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Economia e Negócios

Custo da dívida pública pode subir R$ 63 bilhões com maior risco fiscal

A insegurança sobre as contas do governo tem aumentado os juros que o Tesouro paga sobre a dívida pública
Por Estadão Conteúdo

O custo da dívida pública vai aumentar em pelo menos mais R$ 63 bilhões em 2023 com a elevação dos juros incidentes sobre a dívida pública devido à maior desconfiança na política fiscal brasileira, que vem crescendo desde maio deste ano.

Para calcular o aumento do custo da dívida com o fenômeno chamado de “desancoragem fiscal”, o economista Bráulio Borges, da LCA Consultoria utilizou a diferença entre os juros nominais projetados no começo de maio, de 6,8% em 2023, e o mais recente de 7,4%. As projeções são da pesquisa Focus do Banco Central (BC).


Segundo ele, o governo federal tem enfatizado o movimento de melhora das contas públicas no curto prazo e a redução da dívida pública, o que deve ser comemorado, mas Borges pondera que, no longo prazo, não é isso que os investidores projetam. Até outubro de 2021, o mercado esperava que a dívida bruta em 2030 seria menor do que no final de 2022, denotando uma trajetória de convergência do endividamento, mas o quadro mudou.

“Desde o final do ano passado, com a famigerada PEC dos Precatórios, essa percepção mudou bruscamente. O mercado passou a enxergar uma relação entre dívida e PIB em 2030 maior do que no final de 2022″, diz Borges, destacando que a percepção de sustentabilidade fiscal tem a ver com o nível e com a dinâmica da dívida. E esse quadro vem piorando novamente nas últimas semanas diante dos desafios para 2023.

Nesse cenário, o Tesouro Nacional pode se ver obrigado a utilizar uma parte do colchão de liquidez (reserva no caixa que permite ao governo não vender os títulos nos leilões em momentos de volatilidade) na segunda metade de 2022, diante das dificuldades de colocação de títulos no mercado.

Caso isso ocorra, a recomposição desse colchão em 2023 exigiria a emissão de dívida em montante superior à necessidade total de financiamento do governo. “A complacência (do mercado) continua, mas diminuiu bastante quando olhamos para os custos de rolagem da dívida. No ano passado, o governo conseguia se financiar com juro de um dígito nominal, e agora não. Esse nível de desancoragem é algo que não víamos desde o final de 2015″, diz.

Desoneração

O economista da LCA chama também a atenção para a forte desoneração de tributos num momento em que não se sabe ao certo quanto do aumento da arrecadação é de fato estrutural e não apenas decorrente de efeito de curto prazo, como inflação e alta dos preços de commodities, sobretudo, petróleo.

Borges publicou um estudo sobre as receitas brutas federais ligadas ao setor extrativo mineral que aponta uma redução de cerca de R$ 60 bilhões de arrecadação de 2022 para 2023, principalmente com a esperada redução do preço do petróleo no mercado internacional.

Na sua avaliação, nesse caso não se trata de “culpa” do governo, mas certamente é um elemento que não pode ser ignorado para avaliar o quadro fiscal de 2023. No mínimo, diante da elevada volatilidade desse tipo de receita e do quadro fiscal ainda bastante frágil em termos de tamanho da dívida, seria prudente não “queimar” boa parte desse ganho inesperado com receita com desonerações permanentes de tributos.

Entre os técnicos do governo, a visão é diferente. Apesar da preocupação com a desoneração, há uma avaliação de que parte da melhora crescente da arrecadação é estrutural. Um novo estudo foi encomendado para a Secretaria de Política Econômica para apontar as razões para isso.

Integrantes da equipe econômica também apontam que é consistente a melhora das contas públicas, mesmo com os gastos de R$ 41,2 bilhões com a PEC dos Benefícios Sociais e as desonerações. O colchão de liquidez está mais robusto com repasses do lucro do Banco Central e outras medidas. Até maio, o governo tem caixa para pagar os títulos que vencem sem fazer novos leilões.

Um dos pontos ressaltados pelos técnicos do governo é que o aumento atual de gastos está sendo compensado com alta de receitas, mesmo que de forma conjuntural, como é o caso das receitas de dividendos com o lucro da Petrobras, Caixa e BNDES.

O governo pediu às estatais que não o fazem para transferir o pagamento de dividendos trimestralmente. Na prática, se todas as empresas seguirem a determinação, a medida poderá antecipar para 2022 o repasse dos dividendos do terceiro trimestre deste ano, que seria feito somente no ano que vem. Se aprovada, será mais uma medida a esvaziar o “tanque” das contas públicas no ano que vem.

Tanque

Em tempos de preços altos de combustíveis, a expressão “tanque” tem sido usada nos bastidores do governo para explicitar a avaliação corrente de que é preciso fazer o que for possível para o presidente Jair Bolsonaro tirar a liderança de Luiz Inácio Lula da Silva nas pesquisas eleitorais e ganhar as eleições, mesmo que isso signifique deixar o “tanque” vazio em 2023 para o próprio presidente ou mesmo ou Lula, se o petista sair vitorioso em outubro.

A área econômica do governo Bolsonaro tenta construir um projeto de orçamento de 2023 com o espaço atual do teto de gastos. Já os economistas que auxiliam a campanha do ex-presidente Lula calculam que o custo da fatura deixada por Bolsonaro pode levar a um aumento de 1 ponto porcentual do PIB.

Quanto menor o tanque, mais difícil será para Lula começar um eventual terceiro mandato como presidente fazendo grandes mudanças no início do governo, ainda mais com um Congresso que está com maior controle sobre as despesas com as emendas do chamado orçamento secreto.

Defensor da mudança do teto, Lula, se eleito, terá mais dificuldade de mudar a regra antes de tomar posse. Uma das hipóteses em estudo é criar uma regra de transição até uma mudança definitiva do arcabouço fiscal.

Dentro do governo Bolsonaro, na hipótese de vitória do presidente, já se espera uma nova flexibilização do teto que poderia ser negociada depois das eleições, como mostrou o Estadão.

A maneira como esse impasse será resolvido será fundamental para saber se a gente tem alguma chance de escapar do cenário ruim do ano que vem. Para Borges, da LCA, se o próximo governo começar o ano que vem já com o novo arranjo de regras fiscais mais bem definidas, possibilitando uma nova ancoragem das expectativas, esse movimento pode gerar uma valorização muito rápida do câmbio, que hoje está longe taxa de equilíbrio, mais próxima de R$ 4,50.

Se o câmbio se valorizar rapidamente, o Banco Central teria mais liberdade para administrar a política de juros na tarefa de desinflacionar o Brasil.

“Isso pode fazer com que a gente escape desse destino que hoje parece ser o cenário mais provável de crescimento econômico muito fraco no ano que vem”, diz Borges.

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