O avanço da variante Delta e a desaceleração da China reduziram o otimismo dos economistas em relação à recuperação da atividade global neste ano. Enquanto a nova cepa da covid-19 leva a China a fechar cidades, parte da população nos Estados Unidos adota medidas de distanciamento social por conta própria, freando a retomada. Para completar, o governo chinês vem retirando estímulos econômicos – o que respinga por aqui, dado que os preços das commodities, como o minério de ferro, acabam recuando.
Por enquanto, o Fundo Monetário Internacional (FMI) prevê um crescimento de 6% para a economia global em 2021 – após uma retração de 3,3% no ano passado. Economistas, porém, afirmam que pode haver uma redução na estimativa para este ano. “Pelo que estamos vendo nos EUA e na China, o PIB global pode caminhar para algo entre 5% e 5,5%”, diz o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale.
O estrategista global da XP, Alberto Bernal, destaca que o efeito da variante Delta na economia americana está sendo mais forte do que se esperava. Um dos indicativos, segundo ele, é a queda de 1,1% nas vendas do varejo em julho. “As pessoas estão vendo nos noticiários que os casos de covid estão subindo e estão ficando mais cautelosas. Elas estão indo menos a shoppings, por exemplo”, diz Bernal, que vive em Nova York. Na terça-feira, pela primeira vez desde março, os EUA registraram mais de mil mortes por covid em um único dia.
Bernal destaca que a Delta é, hoje, o maior risco para a economia global, ainda que, em um primeiro momento, pareça que há muita preocupação com a retirada de estímulos monetários por parte do Federal Reserve (o banco central americano). “O maior risco é a covid. Se o vírus se torna mais agressivo, o mundo pode voltar ao processo de maio de 2020.”
Na China, a variante também causa impactos. Apesar de o número de casos ser relativamente baixo, o país adotou uma postura de tolerância zero em relação ao vírus, e cidades como Zhouzhou anunciaram lockdowns temporários. Na semana passada, o porto de Ningbo-Zhoushan fechou um de seus terminais para tentar controlar o contágio.
Para o estrategista-chefe do BTG Pactual, João Scandiuzzi, a China traz mais inquietação ainda devido à retirada de estímulos econômicos desde janeiro. “Na virada do ano, o governo passou a apertar o crescimento do crédito. Esse controle veio com algum custo, e a recuperação no consumo ficou incompleta. Por isso, está havendo uma desaceleração importante.” Os dados da economia chinesa de julho já refletem essa realidade. As vendas do varejo, que haviam crescido 12,1% em junho, avançaram 8,5% no mês passado – o esperado era 10,9%. No caso da produção industrial, a alta havia sido de 8,3% em junho, a estimativa era que chegaria a 7,9% em julho, mas o observado ficou em 6,4%. O investimento acumulado em 12 meses também ficou aquém do esperado. Cresceu 10,3% em julho, quando as projeções indicavam alta de 11,3%.
O economista-chefe da Wealth High Governance (WHG), Fernando Fenolio, lembra também que a China vai sediar os Jogos Olímpicos de Inverno em fevereiro do ano que vem, o que pode levar o país a ser ainda mais cauteloso em relação à covid. “A economia lá pode ficar se arrastando.”
Brasil
A desaceleração da China deve causar prejuízos ao Brasil sobretudo porque pode derrubar o preço das commodities. Ontem, o mercado já observou recuo nos preços do petróleo e do minério de ferro. “Um freio no crescimento da China sempre é relevante para o Brasil. O País perde em termos de troca e na balança comercial”, diz Fenolio.
O superintendente de pesquisa econômica do Itaú Unibanco, Fernando Gonçalves, destaca que a variante Delta pode interferir na economia brasileira ao interromper a logística internacional e reduzir ainda mais a oferta de insumos. Desde o começo do ano, por exemplo, a falta de componentes no mercado global tem paralisado o setor automotivo. “Apesar de a demanda por carros existir, a produção não sobe por falta de peças. Isso está atrapalhando a retomada.”
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