O vendedor de panos de prato André Nunes, de 30 anos, agora pede trocados para almoçar em um restaurante popular. A diarista Larissa Nogueira, de 45, espera por uma cesta básica na porta de uma igreja. Aos 53, o guardador de carros Rogério Silva teve de voltar a morar com a filha. Sem ocupação desde o início da pandemia da covid-19 no Brasil, eles são o retrato do grupo que mais sente a falta de trabalho: os informais.
Se os impactos da pandemia da covid-19 vão se mostrando mais cruéis no mercado de trabalho, o peso é maior sobre os brasileiros em funções precárias. Para cada trabalhador com carteira assinada que ficou desempregado, dois informais ficaram sem trabalhar entre o trimestre encerrado em fevereiro e os três meses até maio, segundo cálculos do professor sênior da Universidade de São Paulo (USP) Hélio Zylberstajn, com base na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
No período, 3,98 milhões de informais perderam sua principal fonte de renda. No caso dos formais, 1,99 milhão ficaram desocupados.
Reportagem do Estadão publicada na última semana mostrou que, de maneira inédita, mais da metade da população brasileira em idade para trabalhar estava sem ocupação no trimestre encerrado em maio, segundo o IBGE.
Sem acesso à rede de proteção social do trabalho com carteira assinada, o informal está mais exposto aos efeitos das crises.
Geralmente estão em funções que dependem da renda dos demais trabalhadores e ficam sem opção quando há uma queda da atividade econômica.
Na crise atual, que tem limitado a circulação de milhões de pessoas pelas cidades brasileiras, o vendedor de café parou de trabalhar na porta do metrô e o camelô perdeu a freguesia. “O grupo informal foi o que mais sofreu logo no início da quarentena. Para eles, a ocupação se dissipou imediatamente, na medida em que a demanda por seus serviços desapareceu”, diz Zylberstajn.
Segundo o economista, também serão os informais que devem puxar a recuperação do mercado de trabalho no ano que vem, já que tradicionalmente as empresas demoram a recontratar, e as pessoas voltam para o mercado como podem. Em 2017, logo após a última recessão, o número de brasileiros trabalhando por conta própria e sem carteira assinada superou pela primeira vez o daqueles que tinham um emprego formal. O ano terminou com 34,3 milhões de informais e por conta própria, ante 33,3 formais, segundo o IBGE.
Na avaliação de Zylberstajn, o melhor desempenho do emprego formal durante a pandemia indica que as medidas de redução de jornada de trabalho e de salário e a suspensão dos contratos, embora duras, ajudaram a manter empregos. “O prejuízo foi contido, sem a Medida Provisória 936 teria sido pior.”
Ainda, assim, um levantamento feito por pesquisadores do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) aponta que, em função de redução de salário por conta da pandemia, 3,8% das famílias acabaram atrasando o pagamento de contas, enquanto 9,1% ficaram inadimplentes por terem perdido o emprego. De acordo com Viviane Seda, do Ibre, as dificuldades das famílias podem ter efeito redutor na recuperação da economia em 2021.
O diretor do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) Clemente Ganz Lúcio pondera que a crise vai deixar um contingente de endividados e corroer a renda sobretudo entre os informais, mesmo com medidas como o auxílio emergencial de R$ 600 para a baixa renda. “E enquanto outros países já trabalham para pensar a saída da crise, o governo do Brasil fala em reformas.”
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