A decisão da maioria do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quinta-feira, 26, sobre a obrigatoriedade de delatores apresentem suas alegações finais nos processos antes que os demais réus foi a maior derrota sofrida pela Operação Lava Jato nesses cinco anos.
O efeito em cadeia nos processos, com novas anulações de sentenças, é considerado certo, apesar de ainda sem dimensão determinável. A força-tarefa estimou há um mês que a extensão da medida para todos os casos pode invalidar pelo menos 32 sentenças, o que beneficiaria 143 réus condenados, de um total de 162.
Com seis votos a favor e três contra, o plenário do Supremo formou maioria ontem a favor da tese de que os réus delatados têm o direito de falar por último nos casos em que também há réus delatores (aqueles que fecharam acordos de colaboração premiada). Argumento acatado pela primeira vez há um mês, quando a Segunda Turma do Supremo anulou condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine.
A decisão para Bendine foi base para pedido de habeas corpus votado no plenário do Supremo ontem, que estendeu o benefício ao ex-gerente da Petrobras Marcio de Almeida Ferreira. A defesa alegou que ele sofreu grave constrangimento ilegal por não poder apresentar as alegações finais depois da manifestação dos réus colaboradores.
O tema voltará à discussão para definição de como o entendimento será aplicado aos demais processos. O presidente do STF, ministro Dias Toffoli, informou que seguirá a mesma compreensão, mas decidiu concluir a análise do caso na quarta-feira, 2, quando a composição da Corte estiver completa – o ministro Marco Aurélio Mello se ausentou no final da sessão dessa quinta.
Derrotas
A brecha aberta pelo STF é considerada por investigadores o pior golpe sofrido pela Lava Jato, que acumula reveses em 2019, no Judiciário e no Congresso. A anulação da condenação de 11 anos de prisão de Bendine, no dia 27 de agosto, por um problema processual e o risco de aplicação retroativa da jurisprudência criada pelo STF nesta quinta, representa uma derrota não só para a operação, mas também para o ex-juiz federal e atual ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e aos avanços no combate à corrupção e a impunidade, avaliam.
Em publicação em uma rede social, o procurador da República Roberson Pozzobon, da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba, afirmou que as “decisões dessa semana foram bastante decepcionantes”. Além da anulação de mais uma sentença pelo STF, ele citou outra derrota, a aprovação de regras mais duras para a Lei de Abuso de Autoridade, que segundo juízes e procuradores dificultarão a atividade de investigação e todo processo penal.
“Hoje pela lei de abuso de autoridade, se um juiz decreta a prisão de um integrante de uma organização criminosa e em uma instância recursal um desembargador ou um ministro entender que a prisão foi manifestamente ilegal, o juiz terá cometido um crime cuja pena é de quatro anos de prisão. Isso traz uma insegurança jurídica e um regime de medo que é incompatível com o estado democrático de direito”, afirmou Pozzobon.
Segundo o procurador, a única coisa a se esperar nesse caso é a decretação de inconstitucionalidade da lei, a ser analisada pelo Supremo. “Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal é a fonte da minha outra decepção nessa semana. Pelo menos a decisão da maioria dos seus membros, que hoje acabou resultando na anulação de uma condenação da Operação Lava Jato e essa anulação vai se refletir em vários outros processos da Lava Jato e também sobre vários outros processos Brasil afora, basicamente porque não foi respeitada uma ordem de alegações finais. Ordem essa que não está prevista na lei.”
Nesta sexta-feira, em Curitiba, Pozzobon afirmou que espera que a decisão seja “modulada” e aplicada para processos a partir da decisão e não de forma retroativa. O argumento é que não havia previsão legal para ordem diferenciada na apresentação das alegações finais dos réus.
Outra derrota da Lava Jato que impactou da operação foi em março, quando o STF decidiu que a Justiça Eleitoral seria a instância competente para julgar casos de crimes comuns conexos com eleitorais, gerando uma série de envios de processos do Ministério Público Federal do Paraná para a Justiça Federal.
No mesmo mês, por decisão do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, e iniciativa da então procuradora-geral da República, Raquel Dodge, foi suspenso o acordo entre Ministério Público, Petrobrás e autoridades norte-americanas que previa a criação de uma fundação voltada a iniciativas de combate à corrupção, com parte do dinheiro pago pela Petrobrás em multas em processo naquele país, cerca de R$ 2,5 bilhões.
No Congresso, a mais recente foi a derrubada dos vetos do presidente, Jair Bolsonaro, no Senado, no pacote de leis anticorrupção e anticrime organizado.
Em rede social, o procurador da República aposentado Carlos Fernando dos Santos Lima, ex-integrante da força-tarefa da Lava Jato, afirmou que é “impossível fazer Justiça quando supostos magistrados tiram da manga do colete nulidades absurdas para beneficiar poderosos”. As críticas também vieram de outras frentes.
Efeito
Em nota divulgada em agosto, após anulação da condenação de Bendine, a força-tarefa do MPF, em Curitiba, afirmou que “se o entendimento for aplicado nos demais casos da operação Lava Jato, poderá anular praticamente todas as condenações, com a consequente prescrição de vários crimes e libertação de réus presos.”
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“Os ministros estabeleceram uma nova interpretação que, se for aplicada como nova regra, vai alterar entendimentos pacíficos sobre princípios como o da ampla defesa.” Segundo a força-tarefa, a “nova regra não está prevista no Código de Processo Penal ou na lei que regulamentou as delações premiadas”.
A advogada Vera Chemim acredita que a decisão do STF “provocará a nulidade absoluta dos atos processuais a partir daquela fase (Alegações Finais) e o retorno dos autos a primeira instância, para que sejam reiniciados e novamente julgados”. Em análise feita para o Estadão a especialista falou em “ativismo judicial” e disse que “a Corte criou uma nova jurisprudência, uma vez que a legislação existente não prevê a possibilidade de prazos ‘sucessivos’ para réus delatados e por esta razão, não os diferencia dos réus delatores”.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ex-ministro José Dirceu, o ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha, o ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto estão entre os réus condenados nesses processos já julgados com delatores. Em cinco anos, 50 processos foram sentenciados na 13.ª Vara Federal, com 159 condenados. Em quase 80% deles há delatores entre os réus.
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De acordo com fontes ouvidas reservadamente pela reportagem, o entendimento a ser firmado pelo plenário do STF agora pode afetar processos de Lula como o do sítio de Atibaia, mas não a condenação imposta por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do triplex do Guarujá. Isso porque, no caso do triplex, não havia réus com acordo de colaboração premiada homologado pela Justiça na época da condenação em primeira instância.
A defesa de Lula pediu já anulação dos processos.
Números
Em meio ao mais duro contra-ataque – esse não é o primeiro – sofrido desde sua primeira fase, em março de 2014, a Lava Jato segue o curso: além de novas fases deflagradas, pelo menos 45 processos criminais estão abertos. Serão julgados na 13.ª Vara Federal pelo juiz Luiz Antonio Bonat ou pela juíza Gabriela Hardt.
São até aqui 441 pessoas denunciadas por crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, em especial, com total de 159 condenados. A Lava Jato revelou sistêmico esquema de corrupção na Petrobrás, durante os governos de Lula e Dilma. Balanço da força-tarefa da última semana informa que as 162 condenações somaram 2.249 anos.
Nesta sexta-feira, 27, foi deflagrada mais uma fase da Lava Jato, a Operação Alerta Mínimo, sobre esquema de gerentes de banco que deixavam de comunicar ao Coaf operações financeira suspeitas.
Em cinco anos, foram 66 fases deflagradas só em Curitiba. Foram decretadas mais de 320 prisões (preventivas e temporárias) e cumpridos mais de 1.270 mandados de busca e apreensão. Em dinheiro recuperado, a investigação garantiu até aqui o retorno de R$ 416.523.412,77 aos cofres da União. São R$ 14 bilhões previstos ao todo em acordos de leniência, delações premiadas e outros tipos de devolução alcançados.
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