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Saúde

Entenda regras para cigarro eletrônico no Brasil e ao redor do mundo

Brasil faz parte de um grupo de 32 nações que vetam o comércio do produto no mercado.

Após consultas públicas nos últimos meses, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) deve começar a votar hoje sobre manter ou não a proibição da venda de cigarros eletrônicos no País. O Brasil faz parte de um grupo de 32 nações que vetam o comércio do produto, a exemplo de México, Índia e Argentina. Outras 79 – como Estados Unidos, Reino Unido e Canadá – liberaram com maior ou menor grau de restrição, conforme relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS) de 2021.

Fabricantes dos dispositivos argumentam que eles oferecem risco reduzido à saúde, em comparação ao cigarro tradicional, e por isso deveriam ser liberados como alternativa para uso adulto. Também dizem que o veto não impede a venda irregular. Pesquisas científicas de universidades de ponta e entidades médicas, porém, apontam presença de substâncias desconhecidas nos dispositivos e potencial de incentivar o tabagismo entre adolescentes e jovens que nunca fumaram – o que justificaria manter a proibição.


Cigarros eletrônicos, ou vapes, funcionam por meio de uma bateria que aquece um líquido interno, composto por água, aromatizante, nicotina, propilenoglicol e glicerina. Têm formas variadas, e modelos mais modernos se parecem com pen-drives. Alguns são fechados: não é possível manipular o líquido interno. Outros podem ser recarregados com líquidos de várias substâncias e sabores, como uva e menta.

Os cigarros eletrônicos surgiram nos anos 2000 e tiveram crescimento impulsionado, inicialmente, por empresas novas. Depois, grandes multinacionais de tabaco como British American Tobacco (BAT), Philip Morris e Altria compraram participações em empresas de cigarros eletrônicos ou criaram as próprias marcas. Hoje, são cerca de 30 mil marcas de cigarros e líquidos à venda na Europa. Em 2014, as vendas globais eram de US$ 2,76 bilhões (R$ 14,8 bilhões). Após cinco anos, saltaram para US$ 15 bilhões (R$ 80,7 bilhões).

Anvisa

A regra brasileira que proíbe os cigarros é de 2009. Na época, a Anvisa apontou ausência de dados científicos que comprovassem a segurança dos dispositivos e seguiu um princípio de precaução ao proibir. Já em abril deste ano, apresentou relatório parcial com nova avaliação. Esse estudo sugeriu manter a proibição e aumentar a fiscalização para coibir vendas irregulares. Hoje, um relatório final será apresentado pela Anvisa, que deve iniciar votação sobre o tema.

O México baniu o produto em maio – já havia proibido a importação e exportação, mas decidiu endurecer as regras, sob justificativa de que vapes atraem adolescentes e podem ter substâncias tóxicas em níveis mais altos do que a fumaça do tabaco em combustão.

Já os países que liberaram, como o Reino Unido, veem redução de danos na comparação com o cigarro tradicional. Estudo de 2015 divulgado pela agência do serviço de saúde britânica, a PHE, indicou que cigarros eletrônicos são 95% menos prejudiciais do que o tabaco – os dados, usados como argumento pela liberação, foram contestados depois por parte dos cientistas, por suposto conflito de interesses.

Países que liberam vapes fixam diversas regras: cigarros eletrônicos podem ser classificados como produtos de tabaco, farmacêuticos ou de consumo. Portugal e Itália estabelecem limites de nicotina presente no líquido e tamanho do refil para recarga.

Também há indicações de veto da venda a adolescentes ou de uso em áreas fechadas. Na Austrália, cigarros eletrônicos de nicotina são considerados medicamentos e só podem ser obtidos com receita médica. A ideia da norma, de 2021, é conter o uso por jovens – de 2016 a 2019, a taxa de australianos de 18 a 24 anos que relatam usar os dispositivos quase dobrou, de 2,8% para 5,3%, segundo a OMS. Há ainda países, como Finlândia e Hungria, que vetam qualquer sabor que não seja o de tabaco.

Jovens

O uso por adolescentes foi um dos principais efeitos colaterais da popularização de cigarros eletrônicos. Nos EUA, um em cada cinco alunos de ensino médio usava vapes em 2020, segundo o Centro de Controle e Prevenção de Doenças. Em 2011, a taxa, conforme a OMS, era de 1,5%. Quando surgiram, os cigarros eletrônicos encontravam pouca supervisão federal nos Estados Unidos. Só em 2016, a FDA, órgão de vigilância sanitária americana, passou a regulá-los como “novos produtos de tabaco” e tornou ilegal vender vapes a menores de 18 (em 2019, subiu para 21 anos).

Tentativas regulatórias de reduzir os efeitos nocivos, principalmente entre os jovens, têm se mostrado pouco eficazes, segundo pesquisadores das Universidades de Stanford e da Califórnia. Em 2020, a FDA priorizou a fiscalização de cigarros eletrônicos em forma de cápsulas e cartuchos com sabor, mas cresceu o consumo de descartáveis.

“Estamos preocupados porque, a menos que a FDA regule todos os tipos de tabaco e, em particular, todos os tipos de cigarros eletrônicos, continuaremos a ter jovens pulando para diferentes dispositivos de cigarro eletrônico”, disse ao Estadão a professora de Pediatria de Stanford Bonnie Halpern-Felsher, autora da pesquisa. Segundo ela, políticas para vapes nos EUA não têm conseguido proteger os mais novos.

Representantes da indústria do tabaco, porém, argumentam que a liberação não é para adolescentes. “Esses produtos não são de risco zero, são de risco reduzido. A maior parte contém nicotina e não são para menores de 18 anos”, diz Delcio Sandi, diretor de relações externas da BAT Brasil, com produtos à venda em mais de 30 países. “O que queremos é oferecer a adultos fumantes brasileiros essa alternativa.”

Já a Philip Morris, em nota, aponta que seu produto de tabaco aquecido difere de cigarros eletrônicos e “afasta a perspectiva de iniciação de jovens”. Afirma ainda que o interesse é “quase exclusivo de adultos fumantes por alternativas menos tóxicas”.

Mobilizações

Para Paulo Corrêa, da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia, países que liberaram os dispositivos têm dificuldade de retroceder nas regras e há judicialização. Ele cita que, em junho, a FDA negou autorização a uma das marcas mais populares nos EUA, a Juul, por falta de evidências sobre efeitos adversos. No dia seguinte, a empresa obteve liminar para manter seus produtos no mercado.

“Alguns países, por falta de evidência científica de que os produtos causavam malefício à saúde (na época), liberaram a venda às vezes até sem regulação”, diz Andréa Reis, chefe da Divisão de Controle do Tabagismo do Instituto Nacional de Câncer (Inca). O volume de evidências hoje, afirma, justifica manter o veto. “Estados Unidos e União Europeia estão dando um passo atrás.” Em junho, a Comissão Europeia propôs proibir a venda de produtos de tabaco aquecido com sabor, em tentativa de tornar o fumo “o menos atraente possível” – o órgão estima alta de 10% nas vendas em seis países. “Não tivemos tempo de estudar todos os danos produzidos pelo aerossol”, diz Andréa.

Em 2021, estudo de cientistas da Universidade Johns Hopkins (EUA), publicado na revista Chemical Research in Toxicology, encontrou quase 2 mil substâncias em cigarros eletrônicos, a maioria não identificadas. Entre os reconhecidos, seis eram potencialmente prejudiciais. Foram analisadas quatro marcas populares, com sabor de tabaco, e chamou a atenção do grupo a detecção de cafeína em duas delas – o que já havia sido achado antes, mas só em cigarros com sabor de café ou chocolate. “Isso pode estar dando aos fumantes impulso extra que não é divulgado”, disse Mina Tehrani, uma das autoras, em comunicado da Johns Hopkins.

A alta concentração de nicotina em certos dispositivos (a vaporização de um “pen-drive”, por exemplo, equivale a um maço) também torna a experiência altamente viciante. Nos EUA, casos de lesão pulmonar associada aos cigarros eletrônicos (Evali) chamaram a atenção em 2019. O país registrou 68 mortes, em faixa etária média de 24 anos. Após pesquisas, os Centros de Controle e Prevenção de Doenças concluíram que produtos com THC (componente da maconha) estavam ligados à maioria dos casos. No Brasil, a Anvisa recebeu oito notificações. A primeira, em 2019; a última, em abril.

Representantes da indústria do tabaco afirmam que a lesão não é causada pelo dispositivo, mas pela adulteração do líquido usado e dizem ainda que dúvidas sobre a composição dos cigarros eletrônicos recaem justamente em produtos irregulares – e que a regulação poderia impedir problemas.

A especialista em toxicologia e doutora pela USP Silvia Cazenave diz que a “regulamentação auxilia o controle porque quando se regulamenta, obriga-se a fiscalização”. Segundo ela, a regulação também pode ajudar a encontrar formatos que evitem o consumo entre jovens, público considerado mais vulnerável, como controlar a publicidade online e sabores atraentes aos mais novos.

A proibição, diz a Philip Morris, leva ao “uso irresponsável” dos mais diversos tipos de cigarro eletrônico e sem “nenhum tipo de controle”. Liberar com regras elevaria o controle em caso de problemas e evitaria perda na arrecadação de impostos criada pela venda irregular (não taxada).

A Anvisa reconhece a necessidade de enfrentar o mercado irregular e fez a sugestão, no último relatório, de melhorar a fiscalização no meio digital, fronteiras e pontos de venda, com ajuda da Receita Federal e polícias. Aponta ainda que mesmo onde dispositivos foram liberados com regras, o mercado ilegal continuou. Segundo o governo canadense, 80% das lojas promoviam produtos fora das regras em 2019. Procurada, a Anvisa disse que a análise de impacto foi feita pela área técnica e sua finalização está sendo concluída com base no apresentado na tomada pública de subsídios de 60 dias, “encorpando o processo com a participação dos stakeholders desse mercado”.

Experimentação de cigarro eletrônico é maior entre jovens

Dados de um inquérito brasileiro divulgado em março mostram que a taxa de experimentação do cigarro eletrônico entre jovens de 18 a 24 anos é o dobro do índice da população adulta em geral. Um em cada cinco jovens disseram que já usaram os dispositivos – a taxa cai para 7,3% na população em geral, diz estudo da Universidade Federal de Pelotas (UFPel).

O risco da liberação, para especialistas em saúde, é aumentar o uso por quem ainda não fuma – e esses podem migrar para o cigarro tradicional, mais barato, ou passar a usar os dois produtos. O Brasil é reconhecido internacionalmente por esforços para reduzir o tabagismo (nos últimos 25 anos, a taxa de fumantes caiu de 34,8% para 12,8%).

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