A OMS (Organização Mundial da Saúde) decidiu ainda no ano de 2017, incluir o vício em jogar games em sua lista de transtornos mentais. A desordem fará parte da nova Classificação Internacional de Doenças, a chamada CID-11, que será publicada neste ano, porém sem data definida. Por enquanto, somente a compulsão por jogos de azar, como bingos e caça-níqueis, está na lista de doenças da entidade.
Segundo a Nexo, ao adicionar o transtorno à sua lista de doenças, a OMS afirma que esse é um diagnóstico oficial, que pode ser usado por médicos e outros profissionais de saúde. A CID foi divulgada pela primeira vez em 1983 e está, atualmente, em sua décima versão, de 1990. Ela serve como uma lista de doenças, desordens e outras condições de saúde reconhecidas oficialmente, e é usada tanto na prática médica quanto na academia. A classificação, usada atualmente em mais de 100 países, visa a orientar e padronizar diagnósticos de saúde.
Gregory Hartl, porta-voz da OMS, disse à rede americana CNN que a lista incluirá uma descrição clínica do transtorno de vício em games, mas não informações sobre “prevenção e opções de tratamento”. Para especialistas em saúde mental, porém, o reconhecimento de transtorno de games pela OMS pode levar profissionais a medicar pessoas sem necessidade. O fato de a OMS incluir o transtorno na CID não significa que qualquer pessoa que goste de jogar tenha um problema de saúde mental.
O texto do rascunho da CID-11, que ainda pode passar por alterações antes de ser publicado, afirma que o hábito de jogar se torna um transtorno quando ocorrem três condutas prejudiciais a quem joga.
A pessoa tem pouco controle sobre seu comportamento, seja em relação à duração dos jogos, frequência, intensidade ou contexto em que joga. Ela prioriza cada vez mais os games, em detrimento de outras atividades e interesses. O transtorno é caracterizado pela continuação do hábito de jogar, apesar de consequências negativas que isso esteja causando na vida da pessoa.
“O padrão de comportamento é grave o suficiente para resultar em prejuízo significativo na vida pessoal, familiar, social, educacional, ocupacional ou outra área importante de funcionamento”, diz a definição. O comportamento pode ser contínuo, ou se apresentar em forma de episódios recorrentes.
A OMS afirma que o diagnóstico pode ocorrer quando esse comportamento dura pelo menos um ano, prazo que pode ser reduzido se os sintomas forem graves. O transtorno, segundo a OMS, pode se manifestar em pessoas que jogam videogame ou games na internet. “Profissionais de saúde precisam reconhecer que o transtorno de games pode ter consequências de saúde sérias”, disse à revista New Scientist Vladimir Poznyak, do departamento de Saúde Mental e Abuso de Substância da OMS. Segundo ele, a maioria das pessoas que jogam não tem o transtorno, da mesma forma que a maioria das pessoas que bebem não é alcoolatra. O exagero, porém, pode ter efeitos negativos, de acordo com ele.
Poznyak disse à revista que a OMS começou a avaliar a inclusão do vício em games na lista de transtornos há uma década. Após consultas a profissionais de saúde, a organização decidiu incluir a condição no próximo manual. Outros abusos ligados à tecnologia, como uso excessivo de smartphones e vício em internet, ficaram de fora da CID-11. “Faltam provas de que sejam transtornos reais”, afirmou Poznyak à revista.
Sem consenso
A classificação do vício em games como um transtorno mental não é consenso entre especialistas em saúde mental. Um grupo de cientistas publicou um artigo em que reconheciam que comportamentos problemáticos envolvendo jogos merecem atenção, mas afirmaram que “não está tão claro que esses problemas possam ou deveriam ser atribuídos a um novo transtorno”. Apontavam a falta de base científica para classificar o vício como um transtorno; as estimativas sobre quantas pessoas que jogam seriam doentes, por exemplo, variam de 0,2% a 20%.
Os pesquisadores criticavam também o pânico que poderia ser gerado pela nova classificação, além da possibilidade de “aplicação prematura do diagnóstico na comunidade médica e o tratamento de casos ‘falsos positivos’ abundantes, especialmente para crianças e adolescentes”. Pediam, por isso, que a inclusão do transtorno na lista não fosse levada adiante, “para evitar o desperdício de recursos de saúde pública e danos aos jogadores de game saudáveis de todo o mundo”.
O professor Allen Frances, do departamento de psiquiatria da Universidade Duke, na Carolina do Norte, disse à New Scientist que, em breve, haverá pedido de classificação de outros hábitos, como comprar, correr, trabalhar ou ver séries, como transtornos. “Tudo que as pessoas têm paixão por fazer pode ser rebaixado para uma falsa doença mental”, afirmou. “Dezenas, talvez centenas, de pessoas que jogam podem ser diagnosticados erroneamente e medicadas de forma exagerada.”
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