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Saúde

Ministério da Saúde só gastou 29,3% de recursos para combater covid-19

De R$ 39,3 bilhões liberados pela União, R$ 11,5 bilhões saíram dos cofres; especialista vê falha de gestão.

Com o número de vítimas do novo coronavírus no País se multiplicando em ritmo acelerado, a necessidade de recursos para prevenção e combate à pandemia parece ilimitada. Mas só uma parcela da verba disponível tem sido usada pelo Ministério da Saúde para enfrentar a doença.

Segundo o Painel do Orçamento Federal, elaborado com base nos dados mais recentes do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), de 22 de junho, o ministério só gastou até agora R$ 11,5 bilhões dos R$ 39,3 bilhões liberados pelo governo – 29,3% do total. Outros R$ 2,1 bilhões (5,3%) já estão comprometidos com o pagamento de contas, mas ainda não saíram do caixa.


É certo que a execução do orçamento é um problema crônico do setor público brasileiro, nos três níveis de governo – federal, estadual e municipal. É comum os gestores chegarem no final do ano com sobras de caixa, porque não conseguem fazer o dinheiro chegar na ponta, seja pela burocracia intransponível da “máquina”, seja pela incapacidade de gestão e pela dificuldade de transformar planos em realidade.

“O Estado brasileiro é paquidérmico”, afirma o economista Felipe Salto, diretor executivo da Instituição Fiscal Independente (IFI), ligada ao Senado, e colaborador do Estadão. “Da mesma forma como é difícil fazer um ajuste fiscal, não é fácil gastar rápido.”

Mesmo em comparação com outros órgãos que receberam recursos para enfrentar a pandemia, o desempenho do Ministério da Saúde deixa a desejar. Ainda de acordo com dados do Painel do Orçamento, do total de R$ 404 bilhões liberados pelo governo em verbas adicionais para combate à pandemia, incluindo recursos para aliviar seu impacto econômico e social, R$ 177,4 bilhões (43,9%) foram gastos de fato pela União.

Além disso, R$ 121,6 bilhões (30,1%) foram empenhados para pagar contas pendentes. Não é nenhuma maravilha em termos de capacidade de execução, mas pelo menos traduz um desempenho mais efetivo.

“Alguns programas são mais fáceis de agilizar o pagamento. Quando você tem de fazer uma transferência de renda para uma pessoa, é claro que tem toda a questão operacional, de como viabilizar isso, se vai ser pela Caixa, se será por meio de uma transferência bancária ou por meio de um cartão concedido a cada beneficiário. Mas, tirando isso, é uma coisa relativamente rápida”, afirma Salto.

“Agora, quando a gente está falando de saúde, é mais complicado, porque pode envolver contratos, compras, processos burocráticos. Por isso, o Congresso aprovou aquela PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Orçamento de Guerra, que acabou sendo promulgada, prevendo a possibilidade de dispensar as licitações para acelerar os processos de compras.”

Ainda assim, de acordo com ele, “está faltando gestão” na Saúde. “É claro que a gente vai saber melhor o que está acontecendo depois, quando o TCU (Tribunal de Contas da União) fizer uma apuração dessa letargia”, diz. “Mas o que dá para dizer desde já é que o Estado brasileiro não está preparado para fazer gastos com eficiência. Infelizmente, a gente está vendo isso da pior forma possível.”

Falta de continuidade

Uma parte considerável do problema se deve, em sua avaliação, à interferência do presidente Jair Bolsonaro na pasta, às divergências sobre o que fazer e à falta de continuidade administrativa, em decorrência da troca constante de ministros e da saída de técnicos envolvidos desde o princípio com a gestão da crise.

A indicação de um militar para o ministério, o general Eduardo Pazuello, sem experiência na área, para comandá-la em meio a uma pandemia, não ajuda. Salto lembra, porém, que, no governo Fernando Henrique Cardoso, quando o senador José Serra (PSDB-SP) foi nomeado ministro da Saúde, ele também não era do ramo, mas conseguiu fazer o processo andar, ao colocar gente respeitada do setor embaixo dele para auxiliá-lo.

“Você precisa de um ministro da Saúde de peso, que tenha capacidade administrativa para fazer as coisas funcionarem. Se isso já vale nos períodos normais, imagine numa crise como essa”, diz. “Agora se você fica trocando de ministro como quem troca de roupa e não tem uma referência clara no comando, fica difícil. O Pazuello pode ter as qualidades dele, mas não tem retrospecto nisso aí.”

Antes de Pazuello, o ministério foi comandado durante a pandemia pelos médicos Luiz Henrique Mandetta, que deixou o governo em abril, e Nelson Teich, que saiu em maio. Procurado pelo Estadão para comentar a baixa aplicação do dinheiro recebido durante a crise, o Ministério da Saúde avalizou os números publicados acima, mas preferiu se manifestar sobre o assunto por escrito, por meio de nota oficial.

“Parte considerável das despesas não executadas é relativa a aquisições diretas, do próprio Ministério da Saúde, especialmente de EPIs (equipamentos de proteção individual) e respiradores, cujos pagamentos são efetuados após o recebimento”, diz a nota. “Acrescente-se também que os repasses e pagamentos mensais são realizados em parcelas e não de forma única, a exemplo da contratação de profissionais pelo programa ‘Mais Médicos’ e pela estratégia ‘O Brasil Conta Comigo’.”

Verba “empoçada”

Conforme a nota do ministério, do total de gastos já efetuados, R$ 9,5 bilhões foram repasses já feitos aos entes subnacionais, para reforçar a estrutura hospitalar. O ministério lista também uma série de ações que empreendeu, para mostrar que não está parado e justificar os gastos realizados no enfrentamento da pandemia.

Fazem parte da lista a habilitação de 8.674 leitos de UTI exclusivos para pacientes do novo coronavírus, ao custo de R$ 1,24 bilhão transferido de uma só vez a Estados e municípios e a compra e a distribuição de 115,2 milhões de EPIs para profissionais de saúde, como máscaras, luvas, aventais e álcool em gel, e de mais 240 milhões de máscaras da China, que estão chegando ao País com apoio logístico do Ministério da Infraestrutura.

A lista inclui, ainda, a compra e a distribuição de 11,3 milhões de medicamentos (2,9 milhões de comprimidos de cloroquina e 8,4 milhões de cápsulas de oseltamivir), de cerca de 10 milhões de testes e de 3.854 ventiladores pulmonares, além da contratação de mais de seis mil profissionais de saúde, para reforçar o atendimento à população.

A questão é que tudo isso tem a ver com a verba gasta e não com a que está “empoçada” no ministério. Se o órgão estivesse conseguindo usar mais os recursos já liberados pelo governo, sem perder tanto tempo com discussões políticas, talvez o Brasil não estivesse ocupando o segundo lugar na lista dos países com o maior número de mortos e de contaminados pelo novo coronavírus.

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