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Economia e Negócios

Entenda como os precatórios afetam as contas do Governo Federal

Para evitar um impacto muito forte no Orçamento, o governo agora considera parcelar o pagamento.

O rápido crescimento da despesa com precatórios, valores devidos a empresas e pessoas físicas pela União após sentença definitiva na Justiça, está no centro de um novo impasse no governo desde a semana passada, quando o ministro da Economia, Paulo Guedes, classificou o problema como um "meteoro" que vem de outros poderes. Com pagamento obrigatório, os débitos são quitados anualmente pela União, de forma escalonada.

Para evitar um impacto muito forte no Orçamento, o governo agora considera parcelar o pagamento dos valores, segundo apurou o Estadão. Uma das medidas em estudo pela equipe econômica envolveria honrar de imediato apenas os pagamentos de até R$ 66 mil. Para valores entre R$ 66 mil e R$ 66 milhões, a proposta é parcelar o pagamento em dez anos até 2029, enquanto para os débitos superiores a R$ 66 milhões, a regra de pagamento em prestações seria permanente.


A medida, no entanto, pode encontrar resistências. Segundo o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a alteração na regra é uma tentativa de institucionalização do "calote" para fins eleitoreiros. O vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), disse que a medida será "rejeitada" pela Casa. Entenda como funcionam os precatórios e qual seu impacto para as contas públicas.

O que são os precatórios?

"É a forma utilizada pelo ente público para pagar os seus débitos", explica o professor convidado da FGV Direito Rio Gabriel Quintanilha. O governo precisa pagar precatórios quando, passadas todas as etapas do processo judicial, o ganho de causa da pessoa física ou jurídica é confirmado pela Justiça. A ação movida pode ser contra a cobrança indevida de impostos, salários de servidores públicos atrasados ou ainda no caso de reparações, por exemplo.

Todo valor devido pelo governo é um precatório?

Não. As dívidas de pequeno valor, abaixo de sessenta salários mínimos, são chamadas de Requisições de Pequeno Valor, ou RPV, como explica Quintanilha. Nesse caso, após o pagamento ser protocolado, o ente público tem um tempo menor que o dos precatórios para quitar a dívida. No caso da União, esse tempo de espera é de sessenta dias.

Quanto tempo a União demora para pagar um precatório?

Se a expedição de pagamento do precatório, após a emissão do ofício requisitório do juiz, se der até o dia 1.º de julho do ano corrente, o pagamento irá ocorrer até 31 de dezembro do ano seguinte, de forma escalonada. Por exemplo, se o pedido de pagamento foi expedido até 30 de junho de 2020, ele será pago até o dia 31 de dezembro deste ano.

Como o valor dos precatórios afeta as contas do governo?

O pagamento dos valores precisa entrar anualmente no Orçamento do governo federal, que irá reservar uma parcela específica para quitar essas dívidas. O tamanho do gasto com esses débitos costuma ser observado com atenção, já que representa uma parcela que não poderá ser gasta com outras despesas discricionárias (nome utilizado para os gastos não obrigatórios), como obras, por exemplo.

Segundo o economista Fabio Giambiagi, o impacto dos precatórios nas contas públicas é "crescente e preocupante". Ele aponta que, "sem contar o componente de pessoal e de benefícios previdenciários, é uma conta que era de R$ 2 bilhões em 2011 e foi de R$ 23 bilhões no ano passado." Para o ano que vem, o Judiciário já informou ao Ministério da Economia que R$ 89 bilhões deverão ser reservados no Orçamento para quitar os precatórios. A pasta previa um gasto de R$ 56 bilhões, segundo apurou o Estadão.

Por que os valores dos precatórios estão subindo tanto?

Segundo Quintanilha, da FGV, apesar dos vários fatores que podem explicar o crescimento, a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de retirar o ICMS da base de cálculo do PIS e Cofins colaborou para a explosão do valor dos precatórios neste ano. "Temos uma base de 42 grandes empresas entrando com ações para conseguir o ressarcimento desses valores", diz o professor. "O ministro Paulo Guedes está certo quando diz que os valores estão subindo muito, porque de fato estão, mas é preciso analisar o fundamento, que em grande parte é a cobrança indevida de impostos pelo governo", analisa.

Giambiagi também vê o excesso de judicialização no Brasil como um dos fatores que explicam a explosão no crescimento dessa dívida. "(O pagamento de precatórios) corresponde a um processo de reconhecimento de direitos do cidadão, mas creio que é natural concluir que começa a haver certos excessos", diz.

Como o governo pode evitar o aumento dos gastos com precatórios?

"Isso é parte de um processo complexo, político, jurídico, social e econômico que é a judicialização crescente de tudo", aponta Giambiagi, ao citar as disputas judiciais como uma das causas para o problema. Para Quintanilha, o governo trabalha com formas de controlar o aumento da trajetória dos precatórios, cuja tendência, segundo ele, é aumentar. "A proposta de reforma tributária, com a unificação do PIS e Cofins, que resultaria na criação da CBS (Contribuição Sobre Bens e Serviços), pode ajudar a simplificar o ambiente tributário brasileiro, diminuindo as brechas para disputas judiciais", diz.

O governo pode deixar de pagar a dívida dos precatórios?

O pagamento dos débitos é obrigatório, mas é possível adiar ou mesmo parcelar - como está sendo estudado atualmente pela equipe econômica. Por meio de uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), o governo estuda parcelar R$ 40 bilhões dos R$ 89 bilhões de precatórios previstos para o ano que vem, ajudando a abrir espaço no Orçamento de 2022 para outros gastos. A medida, no entanto, pode encontrar pouca abertura. "O projeto pode ser aprovado no Congresso, mas é difícil que tenha o aval do Supremo Tribunal Federal justamente por conta do entendimento de que esses valores são de direito do cidadão. Historicamente, o STF tem o hábito de defender o pagamento dos precatórios", diz Quintanilha.

Quais os impactos causados nas contas públicas pela proposta de parcelar os precatórios?

O professor convidado da FGV diz que o movimento pode ser considerado como uma "pedalada" amparada por uma emenda constitucional e aponta para o risco de o governo gerar uma bola de neve nas contas públicas, aumentando o risco fiscal e causando estresse no mercado, que já vê a iniciativa com desconfiança. "A PEC tem pouco efeito prático, pois essa dívida será apenas jogada mais adiante, o que vai aumentar a carga de precatórios no Orçamento no futuro. A medida vem também em ano eleitoral, quando o governo precisa de dinheiro para reajustar salários de servidores e criar programas sociais, por exemplo", diz.

Na visão de Giambiagi, no entanto, a medida é uma forma de "tentar estabelecer algum tipo de limites a esse processo, talvez na forma de um valor-teto, corrigido anualmente pela inflação, por exemplo". É importante destacar que, com a proposta, o "governo não vai poupar nada em relação a 2021, porque a conta não vai cair. O que se deseja é evitar que ela aumente indefinidamente ano após ano", explica. O economista diz ainda que a PEC é uma espécie de "conciliação entre o dever e o possível: o governo reconhece que deve e que vai pagar, mas consegue fazer isso dentro de um arcabouço fiscal sustentável", finaliza.

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