O projeto de socorro aos Estados, que tramita na Câmara, abre caminho para R$ 55 bilhões em garantias da União a novos empréstimos a serem contratados pelos governos regionais, medida que tem sido vista por como uma reedição da “farra das garantias” promovida entre 2012 e 2014, no governo Dilma Rousseff (PT), e que foi seguida de uma quebradeira dos Estados logo à frente. A conta do calote foi paga pela União.
Com o apoio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), deputados discutem uma proposta para socorrer governadores e prefeitos no enfrentamento da pandemia da covid-19. Além da ampliação do endividamento, o texto também prevê compensação da perda na arrecadação nos caixas regionais durante a crise. Classificado como bomba fiscal pela equipe econômica, que estima impacto de R$ 159,7 bilhões, e criticado por economistas por elevar gastos para além de 2020, o projeto teve a votação adiada para a semana que vem.
Em 2013, o governo da ex-presidente Dilma Rousseff avalizou cerca de R$ 60 bilhões em empréstimos contratados pelos Estados. Menos de três anos depois, no início de 2016, o Rio de Janeiro foi o primeiro a atrasar pagamentos, seguido nos anos seguintes por outros Estados como Goiás e Minas Gerais.
Na gestão petista, Estados já com contas deterioradas e baixa capacidade de pagamento foram priorizados nas concessões de garantias da União. Na época, não era uma lei, mas sim uma portaria do Ministério da Fazenda que permitia uma concessão excepcional do aval.
O Tribunal de Contas da União (TCU) abriu uma investigação e responsabilizou o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega e o ex-ministro do Tesouro Nacional Arno Augustin pelos prejuízos arcados pela União com essas operações. Eles foram multados pela irresponsabilidade na concessão das garantias. Sempre que um Estado não paga um empréstimo que tenha a garantia federal, o Tesouro precisa quitar a parcela junto à instituição financeira ou ao organismo multilateral, mas nem sempre consegue recuperar os valores porque decisões judiciais “blindam” os cofres dos Estados.
Desta vez, na avaliação de técnicos ouvidos pela reportagem sob a condição de anonimato, não haverá base para qualquer responsabilização caso o filme se repita. A União não estará livre de prejuízos, mas o texto dá “roupagem legal” a essas operações.
Na defesa do projeto, Maia tem dito que o “espaço fiscal” para novas operações é menor que o máximo histórico visto na época da farra das garantias. No entanto, os técnicos alertam que o espaço para novas garantias vem acompanhando de uma suspensão de R$ 47,6 bilhões em dívidas dos governos regionais – o que na prática significa um espaço de R$ 102,6 bilhões, sem incentivos à boa gestão fiscal.
Pelo projeto, Estados com classificação “D”, a pior de todas em termos de capacidade de pagamento, poderão contratar novos empréstimos. As regras atuais vedam a concessão de novos financiamentos com aval da União a esses governos, a não ser que eles ingressem em algum programa de socorro do governo federal e se comprometam com medidas de ajuste nas contas, como cortes em gastos com pessoal e venda de estatais.
O maior problema de liberar uma montanha de dinheiro novo é que alguns deles hoje já não conseguem pagar salários de servidores ou contratos com fornecedores. Embora as novas dívidas não precisarem seguir o trâmite regular de um pedido de aval à União e tenham carência no pagamento das prestações até 2022, a conta das primeiras parcelas chegaria para o próximo governo.
Alívio
Elas se somariam à retomada do pagamento de parcelas das dívidas que já existem hoje e que o projeto também quer suspender. Seria um alívio de R$ 47,6 bilhões com essa medida.
A avaliação entre técnicos que acompanham as contas dos Estados é que a concessão de garantia sem análise da capacidade de pagamento pode gerar outra crise nos Estados, assim como ocorreu entre o final de 2015 e o início de 2016. Foi quando a última renegociação de dívidas com a União foi deflagrada, e os primeiros Estados começaram a parcelar salários de servidores - alguns não conseguiram regularizar a situação.
Um aumento da dívida sem uma avaliação criteriosa dos motivos pode arranhar a imagem e a credibilidade da sustentabilidade fiscal do País perante o mercado financeiro, que é quem compra títulos da dívida pública brasileira e financia o governo. Esse custo de financiamento, que nos últimos anos caiu bastante, poderia subir.
A proposta ainda prevê outros R$ 41,1 bilhões em compensações aos Estados por perdas em receitas próprias, dinheiro sem carimbo que poderia ser gasto com despesas não prioritárias num momento de crise.
Mais verba para a covid-19
O Ministério da Economia negociou com lideranças do Congresso a ampliação do repasse de recursos do governo federal diretamente para os governos regionais para o enfrentamento da pandemia da covid-19. O foco das novas transferências seria os municípios.
Os valores ainda estão sendo definidos pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, mas podem chegar a R$ 30 bilhões, segundo um integrante da equipe econômica. Guedes quer que o dinheiro seja irrigado direto para as cidades e focado no enfrentamento do problema da covid-19.
Nesse caso, o maior endividamento para a ampliação das despesas ficaria concentrado na União e seria restrito a 2020. Os técnicos do governo temem que o projeto provoque um desarranjo ainda maior nas finanças dos governos estaduais e que o dinheiro seja usado para gastos não relacionados à covid-19.
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