O corregedor nacional de Justiça, ministro Humberto Martins, instaurou pedido de providências contra a juíza Inês Marchalek Zarpelon, da 1ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba (PR), que disse em sentença que um homem negro é ‘seguramente integrante de grupo criminoso, em razão de sua raça’. O CNJ vai apurar se a magistrada feriu a Lei Orgânica da Magistratura (Loman) e o Código de Ética da categoria.
A sentença de Inês Zarpelon que está sendo questionada tem 115 páginas e tratava de denúncia contra nove pessoas por ‘furtos qualificados e roubos majorados’. Em um trecho do documento, ao tratar de Natan Vieira da Paz, homem negro de 42 anos condenado a 14 anos e dois meses de prisão, a juíza disse que ele ‘seguramente’ era ‘integrante do grupo criminoso, em razão de sua raça’.
A Defensoria Pública do Paraná externou ‘esterrecimento e inconformismo’ com o teor da sentença e divulgou nota contra a magistrada. “Não se pode tolerar, de nenhuma forma e de quem quer que seja, que a raça ou a cor da pele de uma pessoa seja motivo de valoração negativa ou influencie presunções sobre sua conduta e sua personalidade, tampouco que fundamente juízo condenatório ou maior repressão penal”, apontou a Defensoria.
A nota foi citada pelo ministro Humberto Martins, que também levou em conta a publicação da seção do Paraná da Ordem dos Advocados do Brasil, que repudiou as declarações da magistrada nos autos ao ‘tecer considerações sobre a cor de um cidadão como algo negativo’.
Após a repercussão da decisão, a juíza divulgou nota por meio da Associação de Magistrados do Paraná. Nela, Inês Zarpelon se diz ‘profundamente entristecida’ e nega que tenha sido racista. Segundo ela, a frase foi retirada de um contexto maior.
“Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas”, afirmou. “A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas”.
Com a palavra, a juíza
A magistrada divulgou nota de esclarecimento por meio da Associação de Magistrados do Paraná:
A respeito dos fatos noticiados pela imprensa envolvendo trechos de sentença criminal por mim proferida, informo que em nenhum momento houve o propósito de discriminar qualquer pessoa por conta de sua cor.
O racismo representa uma prática odiosa que causa prejuízo ao avanço civilizatório, econômico e social.
A linguagem, não raro, quando extraída de um contexto, pode causar dubiedades.
Sinto-me profundamente entristecida se fiz chegar, de forma inadequada, uma mensagem à sociedade que não condiz com os valores que todos nós devemos diuturnamente defender.
A frase que tem causado dubiedade quanto à existência de discriminação foi retirada de uma sentença proferida em processo de organização criminosa composta por pelo menos 09 (nove) pessoas que atuavam em praças públicas na cidade de Curitiba, praticando assaltos e furtos. Depois de investigação policial, parte da organização foi identificada e, após a instrução, todos foram condenados, independentemente de cor, em razão da prova existente nos autos.
Em nenhum momento a cor foi utilizada – e nem poderia – como fator para concluir, como base da fundamentação da sentença, que o acusado pertence a uma organização criminosa. A avaliação é sempre feita com base em provas.
A frase foi retirada, portanto, de um contexto maior, próprio de uma sentença extensa, com mais de cem páginas.
Reafirmo que a cor da pele de um ser humano jamais serviu ou servirá de argumento ou fundamento para a tomada de decisões judiciais.
O racismo é prática intolerável em qualquer civilização e não condiz com os valores que defendo.
Peço sinceras desculpas se de alguma forma, em razão da interpretação do trecho específico da sentença (pag. 117), ofendi a alguém.
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