As vacinas têm e continuarão tendo um papel fundamental e insubstituível no combate à pandemia de covid-19. No Brasil, isso se percebe facilmente pela queda acentuada no número de mortes e internações à medida que cresce o porcentual da população completamente imunizada. No entanto, frente a uma doença que tende a se tornar endêmica, os pesquisadores avançam em estudos de abordagens complementares, como os antivirais orais e os anticorpos monoclonais.
“Tivemos um hiato muito curioso de perspectivas terapêuticas. Houve um ânimo inicial, depois passamos um bom tempo maturando e, agora, finalmente parece haver uma luz no fim do túnel”, afirma Margareth Pretti Dalcolmo, médica pneumologista e pesquisadora da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
As pesquisas já começam a responder a questões importantes, como, por exemplo, sobre qual o momento ideal para que algum fármaco possa funcionar. “Para formas leves e moderadas, não há dúvidas de que os antivirais podem ter uma atividade de prevenir que esses casos, eventualmente, evoluam para uma forma mais grave”, afirma Margareth.
Nesse sentido, consideram-se fármacos como o favipiravir, que já existia, e o molnupiravir, desenvolvido já no contexto da covid-19. “A lógica é tratar os pacientes precocemente, uma vez diagnosticados com a doença. A vantagem é que são medicamentos orais; o desafio é o custo, praticamente impossível para o Brasil. O molnupiravir, por exemplo, custa 700 dólares por dez doses”, diz a pesquisadora.
Para que o medicamento chegue ao SUS, será preciso barateá-lo de alguma forma. E um dos caminhos é sua produção no Brasil. Por isso, como conta Margareth, a Fiocruz já começou a estabelecer um diálogo com a farmacêutica americana Merck Sharp & Dohme (MSD), detentora da patente.
preço também é uma questão restritiva no caso dos anticorpos monoclonais, medicamento que ficou bastante conhecido quando, em outubro de 2020, o então presidente dos EUA, Donald Trump, recebeu esse tratamento após contrair covid e ser hospitalizado.
Os monoclonais são feitos em laboratório e têm a função de mimetizar a ação dos anticorpos produzidos pelo nosso próprio corpo. “O resultado é extraordinário, de mais de 80% de bloqueio para progressão da doença. Já há mais de 26 produtos em estudos clínicos, vários deles aprovados para uso emergencial, e, para nossa surpresa, quatro já foram aprovados pela própria Anvisa”, afirma Esper Kallás, médico infectologista e professor da Universidade de São Paulo (USP).
Entretanto, por uma série de razões, não se vê a aplicação dessa tecnologia no Brasil. Como explica Kallás, além do custo elevado, os anticorpos monoclonais são injetáveis e precisam ser ministrados em ambiente hospitalar. Além disso, seu uso é mais restrito, já que a maioria das pessoas tem o curso mais brando da doença e não precisaria do tratamento.
“Se você pode evitar que uma pessoa mais vulnerável passe dias na UTI, faz todo o sentido do mundo. Mas a gente não vê movimentos de negociação do governo com as farmacêuticas para baixar preço. O governo (federal) defende cloroquina e ivermectina; e temos um tratamento precoce, com 85% de proteção contra a forma grave da doença, que não é levado em consideração”, observa Kallás.
Diálogo pode facilitar acesso a medicamentos
O caminho para tornar esses medicamentos mais acessíveis está no diálogo constante, afirma Abner Lobão, diretor médico da Takeda no Brasil. Ele pontua alguns progressos nesse sentido, como o fato de as farmacêuticas estarem melhorando os mecanismos de acesso a drogas de alto custo. Um exemplo é a possibilidade do risco compartilhado: se a droga dá certo, o governo paga; se não dá, o custo fica para a indústria. A Takeda, diz ele, também pratica preços diferenciados de acordo com a situação econômica do país.
“Os canais precisam ser completamente abertos entre a indústria, os pesquisadores e o governo. Quanto mais a conversa é transparente, desarmada e continuada ao longo do tempo, mais a gente pode ter esperança de posicionar o desenvolvimento de medicamentos e soluções para pessoas num mundo melhor”, acredita Lobão.
Elizabeth de Carvalhaes, presidente executiva da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma), ressalta que a indústria farmacêutica está entre os primeiros setores do ranking econômico brasileiro e que tem ainda muito potencial de crescimento. “O desafio é discutir qual o ambiente de negócios que o País precisa oferecer para ser um polo altamente atrativo ao investimento científico, ao desenvolvimento de ciência e, principalmente, à pesquisa clínica.”
A afirmação de Elizabeth vai na contramão do projeto de lei, sancionado no mês passado, que permite a quebra temporária de patentes de vacinas, medicamentos e testes de diagnóstico contra a covid-19. No comunicado em que anunciou a sanção, o Palácio do Planalto disse que a quebra de patentes não será aplicada neste momento, mas, sim, apenas se a empresa proprietária “se recusar ou não conseguir atender à necessidade local”.
“De qualquer forma, isso cria uma insegurança jurídica. E, quando você cria uma insegurança jurídica, gera um desincentivo”, opina o economista Ricardo Amorim, que participou do painel Propriedade Intelectual e o Futuro da Inovação em Saúde, promovido pela Janssen. “Isso significa que medicamentos que poderiam vir para o Brasil podem não vir pela análise de risco de quebra de patentes”, diz ele.
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