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Moïse Kabagambe fugiu aos 14 anos do Congo para não morrer

Família do congolês morto a pauladas na Barra da Tijuca decidiu deixar país natal em 2010.

Moïse Kabagambe, de 24 anos, veio para o Brasil fugindo com a família da violência étnica na República Democrática do Congo (RDC). “Lá é comum as pessoas morrerem espancadas com pedaços de pau no meio da rua”, contou a mãe dele, Ivana Lay, de 43 anos, ao advogado Álvaro Quintão, da Comissão de Direitos Humanos da OAB, que acompanha a investigação da morte do rapaz, espancado ao lado de um quiosque no Rio. Para o jovem congolês, a fuga foi inútil. Oito anos após chegar ao Brasil, foi espancado por três homens da mesma forma – a pauladas – e morreu no dia 24, no Tropicália, na Barra da Tijuca, zona oeste da capital fluminense.

“Saímos de lá para que isso não acontecesse conosco, com meus filhos”, disse Ivana Lay a Quintão. “Fugimos da África para sermos acolhidos no Brasil”, disse o primo de Moise, Chadrac Kembilu Nkusu, chorando, em uma entrevista para o SBT que viralizou nas redes sociais. “O Brasil é uma mãe, o Brasil é a nossa segunda casa, como vai matar um irmão que estava trabalhando?”


Saída

A família de Moïse decidiu deixar o Congo em 2010, depois que a avó do rapaz e vários outros parentes foram mortos nos conflitos étnicos. O pai de Moïse é dado como desaparecido no conflito. O jovem chegou aqui antes da mãe, quando tinha 14 anos, em 2011, acompanhado de dois irmãos. Os três foram acolhidos pela Cáritas, uma ONG ligada à Igreja Católica. A mãe chegou ao País em 2014. A família vive atualmente em Cinco Bocas, em Brás de Pina, na zona norte, onde há uma comunidade de congoleses.

A região de Ituri, no noroeste do Congo, de onde vem a família, é palco de um violento conflito entre milícias armadas das etnias lendu e hema há pelo menos meio século. Nesta quarta-feira, milicianos lendu mataram cerca de 40 pessoas da etnia hema, a mesma da família de Moïse, ao invadir um campo de refugiados.

O conflito étnico serve a disputas por terras e recursos naturais da região e à indústria bélica. Grupos paramilitares costumam recrutar adolescentes e até crianças como soldados. Segundo dados de Médicos Sem Fronteiras (MSF), o confronto já deixou mais de 50 mil mortos desde 1999 – quando houve um considerável recrudescimento do confronto.

“Os refugiados congoleses começaram a chegar ao Brasil em meados dos anos 2000, seguindo a rota dos angolanos”, explicou o porta-voz da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) no Brasil, Luiz Fernando Godinho. “A explicação sobre a escolha do Brasil se deve a essa percepção de que se trata de um país seguro, longe dos conflitos de lá, onde há liberdade religiosa, onde não há problema se forem de uma minoria étnica, onde vão encontrar condições de segurança para reconstruir a vida.”

Embora não esteja em guerra, o Brasil ostenta números de violência similares aos de países em conflito. Segundo o Atlas da Violência 2021, divulgado no fim do ano passado, entre 2009 e 2019, o País registrou o assassinato de 333.330 pessoas de 15 a 29 anos. A maioria é formada por homens negros, como Moïse. O número representa que um jovem é morto em território brasileiro a cada 17 minutos.

O congolês vendia na areia bebidas e comidas do quiosque Tropicália. Como outros profissionais informais, era pago por dia. Tentava se naturalizar brasileiro, mas o processo ainda não acabara. Vivendo no País desde criança, ele já se considerava carioca. Falava sem sotaque e torcia pelo Flamengo.

“Moïse não estava estudando, mas era aquele sujeito que saía todo dia para trabalhar para, à noite, poder levar comida para casa, para a mãe e os irmãos”, contou Álvaro Quintão. “Ele se preocupava, sobretudo, com o mais novo, de oito anos, que criava quase como se fosse um filho.”

Na noite do último dia 24 Moise não voltou para casa. Refugiado no Brasil por causa de um conflito étnico considerado bárbaro, ele foi espancado em uma confusão registrada por câmera de segurança, em uma área nobre da cidade. Sem chance de defesa, foi amarrado, subjugado, recebeu socos, pontapés, golpes com um pedaço de pau e um taco de beisebol. Foram mais de 15 minutos de agressões. Ninguém interveio nem prestou socorro. Em pouco tempo, Moïse estava morto.

Na terça, a polícia prendeu três suspeitos do crime: Fábio Pirineus da Silva, o Belo; Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca, o Dezenove; e Brendon Alexander Luz da Silva, o Totta. Antes de ser preso, Aleson, em vídeo em uma rede social, admitiu ter participado das agressões.

Confissão

Negou, porém, que tivessem motivação racial ou que houvesse intenção de matar o rapaz – apesar da violência registrada nas imagens. “Eu sou um dos envolvidos na morte do congolês. Quero deixar bem claro que ninguém queria tirar a vida dele, ninguém quis fazer injustiça, porque ele era negro ou alguém devia a ele. Ele teve um problema com um senhor do quiosque do lado, a gente foi defender o senhor, e infelizmente aconteceu a fatalidade de ele perder a vida”, afirmou na gravação.

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