Houve um tempo em que alguns pensavam que os países pobres poderiam escapar do pior na pandemia – graças a densidade populacional, demografia ou clima. Provou-se que não é este o caso. Na verdade, julgando pelo “excesso de mortalidade”, uma métrica que leva em conta o número de pessoas que morreram de qualquer causa em um determinado período em comparação com a média histórica de mortes, países pobres com frequência se saem pior do que os ricos.
O Peru, afligido atualmente por uma segunda onda da pandemia, registrou mais de 4 mil mortes em excesso por 1 milhão de habitantes desde seu início, mais que o dobro do índice nos Estados Unidos, Reino Unido ou Itália. Se a crise de covid-19 na Índia cobrar uma taxa similar de excesso de mortalidade, isso resultará em quase incomensuráveis 5,6 milhões de mortos.
Esforços de vacinação nos lugares mais pobres do mundo, enquanto isso, avançam com dificuldade. Na África, apenas 1% das pessoas recebeu pelo menos uma dose da vacina; na Ásia, 4,4% se imunizaram. Na Europa e nos EUA, os índices são de 22% e 44%, respectivamente, de acordo com o Our World in Data, um projeto de pesquisadores da Universidade de Oxford. Países ricos se concentraram em vacinar suas populações, deixando que países pobres lutem para conseguir vacinas contra a covid-19 ou desenvolver o próprio imunizante.
As doações estão fracassando em preencher esse vazio. A Covax, uma iniciativa global de distribuição de vacinas financiada por países ricos, principalmente da Europa e da América, doou 49 milhões de doses para 120 países, de acordo com a Airfinity, uma empresa de análise com base em Londres.
A China doou 13,4 milhões de doses a 45 países, a maioria para Paquistão, Laos, Camboja e Filipinas. A Índia, lar do Instituto Serum, o maior fabricante de vacinas do mundo, doou 10,5 milhões, principalmente para Bangladesh, Mianmar, Nepal e Butão, o que praticamente se iguala ao número de doses que a Índia recebeu do Covax, de 10 milhões.
Ao todo, o mundo doou 73,4 milhões de doses, o que é suficiente para ministrar uma dose em somente 1% da população mundial. Em 26 de abril, a Casa Branca disse que os EUA compartilhariam até 60 milhões de doses da vacina de Oxford/AstraZeneca com o restante do mundo, mas somente 10 milhões dessas doses tinham sido produzidas.
Mais vacinas estão a caminho, mas nem de perto com rapidez suficiente. Até a metade de 2021, a Covax espera entregar 238 milhões de doses, o suficiente para ministrar uma dose a 3% da população mundial. A escassez de vacinas é o maior problema. A produção pode ser imprevisível, e aumentar esse ritmo é difícil. O fornecimento das matérias-primas também é limitado. Ao mesmo tempo, países se movimentaram para garantir a segurança de seus cidadãos em primeiro lugar.
Se a OMS aprovar nos próximos dias as vacinas da Sinovac e da Sinopharm, da China, ampliando as opções de vacinas que a Covax pode comprar, isso pode ajudar. Em 3 de maio, a Moderna afirmou que forneceria 34 milhões de doses de sua vacina contra covid-19 à Covax.
O dinheiro também é um problema. Em 16 de abril, as doações à Covax totalizaram apenas US$ 6,6 bilhões. Antecipando-se ao encontro dos líderes do G-7, em junho, o ex-primeiro-ministro britânico Gordon Brown pediu que os países ricos destinem US$ 60 bilhões para o combate à pandemia nos países pobres.
Há uma forte motivação moral para vacinar os pobres do mundo. Mas isso também beneficia os países ricos. Mais infecções, independentemente de onde ocorram, significam mais oportunidades para o vírus Sars-CoV-2 sofrer mutações, que podem, no pior dos cenários, deixar as pessoas vacinadas vulneráveis outra vez. Para ricos e pobres, esse é um desdobramento que deve ser evitado a quase qualquer custo.
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