Previsto para março de 2020, o leilão de frequências para a quinta geração da telefonia celular (5G) deve movimentar cerca R$ 20 bilhões, segundo o conselheiro da Anatel Vicente Aquino, relator do edital no órgão regulador. Desse total, R$ 10 bilhões devem ir para o caixa do governo.
Em entrevista ao Estadão/Broadcast, Aquino explica que, quanto mais obrigações de investimento para cumprimento de políticas públicas forem colocadas para as empresas, como cobertura em áreas mais afastadas, menor será a arrecadação. Um dos problemas que devem ser tratados no edital do leilão é o das antenas parabólicas, presentes em 19 milhões de casas e que sofrem interferência de sinal na faixa de 5G.
Aquino defende que o edital preveja uma solução para que essas residências não fiquem sem sinal de TV. A proposta para a próxima geração da infraestrutura de dados móveis foi colocada em audiência pública neste mês. A ideia é que o 5G, que pode revolucionar a indústria e as relações entre consumidores e máquinas, esteja disponível nas grandes capitais a partir de 2021.
A tecnologia 5G é a quinta geração das redes de comunicação móveis. Ela promete velocidades até 20 vezes superiores ao 4G. Em ambiente controlado, as redes 5G podem ter velocidades de até 1 gigabit por segundo (Gbps). Assim, permite um consumo maior de vídeos, jogos e ambientes em realidade virtual. Além disso, promete reduzir para menos da metade a latência, tempo entre dar um comando em um site ou app e a sua execução – dos atuais 10 milissegundos para 4 ms. Em algumas situações, a latência poderá ser de 1 ms, importante, por exemplo, para o desenvolvimento de carros autônomos.
A tecnologia, porém, engatinha no mundo: nos EUA, apenas algumas operadoras oferecem planos em cidades selecionadas. O mesmo ocorre na China e na Europa, de maneira bastante tímida. A GSMA, associação global das operadoras de celular, diz que o Brasil só deve ter uma cobertura considerável de 5G em 2023.
Veja abaixo os principais trechos da entrevista com o conselheiro da Anatel
A data para o leilão do 5G já está marcada?
O edital do leilão tem uma previsão, mas é apenas uma previsão ainda, para março do ano que vem. Acho que ele pode atrasar um pouquinho, mas muito pouco. Sou o relator do processo, e a área técnica da agência propôs uma minuta de edital para ser discutido e submetido a uma consulta pública. Estou discutindo essa minuta com os segmentos interessados, como operadoras, além de entrantes e outras empresas que têm interesse no ramo.
Quanto o governo deve arrecadar com esse leilão?
Evidentemente, não temos uma precisão absoluta. Mas as estimativas ficam em torno de R$ 20 bilhões.
Esse seria o valor da outorga pelo uso das faixas ou já considera as obrigações de investimento e cobertura, que reduzem a arrecadação?
O valor compreende outorga e compromissos. Eu jogaria em meio a meio (metade outorga, metade compromissos).
O que o 5G vai trazer de mudanças na vida dos usuários?
A tecnologia de quinta geração não é apenas uma evolução do 4G, mas uma proposta que vai além do simples aumento de capacidade, velocidade e vazão de dados. Eu chamaria o 5G de quarta revolução industrial. A banda larga móvel terá altíssimas velocidades. A nossa vida vai mudar completamente. Vamos ter cidades digitais. A indústria vai se modernizar, o PIB vai crescer. No serviço público, os hospitais vão ganhar muito com cirurgias que poderão ser feitas à distância, por conta da alta confiabilidade das redes. Teremos veículos autoguiados, trens, ônibus. Supermercados e clínicas conectados. O 5G vai inserir o ser humano na sociedade digital, em que tudo vai funcionar de forma interligada. Não tem nada ruim. Nossa história vai ser antes e depois do 5G.
Quando a população terá acesso a essa tecnologia?
Num primeiro momento, o 5G vai alcançar os grandes centros urbanos a partir de 2021. Esperamos que, em três anos, ele comece a chegar nos lugares um pouco mais distantes.
O edital para o leilão do 5G foi para consulta pública. O sr. já identificou algum ponto em que será necessário alterá-lo?
Uma das questões sensíveis do edital é a possibilidade de discutir blocos regionais. Normalmente, o mais comum é colocarmos blocos nacionais e divididos por Estados. A discussão mais sensível, na minha ótica, é se vamos colocar blocos regionalizados. Estamos ouvindo operadoras de menor porte sobre esse plano. Seria uma divisão por regiões, podendo incluir mais de um Estado e mais de um município. Isso é algo que interessa às pequenas. Estamos avaliando se vamos ou não incluir, avaliando se há viabilidade para o negócio. A minuta, hoje, traz alguns blocos nacionais, blocos estaduais e alguns blocos regionais. No entanto, é possível que nós coloquemos outros blocos regionais, além dos que vieram, e também outros blocos nacionais, para diversificá-los.
A minuta do edital, da forma como foi elaborada, inviabiliza a participação das pequenas empresas?
Não é que as pequenas não poderiam participar do leilão. Elas poderiam, mas o que dificultava era que as unidades regionais eram diferentes da área de atuação delas. Estamos aferindo e verificando se é possível blocos regionais que contemplem as situações que estão postas. Temos hoje muitas empresas, cerca de 10 mil, que poderiam, em teoria, disputar esses blocos, que atuam no interior, nos rincões do País. As grandes operadoras, nas grandes regiões metropolitanas.
Com as preocupações do governo para aumentar a arrecadação para melhorar o resultado fiscal, há espaço para colocar obrigações de cobertura em áreas mais afastadas?
Quero crer que tenha. Acho que vai ser a proposta da Anatel. Os compromissos de abrangência chegam mais rápido ao consumidor final. Nosso edital vai sair em sintonia com a política pública do Ministério de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Então, estamos aguardando uma consulta pública do ministério, que vai até o fim do mês. Nosso edital estará sintonizado com a política pública do governo de abrangência, qualidade do serviço, ampliação da banda larga, entre outros. Todos os compromissos no edital vão considerar a realidade de cada lugar. Não há como falar em 5G onde ainda não tem nem 4G.
O que será feito para evitar a interferência do 5G no sinal das antenas parabólicas?
Há uma interferência da tecnologia 5G nas antenas parabólicas. Isso é uma realidade, os testes feitos até agora apontam isso. Precisa haver uma convivência entre os dois. Não podemos esquecer que hoje, no Brasil, estima-se haver 19 milhões de domicílios que possuem antenas parabólicas. O edital precisa trazer uma previsão de convivência pacífica entre esses dois institutos. Temos algumas hipóteses em estudo. Ainda não há um fechamento de questões nesse ponto.
A tecnologia 5G precisa de muito mais antenas do que o 3G e o 4G. Como resolver o assunto, considerando as leis municipais que dificultam a instalação desses equipamentos?
Há quem diga que vamos precisar de 10 vezes mais antenas do que temos hoje. Essa é uma matéria que as operadoras terão de resolver. É um problema dificílimo, pois os municípios têm autonomia e podem permitir ou não o uso do solo. Hoje, isso é um problema grave, que terá de ser resolvido. O edital não pode tocar nesse ponto, pois fere a autonomia dos municípios. É um problema muito sensível, mesmo em grandes cidades como São Paulo. Acho que o interesse público vai direcionar essa questão, pois pode haver cobrança dos usuários. Quem sabe seja preciso uma proposta de emenda constitucional (PEC) para resolver o problema?
O presidente Jair Bolsonaro é adepto das novas tecnologias. Ele já falou com a Anatel sobre o 5G?
Temos conversando com o MCTIC. Tivemos uma reunião nesse sentido há poucos dias. Tanto dialogamos que o ministério se antecipou e abriu sua consulta pública para recepcionar ideias de política pública para a tecnologia 5G, que serão colocadas no edital. Estamos em estreito diálogo e bem afinados com o governo.
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