A maior e principal entidade de promotores e procuradores em todo o País – Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp) – repudiou nesta sexta, 15, com veemência, o feroz ataque do ministro Gilmar Mendes a integrantes da força-tarefa da Operação Lava Jato. O ministro acusou procuradores de agirem com ‘métodos de gângster’. O ataque sem precedentes ocorreu durante a sessão plenária de quinta, 14, quando a Corte decidiu que a Justiça Eleitoral deve julgar crimes comuns, inclusive corrupção e lavagem de dinheiro, quando conexos a crimes eleitorais, como o caixa 2.
A decisão representa pesado revés para a Operação Lava Jato e foi criticada pela força-tarefa do Ministério Público Federal no Paraná.
- Foto: Walterson Rosa/FramePhoto/Estadão ConteúdoGilmar Mendes
Em nota subscrita por seu presidente, Vitor Hugo Palmeiro de Azevedo Neto, a Conamp afirmou que o ‘exercício de qualquer munus público exige de seus agentes postura equilibrada e respeitosa’ e por isso, ao atacar a Procuradoria durante a sessão, Gilmar ‘desborda do dever de urbanidade e do necessário respeito aos poderes constituídos’.
Na avaliação de Azevedo Neto, ao agir assim, o ministro deixa ‘deveres inerentes ao seu cargo, conforme exigência da Carta de Outubro e da Lei Orgânica Nacional da Magistratura, dentre os quais o de tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça’ – (Loman, artigo 35, IV).
Na sessão plenária do Supremo que jogou na conta da Justiça Eleitoral os processos em que caixa 2 se mistura com corrupção e outros delitos, Gilmar avançou como um trator sobre os procuradores que o indignam. “O que se trava aqui, a rigor, em um debate sobre competência, é uma disputa de poder. E se quer ganhar a forceps, constranger, amedrontar as pessoas. Mas fantasma e assombração aparecem para quem neles acredita.”
O ministro rememorou episódio de junho de 2017 no Tribunal Superior Eleitoral. “Eu acompanhei o julgamento na Justiça Eleitoral do caso Dilma/Temer e vi o que fizeram com o ministro Napoleão (ex-ministro Napoleão Nunes Maia Filho, do TSE). Vazando informação na décima hora para constranger. Isso não é método de instituição. Isso é método de gângster.”
Também nesta sexta, 15, o Instituto Não Aceito Corrupção emitiu nota criticando a decisão do Supremo.
Segundo o presidente do órgão, Roberto Livianu, o entendimento da Corte ‘poderá aumentar a já agoniante morosidade, levando muitos casos à prescrição’.
“A decisão pode implicar na anulação de inúmeras condenações proferidas com base nas regras em vigor contra acusados de graves violações ao patrimônio público, como o ex-presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, o ex-governador do Rio Sérgio Cabral e quase todos os casos em que atuou a Operação Lava Jato, que completa neste domingo cinco anos de atuação que mudaram a história do Brasil”, afirma Livianu.
O placar do julgamento foi apertado, 6 votos a 5. O voto decisivo foi dado pelo presidente do STF, ministro Dias Toffoli, que, como outros cinco magistrados, é contrário a separar crimes comuns e delito eleitoral quando há conexão.
Além de Toffoli, votaram desta forma os ministros Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello, Celso de Mello, Alexandre de Moraes e Ricardo Lewandowski.
Vencidos, foram favoráveis à separação das investigações os ministros Edson Fachin, Luís Roberto Barroso, Rosa Weber, Cármen Lúcia e Luiz Fux.
Confira a nota da CONAMP
A ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO (CONAMP), entidade que representa mais de 15 mil Membros do Ministério Público brasileiro, vem a público externar REPÚDIO às declarações do Ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, feitas na data de ontem (14/03/2019), em julgamento público, ao fazer referência à atuação do Ministério Público.
O exercício de qualquer munus público exige de seus agentes postura equilibrada e respeitosa, não se podendo esperar atuação diferente de um Ministro da Suprema Corte brasileira, que, ao proferir voto, desborda do dever de urbanidade e do necessário respeito aos poderes constituídos, descurando assim, dos deveres inerentes ao seu cargo, conforme exigência da Carta de Outubro e da Lei Orgânica Nacional da Magistratura, dentre os quais o de “tratar com urbanidade as partes, os membros do Ministério Público, os advogados, as testemunhas, os funcionários e auxiliares da Justiça”.(LOMAN, artigo 35, IV).
O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa dos interesses e valores da sociedade, jamais cogitando-se deixar de cumprir sua missão ou fazê-la com objetivos que não o cumprimento da lei, conforme os contornos expressos na Constituição da República.
O perfil institucional conferido ao Ministério Público pelo constituinte originário, inclusive com as prerrogativas e garantias conferidas a seus membros, constitui patrimônio imaterial da sociedade brasileira e um dos alicerces do estado democrático de direito, devendo seu agir impessoal ocorrer com a independência e autonomia que lhe asseguram jamais se subordinar a qualquer ideologia ou segmento, inclusive político, sempre buscando o interesse público.
As prerrogativas de magistratura conferidas ao Ministério Público não são para a própria Instituição, mas para a atuação independente em favor da sociedade e do cumprimento rigoroso da lei, sendo corolário disso a impossibilidade de se inferir controle sobre o mérito de sua atuação, a não ser pela via judicial, conforme comando do art.5º, inciso XXXV, da Constituição Federal.
Diante do exposto, em postura de constante vigilância e defesa da independência e da autonomia do Ministério Público e de seus agentes, a CONAMP manifesta apoio e ratifica confiança na isenção de suas atuações, e repudia qualquer manifestação que, indevida e antidemocraticamente, ameace as prerrogativas, atribuições e independência da instituição ministerial e de seus membros.
Brasília-DF, 15 de março de 2019.
Vitor Hugo Palmeiro de Azevedo Neto
Presidente da CONAMP
Confira a nota do Instituto Não Aceito Corrupção
O Instituto Não Aceito Corrupção externa sua preocupação em relação aos reflexos da interpretação adotada ontem (14/03), em decisão com votação apertadíssima, pelo STF, que fixou a competência da Justiça Eleitoral para julgamento dos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e outros do colarinho branco, nos processos que envolvam também caixa dois para campanha ou outros crimes eleitorais.
O sistema de Justiça Eleitoral no Brasil, assim como a Justiça Militar, por exemplo, foi concebido para a análise de temas extremamente específicos, como o registro de candidaturas e abusos de poder econômico nas campanhas eleitorais, havendo grave risco a partir desta decisão de aumento da impunidade, principal fator de perda de credibilidade do Poder Judiciário.
Isto porque a Justiça Eleitoral funciona a partir de um corpo de dedicados magistrados e membros do MP que exercem este papel especializado num sistema de rodízio bienal e em acúmulo a suas outras já sobrecarregadas funções habituais e permanentes, não estando a Justiça Eleitoral estruturada para enfrentar esta demanda referente a casos graves e complexos de corrupção, analisados historicamente no Brasil pela justiça comum.
A sobrecarga extra gerada poderá aumentar a já agoniante morosidade, levando muitos casos à prescrição, que geraria ainda mais amargura e fulminaria o legítimo anseio social pela efetividade da justiça contra a corrupção.
Por outro lado, a decisão pode implicar na anulação de inúmeras condenações proferidas com base nas regras em vigor contra acusados de graves violações ao patrimônio público, como o ex-Presidente da Câmara dos Deputados Eduardo Cunha, o ex-Governador do Rio Sérgio Cabral e quase todos os casos em que atuou a operação Lava Jato, que completa neste domingo cinco anos de atuação que mudaram a história do Brasil.
A sociedade brasileira vive momento de terrível angústia decorrente da prática endêmica da corrupção, que se refletiu em boa medida nos resultados das eleições de 7 de outubro, o que demanda atenção extrema em relação ao impacto da decisão tomada nos processos em curso e já decididos bem como em relação ao futuro da Operação Lava Jato e do próprio sistema de justiça de combate à corrupção.
Pensamos ser absolutamente essencial que o Congresso Nacional delibere imediatamente sobre o tema, para ajustar a legislação, determinando de forma clara e induvidosa ser a Justiça Eleitoral competente para julgar exclusivamente crimes eleitorais, sem possibilidade de extensão de competência por conexão, instrumento processual concebido para otimizar os resultados da distribuição de justiça, e não, para estar a serviço da impunidade.
Concitamos ainda o STF a proclamar como válidos os atos já praticados em processos tramitando na Justiça Comum Estadual ou Federal, especialmente quando a competência da justiça comum não tiver sido questionada pelos acusados nos respectivos processos.
Enaltecemos, por fim, a responsabilidade da mídia de esclarecer à sociedade sobre a realidade do funcionamento da Justiça Eleitoral no Brasil. Enfatizamos ainda a importância da mobilização social em relação ao tema, especialmente porque outro assunto de importância capital está pautado para julgamento em 10/04 no STF e diz respeito à prisão após condenação em segundo grau, realidade em todo o mundo.
INSTITUTO NÃO ACEITO CORRUPÇÃO
Roberto Livianu
Presidente
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