Desde o anúncio do índice geral de eficácia da Coronavac pelo Instituto Butantan esta semana, apareceram nas redes sociais cálculos que apontavam que a eficácia da vacina é de 49,69%, e não de 50,38%, como divulgado. O método usado na conta, porém, está errado para o caso da Coronavac e não corresponde ao modelo definido pelo Butantan em seu protocolo de pesquisa para calcular a eficácia da vacina, disse ao Estadão o diretor médico de pesquisa clínica do instituto, Ricardo Palacios.
O cientista explica que o cálculo que aponta eficácia de 49,69% é inadequado para essa pesquisa por considerar apenas o número absoluto de infecções em cada grupo do estudo (placebo e vacinado) e deixar de fora outro fator considerado na avaliação do Butantã: o tempo de exposição ao risco de cada participante dos testes clínicos até ele ser infectado.
Em estatística, o método que considera também a variável tempo de exposição ao risco é chamado de análise de sobrevivência e tem como principal medida o hazard ratio (HR). Há também, na estatística, a análise clássica, que leva em conta só o número de infecções em cada grupo, sem considerar o tempo de exposição. Ela tem como medidas o odds ratio (OR) ou risco relativo (RR).
Nenhum método é superior ou inferior. A opção por utilizar um ou outro depende do desenho e do objetivo do estudo. O mais importante é que a metodologia fique clara antes do início dos testes clínicos, para que não haja nenhum desvio dos objetivos iniciais.
Palacios explicou que o Butantan preferiu usar esse método por ser um estudo de curta duração, no qual o tempo de exposição ao risco de infecção de cada voluntário poderia variar muito. “Cada voluntário, após tomar a segunda dose da vacina, vai portando um tempo a cada dia extra que ele fica exposto ao risco de infecção. Na análise da eficácia pelo hazard ratio, o tempo de exposição de cada voluntário é somado para calcularmos a incidência de casos conforme o tempo”, explicou Palacios.
No slide de apresentação dos resultados da Coronavac, além dos números absolutos, o pesquisador apresentou essa incidência, que seria de 11,74 no grupo vacinado contra 23,64 no grupo placebo - daí foi calculada a taxa de 50,38%.
“Se fosse um estudo em que a análise de eficácia fosse feita após dois anos, por exemplo, não teria tanta diferença porque todos os voluntários ficariam expostos por um tempo similar. Mas, nesse caso, consideramos que seria mais adequado atribuir riscos diferentes conforme o tempo porque o risco de um voluntário com duas semanas de exposição após a vacinação é diferente de um que ficou quatro meses exposto”, explica ele.
O diretor ressaltou que a escolha pelo método está descrita no protocolo de pesquisa da Coronavac, elaborado em agosto, apresentado à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para obtenção do aval para a pesquisa e publicado em revista científica revisada por pares. “Nesse protocolo a gente descreve com antecedência a forma como essa análise vai ser feita justamente para não sermos acusados de mudar a regra do jogo durante a partida”, esclareceu o pesquisador.
O Estadão consultou o protocolo e o documento traz, de fato, na página 47, a informação de que o método usado seria o do cálculo do hazard ratio. “A eficácia vacinal entre os participantes com sintomas de covid-19 com detecção de ácido nucléico de SARS-CoV-2 em amostra clínica será avaliada usando regressão de riscos proporcionais de Cox, estratificado por faixa etária e sexo, com uma covariável de grupo de alocação para comparar os que receberam vacina com os que receberam placebo. Esse modelo calcula a eficácia vacinal estimada (1 – hazard ratio), intervalo de confiança 95% e os valores de p”, diz o documento.
Outros fabricantes de vacinas também usaram a metodologia de análise de sobrevivência, com o cálculo do hazard ratio, para determinação da eficácia. A farmacêutica americana Moderna foi uma delas, conforme detalhado no protocolo de pesquisa da vacina e no artigo com os resultados do estudo, publicado na revista científica New England Journal of Medicine.
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