."Entre os riscos de alta para o cenário inflacionário e as expectativas de inflação, destacam-se uma maior persistência das pressões inflacionárias globais; e uma maior resiliência na inflação de serviços do que a projetada", afirmou o comunicado do comitê.
Trajetória de Roberto Campos Neto
Carioca, Campos Neto possui vasta experiência no setor financeiro. Formado em economia pela Universidade da Califórnia, começou sua carreira no Banco Bozano Simonsen e, posteriormente, trabalhou no Santander, onde ocupou cargos de destaque por quase duas décadas.
Em 2019, assumiu a presidência do Banco Central, alinhado com a agenda de concorrência do então ministro da Economia, Paulo Guedes, e desde então tem defendido a importância da autonomia do BC.
Acusações e polêmicas
Campos Neto tem sido alvo de críticas por sua suposta ligação com o governo Bolsonaro. Em 2022, ele foi visto votando com uma camisa da seleção brasileira, o que foi interpretado como um apoio à reeleição de Bolsonaro. Ele se arrependeu do gesto e disse que não repetiria a ação.
"O voto é uma coisa muito privada. Era uma escola na frente da minha casa, que eu fui só com meu filho. Era uma coisa mais do mundo privado do que do mundo público. Obviamente, hoje, pensando, eu não teria feito isso, né? Pensando em hoje", justificou em entrevista a Pedro Bial, da TV Globo, em outubro de 2023.
Mais recentemente, Lula criticou a participação de Campos Neto em um em um jantar oferecido pelo governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), no Palácio dos Bandeirantes, sede do governo paulista.
“O que é importante é saber a quem esse rapaz [Campos Neto] é submetido. Como ele vai numa festa em São Paulo quase que assumindo a candidatura a um cargo do governo de SP? Cadê a autonomia dele?”, comentou Lula.
Conflitos sobre a taxa de juros
Durante a pandemia, o Copom reduziu a taxa básica (Selic) para 2% ao ano, a menor da história. No entanto, a taxa foi aumentada em 2021 para controlar a inflação, atingindo 13,75% ao ano. Em agosto de 2023, o BC começou a reduzir a taxa novamente, mas de forma lenta, enfrentando críticas de Lula e do PT.
Interrupção da queda dos juros
A decisão de manter a taxa de juros foi bem recebida pelos agentes financeiros e baseada na piora das expectativas inflacionárias e na deterioração das contas públicas. As projeções para o IPCA de 2025 e 2026 aumentaram, refletindo a instabilidade econômica e política.
O episódio provocou o enfraquecimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que veio se agravando até o ápice da devolução da Medida Provisória 1227 pelo Senado, que demonstrou o esgotamento da estratégia governamental de promover o ajuste de contas apenas pelo lado da arrecadação.
Campos Neto quer ampliar a autonomia do Banco Central
A decisão unânime do Copom significou um alívio para o mercado, uma derrota para Lula e uma vitória para o presidente do BC. Mas permanecem a preocupações sobre a condução da política monetária a partir do próxima gestão. Lula sinalizou que vai indicar alguém "maduro" e "calejado", levando especulações sobre nomes ligados ao PT.
Campos Neto está empenhado em garantir a autonomia financeira do Banco Central. Ele apoia um projeto de emenda constitucional que transformaria o Banco Central em uma empresa pública com natureza especial, permitindo maior independência financeira.
Ele argumentou que essa autonomia é essencial para evitar a asfixia financeira da instituição e para continuar inovando, como no desenvolvimento do Pix e da moeda digital Drex.
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